[ANPPOM-Lista] ARSC preservation grant award

Jorge Antunes antunes em unb.br
Seg Fev 17 10:49:22 BRT 2014


*Caros colegas:Muito obrigado pelos cumprimentos.Apresento a seguir alguns
detalhes do projeto premiado, por crer que ele é de grande importância para
todos os pesquisadores da Anppom.Abraços,Jorge Antunes*


*Recordings of Villa-Lobos in steel wire and paper tapes from years
1940-1950*

Prof. Dr. Jorge Antunes


*HISTÓRICO*

Logo após o golpe militar de março de 1964, os militares fecharam a UNE
(União Nacional dos Estudantes). O edifício histórico da Praia do Flamengo
132, no Rio de Janeiro, foi fechado.

Em 1967, o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (CNCO), que tinha sido
fundado por Villa-Lobos em 1942, foi transferido para o antigo edifício da
UNE. O compositor Reginaldo Carvalho foi nomeado diretor do CNCO e promoveu
uma reforma, mudando o nome da instituição para Institulo Villa-Lobos
(IVL). A convite de Reginaldo, no mesmo ano fui nomeado professor do IVL e
recebi duas tarefas: implantar o Centro de Pesquisas do Som e da Imagem, e
criar o primeiro curso de música eletroacústica, vertente estética que era
novidade no Brasil.

No IVL eu encontrei importante material: sete fitas magnéticas de papel em
carretéis de ferro e uma bobina de fio de aço, com gravações sonoras da
época de Villa-Lobos (1940-1950).

O IVL contava apenas com um órgão eletrônico Harmmond estragado e um
gravador Revox. Levei para o Instituto, então, todo o meu equipamento, para
instalação do laboratório: dois gravadores de rolo (Grundig e National),
geradores, moduladores, theremin e outros equipamentos por mim construídos.

Os meses de abril, maio e junho de 1968 foram muito agitados no Rio de
Janeiro. Em 28 de março de 1968, sexta-feira, os estudantes organizavam uma
passeata relâmpago para protestar contra a alta do preço da comida no
restaurante Calabouço. Por volta das seis da tarde, a Polícia Militar
chegou ao local e dispersou os estudantes que estavam na frente do
restaurante estudantil. Os estudantes se refugiaram no interior do
restaurante e responderam à violência policial com paus e pedras. A reação
dos estudantes obrigou os policiais a recuar, deixando a rua deserta. Mas
os políciais retornaram em seguida e tiros foram disparados do Edifício da
Legião Brasileira de Assistência, provocando pânico entre os manifestantes,
que fugiram. Os policiais invadiram o restaurante e o comandante da tropa
da PM, aspirante Aloísio Raposo, atirou e matou o secundarista Edson Luís,
alvejando-o com um disparo de arma de fogo a queima roupa na região
toráxica. Outro estudante, Benedito Frazão Dutra, também ferido a bala, foi
levado para o hospital, mas não resistiu ao ferimento e morreu.

Os estudantes conseguiram resgatar o corpo de Edson Luís e o carregaram em
passeata pelo centro do Rio até as escadarias da então Assembléia
Legislativa, na Cinelândia (atual prédio da Cãmara Municipal), onde foi
velado.

Naqueles meses eu comecei a compor, no estúdio do IVL, minha obra *Missa
Populorum Progressio*, sob encomendada de Paschoal Carlos Magno, para um
dos Festivais de Arcozelo que, afinal, não aconteceu. Era a primeira missa
eletrônica brasileira, cantada em português. Essa obra veio a ser estreada
mais tarde, em meu casamento, com um coral regido pelo Maestro Henrique
Morelembaum e com a Vânia Dantas Leite na difusão da fita magnética.

Num domingo eu estava com um aluno, no IVL, trabalhando na missa, quando os
grandes e majestosos portões do prédio começaram a balançar ruidosamente.
Milhares de estudantes, em passeata, queriam invadir o prédio. Nos
apavoramos.

