[ANPPOM-Lista] Adoecimento de docentes

Jorge Antunes antunes em unb.br
Seg Abr 28 08:58:51 BRT 2014


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> Pesquisa revela alto índice de adoecimento mental entre docentes da UFPA
> [image:
> http://www.adufpa.org.br/bancoimagens/v9qzv28zk8c7rmf82r4zccffg5xf49ha8e2y7jo5qvxztxbmstcfx6fyzq91hpepg12481az2d7vy5i8.jpg]O
> Ex-Coordenador de Saúde do Trabalhador da UFPA, Médico, Professor e
> pesquisador, Jadir Campos, mestre na área médica e em educação e doutorando
> em Saúde do Trabalhador na Universidad Internacional Tres Fronteras, de
> Buenos Aires (Argentina), conversou com a Adufpa sobre a correlação entre
> as políticas para a educação superior pública no Brasil e o adoecimento
> docente. Em sua recente pesquisa de mestrado, intitulada "Trabalho Docente
> e Saúde: Tensões da Educação Superior", que teve como objetivo discutir
> como as tensões das políticas para a Educação Superior pública estariam
> levando ao sofrimento e, em consequência, ao adoecimento docente, foram
> obtidos dados que sugerem que o fomento ao produtivismo e à
> competitividade, estimulados, sobretudo, pela Coordenação de
> Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho
> Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), estão gerando
> adoecimento mental entre professores da UFPA. De acordo com a pesquisa, uma
> taxa de 14,13% dos pedidos de afastamento do trabalho de docentes da
> universidade, entre 2006 e 2010, esteve relacionado a problemas com a saúde
> mental.
>
> *Adufpa: De acordo com sua pesquisa, qual o quadro da UFPA quanto à saúde
> dos docentes?*
> *Jadir:* O quadro da UFPA praticamente se repete em todas as IFES
> brasileiras, porque isto é uma característica da própria política que o
> Ministério da Educação (MEC) vem adotando com relação ao trabalho docente.
> Esta pesquisa, iniciada através do mestrado em Educação, enfoca as
> políticas que foram criadas pelo governo federal para a educação superior e
> como elas, de alguma forma, comprometem o trabalho docente, que é
> intensificado e, na maioria das vezes, não é percebido pelo professor. Essa
> precarização do trabalho leva a uma situação de sofrimento, inicialmente, e
> se aquela pessoa que está passando por este sofrimento não tiver condições
> de superá-lo irá adoecer, pois o docente está submetido a uma série de
> exigências por conta da política de educação do MEC.
> O adoecimento que estamos discutindo aqui é o mental, porém existem outras
> doenças inerentes à docência: Lesão por Esforço Repetitivo (LER) /
> Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT), lombalgia,
> problemas de pregas vocais com alterações da voz (disfonia), entre outros.
> Porém, neste trabalho, estou me referindo a um problema muito sério, que é
> o problema da saúde mental. Quando passei pela coordenadoria de saúde do
> trabalhador da UFPA, tivemos o trabalho de fazer esse levantamento, porque
> até então não existia absolutamente nada em termos de adoecimento do
> docente da UFPA, o que seria desvelado se o Projeto do Perfil
> Epidemiológico dos servidores da UFPA, elaborado por nós, tivesse sido
> implantado. Nós, modo geral, servidores da UFPA, não sabemos do que
> adoecemos nem do que morremos. Despertou-nos e inquietou-nos a quantidade
> de professores que nos procuravam com problemas de saúde mental. E, fizemos
> um levantamento de 2006 a 2010, levando em consideração aquele professor
> que nos procurava para se afastar, de alguma forma, em consequência de
> adoecimento mental. A surpresa - e eu não diria tão surpresa assim - foi a
> alta incidência de doenças mentais em professores da UFPA. O percentual de
> professores que pediram afastamento das atividades acadêmicas devido ao
> quadro de adoecimento mental, neste período, foi de 14,13%. Isto é alto,
> pois se compararmos com a doença que mais afasta os trabalhadores modo
> geral, na sociedade, que é a LER-DORT que é da ordem de 7,2%, chegamos a
> conclusão que no caso da UFPA o adoecimento mental afasta quase que o dobro
> do percentual que a LER - DORT afasta na sociedade em geral. Ou seja, o
> índice é muito alto e, por isso, preocupante.
