[ANPPOM-Lista] A corrupção nos concursos públicos acadêmicos

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Qui Out 24 03:47:09 BRST 2013


*Professor critica ‘compadrismo’ na seleção de professores universitários e
aponta soluções para o problema, como a criação de comissão independente
para o assunto*



*Por Angelo Segrillo **


Um segredo de polichinelo é que muitos concursos públicos para professores
universitários não são conduzidos da forma impessoal e neutra como
idealmente deveriam ser. Amiúde ocorrem casos de favoritismo de
determinados concorrentes com o resultado que nem sempre o melhor ou mais
preparado é o escolhido. Este é um problema pouco discutido abertamente,
pois mexe em interesses e estruturas de poder acadêmico. Entretanto, é
mister enfrentarmos esta questão. Nós, professores universitários,
intelectuais em geral, frequentemente acusamos os políticos de
patrimonialismo, de usar o público como se fosse privado, e de deixar
interesses privados se sobreporem ao público. Mas não será exatamente isso
que ocorre nesses casos de favoritismo, nepotismo ou compadrio quando
candidatos são favorecidos por estarem já conectados a alguma rede, grupo
ou mesmo indivíduo local?

<SW,-16>Outra razão por que é importante este problema ser sanado é a
seguinte. Nós, os professores universitários, os intelectuais, somos uma
espécie de “grilo falante” da sociedade, a consciência que pensa
criticamente e aponta erros e caminhos. Se nós aceitarmos este tipo de
“patrimonialismo” entre nós, como poderemos criticar os políticos por
fazerem o mesmo?<SW>

É claro que nem todos os concursos são corrompidos, muitos concursos são
honestos e a grande maioria dos professores age honestamente. Mas há um
mal-estar entre alguns de nós de que o número de concursos “arranjados”
passa, talvez em muito, o nível do meramente esporádico.

Mas como resolver este problema? É muito difícil. Em um concurso público
para professor universitário as discussões são de um nível tão alto e
abstrato que, muitas vezes, fica complicado para pessoas de fora da área
compreender quem, por exemplo, fez uma “boa” ou “má” prova. Além disso, em
vários países o problema se apresenta de outras formas.

Esperar uma reação puramente endógena, espontaneamente surgida dos próprios
professores já estabelecidos, parece irrealista. A maioria tem medo de
mexer em um “vespeiro” desses que envolve tantos interesses e estruturas de
poder acadêmico que podem deixar marcados qualquer eventual whistle blower
“criador de problemas”.

Um caminho diferente talvez seja possível. Aproveitando até o atual clima
de insatisfação com todo tipo de corrupção no país, eu proporia a criação
de um Movimento para Prevenção de Irregularidades em Concursos Públicos
Acadêmicos, reunindo todas aquelas pessoas da área acadêmica e da sociedade
civil que considerem ser este problema sério a ponto de merecer um
tratamento em separado. Este grupo poderia estudar diferentes experiências
mundiais no campo e propor medidas para tornar os concursos mais
impessoais, impedindo “compadrios”.

A partir daí este movimento deveria conclamar o Ministério da Educação a se
juntar a esta batalha. Como é delicado para o ministério, formado por
professores universitários, “investigar” a própria classe, o ministro da
pasta poderia propor a criação de uma Comissão Independente para Propostas
de Medidas para Prevenção de Irregularidades em Concursos Públicos
Acadêmicos. Esta Comissão, a partir dos subsídios do movimento anterior, e
ouvindo setores da sociedade civil e acadêmica, sugeriria uma série de
medidas para melhoria nos concursos. E o Ministério da Educação (assim como
faz em programas como o Reuni) poderia usar o estímulo de financiamentos
extras para as universidades que adotarem os padrões mais seguros de
concursos públicos com as novas medidas propostas. Ou seja, uma espécie de
ISO 9000 de concursos como condição necessária para financiamentos
acadêmicos adicionais.

Acredito que a diminuição da corrupção em concursos seguirá o padrão da
melhoria em nosso sistema eleitoral: passará por um esforço de
centralização e padronização de processos. Na República Velha brasileira as
eleições, locais e heterogêneas, eram extremamente corrompidas, com muitas
fraudes eleitorais. Foi com a criação de uma justiça eleitoral central nos
anos 1930, com padrões uniformes de segurança, que a situação começou a
melhorar. Uma justiça eleitoral centralizada e independente até hoje é uma
das razões dos nossos progressos nesta área. Igualmente, o Ministério da
Educação deverá usar os incentivos que possui centralmente para estimular
as universidades do Brasil a aderirem a este sistema mais seguro. Sem este
estímulo mais centralizado de cima será difícil obter uma melhoria na
situação de centenas de concursos fragmentados em estruturas locais de
poder acadêmico, dispersas e independentes umas das outras. Uma das medidas
que podem ser tentadas é criar a figura do “inspetor” nas bancas de
concursos: um membro da banca (preferencialmente de fora da área do
concurso, para evitar pressões) cujo principal papel seria de verificar que
o processo está ocorrendo de acordo com os padrões de impessoalidade e sem
favoritismos.

*Sem cair na tentação da caça às bruxas
*
O principal é que, aproveitando o atual momento de repensar o Brasil, venha
à tona para discussão este problema dos concursos acadêmicos. E que se crie
um movimento para encaminhamento de propostas de solução. Este será o passo
mais difícil.

Finalmente, um dado que considero essencial. Em todos estes movimentos,
acho que o importante é discutir apenas medidas institucionais para
melhorar os concursos vindouros. De modo algum se deve cair na tentação da
“caça às bruxas”, de buscar concursos no passado onde houve favoritismo.
Isso só levaria a discussões de caráter pessoal, com dedos sendo apontados,
mas com evidências difíceis de serem provadas. Em vez de perder tempo com
mesquinharias pessoais do passado (o que dividiria o movimento e jogaria
professor contra professor) deve-se concentrar em medidas institucionais,
impessoais para melhorar os concursos do futuro. Considero este o caminho
mais produtivo.

*Angelo Segrillo é professor de História Contemporânea da Universidade de
São Paulo*

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/07/27/a-corrupcao-nos-concursos-publicos-academicos-504814.asp
*
*
-- 
carlos palombini
professor de musicologia ufmg
proibidao.org
ufmg.academia.edu/CarlosPalombini
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