[ANPPOM-Lista] Para refletir!

Diósnio Machado Neto diosnio em gmail.com
Qua Fev 26 22:05:06 BRT 2014


Caros colegas,

Acho que insistir na discussão do mérito sobre ter ou não ter o artista sem
titulação dentro da universidade brasileira não é a questão. Acredito que o
importante é como se ensina instrumento no Brasil e quais são as reais
condições em que ocorre este ensino, ou mesmo como se forma o processo de
aprendizado, desde a infra estrutura até a "superiorização" deste ensino.
Planteado assim não há cabimento cruzamentos e transportes de realidades. É
sintoma do colonialismo impresso nos gens que nos faz olhar para os Estados
Unidos, ou mesmo para o Piauí desde São Paulo; ou de Tatuí para Maceió...
Assim sendo, e sempre considerando que o ofício da música é tão importante
como a ciência da música, e portanto um título não definiria a contenda, me
permitam apenas apimentar a discussão considerando que a insistência na
questão do título serve como um torniquete, que de tanto virar se esquece
do fator primordial da exigência do título, que é dar condições de acesso
às políticas de financiamento das agências, ampliando a capacidade de
montagem de infra estruturas nos núcleos de ensino superior público. E a
realidade é que esta ideia não tem prosperado, porque até onde percebo há
poucos projetos de infra estrutura para ensino de instrumento financiados
pelas agências de pesquisa. Não sei se isto é tão agudo como vejo e
pergunto para quem sabe se assim é? E se isto for verdade, o processo de
titulação torna-se inócuo. Logo seria melhor pensar em outras alternativas
que deem mais impulso ao ensino de instrumento. E é neste ponto que quero
me dispor e expor minha visão.
Primeiro quero dizer que, apesar dos muitos avanços, significativos e do
tamanho e méritos das notas de avaliação que vemos, por exemplo, na UFRGS,
mudar a forma de ingresso do professor na universidade na nossa realidade é
tanto mais difícil do que parece ser entender, e usar, as possibilidades de
articulação que estão disponíveis dentro do próprio sistema. Para mim, o
que aponta o Rodolfo poderia ser sanado se as instituições superiores de
ensino técnico, como no caso das Fatecs paulistas, assumissem o que é
difícil para a universidade, ou seja, montar a imensa estrutura que é
necessária para capacitar o jovem no aprendizado de um instrumento. Pode
parecer simplista, mas o que vejo hoje no Brasil é o aluno que quer ser um
instrumentista privado de ambientes fundamentais para seu desenvolvimento,
simplesmente porque a universidade tem protocolos de contratação e gastos
que não são condizentes com o que necessita o instrumentista para se
desenvolver; pergunto onde no Brasil há um orquestra-disciplina que dê
oportunidade para o instrumentista aprender a tocar um repertório que vai
de Mozart a Mahler? Isto pode se desdobrar para música de câmara, e tantas
outras áreas do aprendizado do instrumento.  É só imaginar que boa parte
dos músicos de orquestra em São Paulo, por exemplo, tiveram seu treinamento
na Orquestra Experimental de Repertório (e aqui fica minha homenagem ao
Jamil Maluf) e não numa disciplina regular e nos corpos musicais nas
diversas escolas de música espalhadas em três universidades públicas!!!!!
Em suma, o problema está além de ter ou não o professor artista. Está nas
possibilidades, reais, de infraestrutura de ensino e, também, na formação
de uma mentalidade do professor titulado em buscar as vias de financiamento
que lhe permite o título. E isto articula-se também por definir melhor uma
política institucional sobre a música na universidade, pois parece que
queremos tudo, mas podemos bem pouco! Esta condição que nos fragiliza ao
requerer paridade do artista com o cientista (e por favor me poupem de
explicação da natureza de um e de outro, pois ambos formam o arabesco do
saber e sentir humano)
Logo, mesmo que sem expor outros argumentos, acho que o problema como
exposto parece ser mais uma questão de reconhecimento do artista diante do
saber científico (que é filosófico e butequeiro ao mesmo tempo) do que a
disposição de criar estruturas competentes para o desenvolvimento do jovem
instrumentista, que o título permite (e até acho justo bradar contra isto,
mas aí é outro departamento).
Atenciosamente,
Diósnio Neto