>
> *Adufpa: Quais as possíveis causas do adoecimento docente?*
> *Jadir:* O que realmente está ocorrendo com o docente é que ele não está
> percebendo que está sendo "usado" e, digamos assim, imiscuído em um
> contexto político em que pela falta ou pela exiguidade de recursos
> financeiros - já que a universidade não arca com as necessidades materiais
> e de recursos para o desenvolvimento de pesquisas -, os dois órgãos mais
> importantes de fomento à pesquisa, a Capes e o CNPq, fazem uma triagem
> produtivista, tornando os docentes bodes expiatórios de um esquema perverso
> ao professor. Deste modo, o professor vai atrás deste fomento para
> conseguir recursos para sua pesquisa, para ter acesso às tecnologias,
> bolsistas etc. O professor que consegue isto acredita que o conseguiu por
> ser "gênio", porém, o que não se percebe é que isso o coloca refém do
> produtivismo, da competição, e impõe a exigência de um grande número de
> publicações em revistas com qualis elevados. Contudo, eles acreditam que
> essa realidade faz parte do contexto da universidade e, esta situação é
> pior na Pós-Graduação, não percebem sua lógica real. Ele acha que "é gênio"
> por ter conseguido garantir todas suas publicações e aprovação de seus
> projetos, não percebe que isto na verdade é uma banalização, ou seja, em
> função dos exíguos recursos disponibilizados para a universidade, é feito
> uma triagem, e essa triagem é feita assim, dando maior possibilidade de
> pesquisa àquela pessoa que tem o que chamamos de 'produtivismo consciente',
> que publica muito, que tem seus artigos aprovados em periódicos qualis A,
> B. Os órgãos de fomento à pesquisa aproveitam-se disto e dizem que os
> professores tem plena consciência, mas não é bem assim. Quando você tem, de
> alguma forma, uma retribuição simbólica e remuneratória por algo que você
> faz, por exemplo: você desenvolve um trabalho, esse trabalho é aquilatado
> para que você receba um prêmio ou conquiste destaque, essa possibilidade de
> ter seu trabalho avaliado como o melhor, naturalmente gera no organismo
> substâncias que dão sensação de bem estar, neurotransmissores que provocam
> sensação de bem estar e nos "agiganta", que nós chamamos de endorfinas. A
> pessoa que se vê envolvida neste contexto, com este "estímulo" à pesquisa e
> disponibilidade de recursos por ser "gênio", acredita realmente que isto é
> ótimo, maravilhoso, a ponto de intensificar ainda mais seu trabalho. No
> meio deste bojo até o seu lazer é tomado. O professor se vê tão envolvido
> neste processo, que faz isso porque acredita que esta é a única e melhor
> forma de se destacar na carreira e conseguir recursos para pesquisa,
> expressando sua capacidade e adquirindo um status diferenciado em sua
> categoria. Com o tempo, a exaustão emocional e o cansaço, entre outras
> contradições, vão fazendo com que este docente apresente sofrimento e se
> não possuir estrutura emocional adequada adoece sem se perceber. Esse que é
> o maior problema. O docente não tem consciência do seu processo de
> adoecimento. É preciso criar políticas que façam o professor perceber que
> está dentro de uma rede perversa e que isso poderá levá-lo a adquirir
> doenças psicossomáticas, depressão, Síndrome de burnout entre outras.
> Não se iludam, todas essas políticas criadas pelo MEC tem um viés de
> controle. Por exemplo, quando se impõe uma avaliação quatitativista aos
> docentes, com uma série de requisitos e pontuações que devem ser
> preenchidas, isso faz parte de uma política de controle. A Lei de Inovação
> Tecnológica é outra questão perigosíssima, pois ela incentiva o professor a
> ser além de produtivista, empreendedor. Essa Lei direciona a pesquisa aos
> interesses mercantis, sujeitando os docentes a pesquisarem de acordo com o
> retorno que os resultados da pesquisa darão ao mercado, às empresas e/ou
> indústria; além disso, outras áreas que não estão ligadas aos interesses
> industriais e de mercado, são penalizadas, dificilmente tem seus projetos
> aprovados porque não são "rentáveis". Aquilo que existia nas universidades
> em termos da autonomia não existe mais. Tornou-se o que nós chamamos de
> 'autonomia consentida'. Você vai até onde a instituição acha que é
> permitido ir. O próprio docente está comprometido em sua autonomia
> intelectual, ou seja, ele não tem mais a liberdade de pesquisar o que ele
> julga e percebe ser importante para a sociedade e para a universidade. Ele
> tem que pesquisar aquilo que é considerado valido e que dará retorno, no
> sentido de recompensar monetariamente. Ele acredita que está sendo
> recompensado intelectualmente, mas infelizmente não está.