Essa tentativa de derrubada dos portões está registrada em um filme, creio
que no documentário *Jango* de Silvio Tendler. Quem vê a cena do filme não
imagina que eu estava lá dentro, apavorado.

Eu e o estudante imediatamente resolvemos pular o muro dos fundos,
carregando o que de mais vailioso havia no estúdio: o gravador Revox e as
gravações históricas e preciosas: fitas magnéticas de papel e a bobina de
fio magnético de aço. Na segunda-feira seguinte, levei o Revox de volta ao
IVL, mas deixei as gravações em casa.

Seis meses depois, em dezembro de 1968, foi promulgado o AI-5 e eu fui
demitido do IVL. Começava a caça às bruxas, as perseguições, prisões,
torturas e assassinatos nos porões da ditadura. Minha demissão e expulsão
foram humilhantes. Essa é outra história. É história que mereceu a atenção
da Comissão de Direitos Humanos e do Ministério da Justiça que me
concederam, recentemente, a anistia e uma indenização em dinheiro.

Após o AI-5, seguido de minha demissão e de meu casamento ao som da *Missa
Populorum Progressio*, optei pelo exílio. As históricas e valiosas
gravações, com as fitas magnéticas de minhas obras, ficaram encaixotadas
durante anos na casa de meus pais em Santo Cristo.

Anos mais tarde a ditadura militar invadiu o prédio da UNE, destruindo
acervos e bens do IVL e do Conservatório Nacional de Teatro, que também
funcionava lá. Vândalos anticomunistas atearam fogo ao prédio. Finalmente,
em 1980 o prédio foi implodido e derrubado.

São as oito raras gravações sonoras que, agora, vou recuperar e
digitalizar, graças ao prêmio que me é concedido pela ARSC (*Association
for Recorded Sound Collections*): as fitas de papel contêm gravações de
palestras de Villa-Lobos, seus discursos para receber visitantes, e ensaios
do coro dirigido pelo compositor. O rolo de fio de aço contém duas obras
desaparecidas de Villa-Lobos: *Fantasia* (1909) e *Mazurka* (1901).

A identificação do conteúdo dessas gravações é possível, pela observação
das anotações feitas a lápis nos respectivos estojos.

São de ferro os carretéis de fita magnética de papel. O orifício central
dos carretéis não é compatível com os eixos dos motores dos gravadores de
rolo Revox, Ampex, Teac etc. A bobina com fio de aço magnético precisa,
para ser tocada, de um gravador especial que não mais se encontra no
mercado e que é peça rara de antiguidade. Até bem pouco tempo havia um à
venda no Mercado Livre. Creio que ainda existem alguns à venda no e-Bay,
nos Estados Unidos.

A primeira etapa do trabalho de recuperação consistirá na busca dos
gravadores antigos, reprodutores daqueles tipos de suporte. A primeira
reprodução sonora de cada material será documentada e digitalizada, por
imaginarmos a hipótese de que, para uma segunda tentativa, o material já
possa ter se deteriorado. A fontes primárias serão meticulosamente
conservadas.


*AGRADECIMENTO*

Fico muito grato à ARSC que me concede o prêmio. Ele tem especial valor
simbólico, porque, segundo a instituição, é o primeiro prêmio internacional
que concedem: o prêmio tem sido, ao longo dos anos, destinado
exclusivamente a projetos norte-americanos. O meu projeto foi apresentado
algumas vezes à Petrobras e ao Fundo de Apoio à Cultura do DF. Infelizmente
essas instituições não foram sensíveis e não concederam o apoio. Só
recentemente eu soube da existência da ARSC (*Association for Recorded
Sound Collections*). Sou grato ao Prof. Carlos Palombini, da UFMG, pois
tomei conhecimento da existência da ARSC e dos apoios por ela oferecidos,
por meio de mensagens enviadas pelo Prof. Palombini à lista de discussão da
Anppom.
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