[ANPPOM-Lista] Para refletir!

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Seg Fev 24 18:04:03 BRT 2014


Meu caro Mario, 
Nem tão bom assim. Quem conheceu de perto a vida universitária americana (fiz doutorado e pó s-doc por lá ) sabe que esse artigo é falacioso. 
O primeiro aspecto a considerar é que as universidades americanas mencionadas são privadas. E mesmo quando (parcialmente) estatais tem uma autonomia muito maior do que as nossas públicas. Lembre-se que as universidades brasileiras privadas também podem contratar (e contratam) professores sem doutorados e mestrados. Às vezes até despedem um professor quando ele completa uma titulação porque o salário deveria aumentar (conheço colegas que viveram essa experiência). 
Na prática, na área de música, nunca conheci um professor de universidade norte-americana sem titulação acadêmica: doutorado para as áreas teóricas, ou mestrado para as cadeiras de ensino de instrumento. Havia (e há tempos atrás com mais frequência) a prática de contratar grandes artistas sem titulação, mas de grande reputação. Eleazar de Carvalho, por exemplo, foi professor de Yale. Mas não o era em tempo integral. Regia a OSESP durante o ano e reservava alguns meses das férias no Brasil (que coincidem com um período letivo no hemisfério norte) para dar aulas de regência por lá. Era uma espécie de professor honorário. Quem “carregava o piano” no resto do ano era outro professor menos conhecido, mas portador de titulação. E esse tipo de contrato é cada fez menos frequente. 
Os doutorados, aqui e lá, são essenciais para a formação de um pesquisador e de um docente. Grandes profissionais (ou artistas, no nosso caso) não são necessariamente bons pesquisadores e nem mesmo bons professores. São carreiras e competências diversas. 
Creio que na nossa área o problema é outro, e bem mais específico. A universidade pública brasileira fez uma mistura dos modelos universitários europeus e americanos, mas engessou as flexibilidades que porventura tais modelos tivessem. Tempos atrás podíamos contratar mestres. Isso está se tornando cada vez mais raro. A USP, onde trabalho, não o permite mais, em nenhuma hipótese. Isso dificulta muito a contratação de professores de instrumento. Os cursos de música que pretendem oferecer bacharelados em instrumento sofrem pela escassez de profissionais competentes com titulação de doutor. Esse tipo de profissional não tem vocação e nem interesse pela pesquisa acadêmica. Aliás, não se deveria esperar que tivessem, pois não é a natureza de sua profissão. Por isso as universidades americanas contratam regularmente portadores de títulos de mestres para essas cadeiras (e não exigem que eles façam pesquisa) e as europeias contratam esses professores nos conservatórios e não nas universidades. Por outro lado projetos em cursos de música de nossas universidades que pretendam se voltar para uma formação fortemente teórica, como para as carreiras de musicólogos, professores de teoria, e mesmo educadores e compositores, principalmente os que se dedicam às novas tecnologias, continuam a sofrer uma forte resistência dos colegas, por razões que tem a ver com disputas de mercado de trabalho e não com a natureza do trabalho que realizam, que é perfeitamente adequado ao perfil de um conhecimento universitário. 
Lembremos que a universidade não é apenas um local de formação profissional. É o espaço do saber, profissionalizante ou não. Nem é a universidade o único local de formação profissional. Por exemplo, a escolinha de futebol do Santos F.C. tem formado profissionais muito bem sucedidos. Quem não gostaria de ganhar o salário do Neymar? 
Não apenas por isso, mas também por isso, vira e mexe ressurgem as críticas do teor desse texto aos professores titulados, como se eles representassem uma reserva de mercado. Criar critérios de seleção não é fazer reserva de mercado, é cuidar do resultado da contratação para os fins pretendidos. 

O que a universidade brasileira deveria reconhecer é a natureza diversa dos diferentes professores que são necessários para se montar um curso de música e colocar exigências de concurso, modelos de contrato e planos de carreiras diferenciados para as diferentes situações. Muita disputa interna desnecessária seria evitada com isso. Mas parece que isso é um ovo que nem Colombo conseguiria colocar em pé. 
Rodolfo Coelho de Souza 
----- Mensagem original -----

> De: "Mario Marçal Jr" <mariomarcaljr em gmail.com>
> Para: "Anppom CADASTRO" <anppomcadastro em gmail.com>, "Anppom CADASTRO"
> <anppom-l em iar.unicamp.br>
> Enviadas: Domingo, 23 de Fevereiro de 2014 13:18:20
> Assunto: [ANPPOM-Lista] Para refletir!

> Olá Caríssimos Colegas!!!
> Um excelente texto para nossa reflexão! !!
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