[ANPPOM-Lista] Digest Anppom-L, volume 100, assunto 36

Daniel Lemos dal_lemos em yahoo.com.br
Qui Out 31 00:08:57 BRST 2013


Prezado Hugo,

Creio que você procurou pensar demais na minha visão. Popular, Erudito, Cultura (eu sempre me refiro a estes termos em maiúsculas), são termos sempre complexos. Não creio que seja o caso aqui pontuar isso. Da mesma forma, não abordei nenhuma situação levando em consideração se um tipo de música é "sofisticada" e outro é "simples", se um exige "técnica apurada" e o outro não. Esta foi uma questão que você adicionou em sua interpretação. Mas tenho que ver se houve "deixa" para que a mensagem fosse interpretada assim.

Popular, por exemplo, pode ser desde Ivete Sangalo, passando por Michel Teló, Bruno e Marrone até o Carimbó, as Lavadeiras de Almenara, também o Jazz e a Bossa Nova Instrumental e por aí vai. Obviamente, estes estilos não compartilham das mesmas potencialidades de mercado, nem das mesmas condições de infraestrutura para existir, ou acesso ao conhecimento artístico por parte de quem a produz. Mas isso é só falando de estilos. Popular não seria "do povo"? Então Jazz não é! Ou Popular não seria também o "simples"? Ou também poderia ser o "midiático"? O "nacional"? Até mesmo a instrumentação utilizada muda esse conceito. Já temos aqui mais mudanças de conceituação que só vão embaralhar tudo.

Com relação aos três pontos enumerados, tente imaginar não a minha concepção, mas a visão de um gestor da cultura diante das atuais políticas culturais. Aquele ligado aos interesses do empresariado, que vê a Arte como um negócio, sob o objetivo de captar recursos e conseguir visibilidade. Esta foi a visão que me norteou mensagem anterior.

Você acha que para pessoas com tais objetivos, existe alguma preocupação em dar condições dignas para que o artista tenha autonomia? Se você acha que sim, provavelmente está sendo demasiadamente otimista, ou desconhece a realidade do mercado de trabalho hoje.

O ponto 1, onde falo que o artista popular "nasce sabendo", subentende que os gestores que há pouco citei não estão preocupados em dar condições dignas para este artista, que ficaria limitado somente à prática musical que lhe é útil naquele contexto de mercado. Não há interesse em oferecer a este artista cursos quaisquer, auxílio para adquirir equipamentos ou instrumentos musicais. Obviamente, o artista mesmo pode não precisar disso, mas certamente são recursos que deveriam estar disponíveis a todos. Existe realmente alguma preocupação dos gestores da cultura nesse sentido?

Com relação ao ponto 2, você diz: "sem se importar muito com o resultado artístico de sua apresentação, uma vez que seu público não se importa muito se a música é bem executada ou não." Você está mudando o enfoque: eu não trouxe nenhum tipo de valoração de mera técnica musical, porém, agradeço o alerta pois alguém pode ter interpretado assim também. Mais uma vez, tente pensar na visão do gestor: o artista "clássico" dá gastos demais e retorno de público de menos, sendo muito mais rentável USAR (não é investir) o artista "popular". Obviamente, nem todo artista popular é "barato", mas indubitavelmente todo artista clássico é "caro". E antes que você pense que "eu disse que é caro porque Tem Mais Técnica, ou É Música Pura", reitero estar falando no sentido de que é necessário tempo e dinheiro para que este tipo de artista esteja pronto para o mercado (isso se eles chegarem até lá, infelizmente...).

Ponto 3: a Arte Popular, considerando todas aquelas concepções que já foram pontuadas, pode ou não atingir grandes públicos. Há algumas que não. E estas que não, certamente compartilham das mesmas questões que a Música de Concerto hoje. A não ser que alguém venha me contradizer com o exemplo da Vanessa Mae.

Com relação aos "etnos", quando você cita grandes exemplos como Manuel Veiga, Martha Ulhôa, só reforça o que eu tinha dito: as fronteiras entre o Erudito e Popular tendem a ser reduzidas. Definitivamente não são representantes do tipo de acadêmico que eu tentei ilustrar.

Com o exemplo - bem mencionado por ti - da banda filarmônica do interior da Bahia, podemos concluir que a intervenção do Estado na Cultura também não pode acontecer, pois cria um "fóssil cultural". Porém, a não-intervenção do Estado leva também ao domínio de interesses privados na Cultura, e gera uma forma oposta de manipulação.

Então, tudo vai acabar...

A não ser que governo e iniciativa privada finalmente percebam que a Cultura só sobrevive se o artista tiver autonomia, independentemente de sua preferência estética, nível técnico ou público-alvo. Assim, seria importante desenvolver políticas de apoio cultural sem exigir nada em troca.

Daniel





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