>
> *Adufpa: Quais são as características apresentadas pelos docentes quando
> atacados em sua saúde mental?*
> *Jadir:* Existem várias doenças mentais, porém duas chamam mais a nossa
> atenção no que tange a saúde do professor, a Síndrome de burnout e a
> depressão. A Síndrome de burnout, que é intimamente relacionada ao
> exercício docente e a depressão, que hoje é a segunda causa que mais afasta
> do trabalho e, em 2020, será a doença que mais afastará do trabalho, de
> acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Hoje, a depressão só perde
> para LER / DORT, primeira doença que mais afasta trabalhadores de suas
> atividades.
> A pessoa com depressão é aquela pessoa que constantemente se afasta, não
> tem envolvimento com os colegas, com os pares, procura se isolar. É aquela
> pessoa que está comumente irritada e não deixa com que ninguém se aproxime
> ou aborde-a. O cansaço na pessoa que está deprimida é muito frequente, a
> pessoa sempre relata: "estou cansada", "estou exausta", "não consigo
> produzir o que eu acho que deveria produzir". Mas, como tem que competir,
> ela busca de qualquer forma produzir. O docente com quadro depressivo
> apresenta, constantemente, dor de cabeça e pode apresentar perda do apetite
> tanto nutricional como sexual.
> A Síndrome de burnout tem características especiais. São três as
> principais características desta Síndrome: a exaustão emocional; a falta de
> envolvimento com o trabalho, a pessoa perde o interesse e já não tem mais o
> mesmo entusiasmo de antes; e, finalizando, a despersonalização. A
> despersonalização, eu considero como médico um termo muito forte, isto é
> para a escola inglesa, nós, da escola brasileira, chamamos de
> desumanização. A desumanização se expressa naquele professor que é
> questionado pelo aluno e responde com pedras na mão e não deixa ninguém
> sequer intervir, adotando posturas autoritárias: "Aqui o professor sou eu,
> fique calado", ou adota posturas similares quando abordado pelas demais
> pessoas.
> Existem muito mais problemas que comprometem a saúde mental, porém essas
> duas são as mais expressivas no contexto do adoecimento do docente em
> função de todas essas mudanças impostas ao mundo do trabalho do professor
> universitário.
> *Adufpa: Como ex-coordenador de saúde do trabalhador da UFPA, qual a sua
> avaliação sobre o papel institucional da universidade para combater esse
> quadro de elevado adoecimento mental do docente?*
> *Jadir:* Quando eu estava na coordenadoria nós fizemos várias discussões
> sobre o problema do adoecimento de docentes na UFPA. Essas discussões
> envolveram a Adufpa e o Sindicato dos Técnicos da UFPA (Sindtifes-PA). É
> lamentável, mas não há realmente um envolvimento Institucional da
> Administração Superior neste sentido. Não há uma política preocupada com
> isso. Nós tivemos algumas vezes oportunidade de levar ao atual reitor essas
> taxas observadas no período de 2006 a 2010. Elaboramos um projeto, o qual
> está na Pro-Reitoria de Gestão de Desenvolvimento de Pessoal (Progep), que
> funcionaria como uma intervenção sobre a qualidade de vida do trabalho dos
> servidores da UFPA. Infelizmente, isso não chegou a ser implantado. Não sei
> como anda esse projeto atualmente. O projeto foi criado, à época, por mim e
> pela professora Elen Carvalho, do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas
> (ICSA), e está disponível como parte do acervo da Progep. É lamentável que
> a UFPA não dê a devida importância a um tema como este, pois se preocupar
> com a qualidade do trabalho deveria ser um hábito Institucional.
> Christophe Dejours, que é um autor que pesquisa sobre a questão do
> sofrimento e adoecimento no trabalho, chama esse processo, vivenciado pelos
> docentes, de psicodinâmica do trabalho, ou seja, você está envolvido no
> trabalho, mas não tem consciência do processo e organização dele. O
> trabalho está posto e você vai realizar. Mas nem sempre consegue. Na
> maioria das vezes você se aproxima do que lhe foi pedido e cria mecanismos
> para que não sofra por aquilo. O problema é que hoje, as avaliações estão
> ai, tudo é avaliado. Não que as avaliações não sejam pertinentes, mas
> depende do tipo de avaliação, de como essa avaliação é conduzida. Isso é
> que deve ser discutido. Mas, infelizmente, a UFPA não tem dado importância
> a este problema, pois eu desconheço, até então, essa preocupação
> institucional.
>
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