No dia 26 de Fevereiro de 2014 às 09:24, <corvisier em usp.br> escreveu:

> Caro Rodolfo,
>
>
>
> Acho que você se enganou. Existem sim professores artistas, sem doutorado,
> lecionando em tempo integral  nas universidades estatais americanas.
> Posso citar um exemplo do meu ex-professor de piano  e um notável artista
> Abbey Simon, que apesar dos seus 91 anos,  ainda leciona em tempo integral
> na Universidade de Houston.
>
>
> Fernando Corvisier
>
> ------------------------------
>
> *De: *rcoelho em usp.br
> *Para: *"Mario Marçal Jr" <mariomarcaljr em gmail.com>
> *Cc: *"Anppom CADASTRO" <anppom-l em iar.unicamp.br>, "Anppom CADASTRO" <
> anppomcadastro em gmail.com>
> *Enviadas: *Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2014 18:04:03
> *Assunto: *Re: [ANPPOM-Lista] Para refletir!
>
>
> Meu caro Mario,
>
> Nem tão bom assim. Quem conheceu de perto a vida universitária americana
> (fiz doutorado e pós-doc por lá) sabe que esse artigo é falacioso.
>
> O primeiro aspecto a considerar é que as universidades americanas
> mencionadas são privadas. E mesmo quando (parcialmente) estatais tem uma
> autonomia muito maior do que as nossas públicas. Lembre-se que as
> universidades brasileiras privadas também podem contratar (e contratam)
> professores sem doutorados e mestrados. Às vezes até despedem um professor
> quando ele completa uma titulação porque o salário deveria aumentar
> (conheço colegas que viveram essa experiência).
>
> Na prática, na área de música, nunca conheci um professor de universidade
> norte-americana sem titulação acadêmica: doutorado para as áreas teóricas,
> ou mestrado para as cadeiras de ensino de instrumento. Havia (e há tempos
> atrás com mais frequência) a prática de contratar grandes artistas sem
> titulação, mas de grande reputação. Eleazar de Carvalho, por exemplo, foi
> professor de Yale. Mas não o era em tempo integral. Regia a OSESP durante o
> ano e reservava alguns meses das férias no Brasil (que coincidem com um
> período letivo no hemisfério norte) para dar aulas de regência por lá. Era
> uma espécie de professor honorário. Quem "carregava o piano" no resto do
> ano era outro professor menos conhecido, mas portador de titulação.  E esse
> tipo de contrato é cada fez menos frequente.
>
> Os doutorados, aqui e lá, são essenciais para a formação de um pesquisador
> e de um docente. Grandes profissionais (ou artistas, no nosso caso) não são
> necessariamente bons pesquisadores e nem mesmo bons professores. São
> carreiras e competências diversas.
>
> Creio que na nossa área o problema é outro, e bem mais específico. A
> universidade pública brasileira fez uma mistura dos modelos universitários
> europeus e americanos, mas engessou as flexibilidades que porventura tais
> modelos tivessem. Tempos atrás podíamos contratar mestres. Isso está se
> tornando cada vez mais raro. A USP, onde trabalho, não o permite mais, em
> nenhuma hipótese. Isso dificulta muito a contratação de professores de
> instrumento. Os cursos de música que pretendem oferecer bacharelados em
> instrumento sofrem pela escassez de profissionais competentes com titulação
> de doutor. Esse tipo de profissional não tem vocação e nem interesse pela
> pesquisa acadêmica. Aliás, não se deveria esperar que tivessem, pois não é
> a natureza de sua profissão. Por isso as universidades americanas contratam
> regularmente portadores de títulos de mestres para essas cadeiras (e não
> exigem que eles façam pesquisa) e as europeias contratam esses professores
> nos conservatórios e não nas universidades. Por outro lado projetos em
> cursos de música de nossas universidades que pretendam se voltar para uma
> formação fortemente teórica, como para as carreiras de musicólogos,
> professores de teoria, e mesmo educadores e compositores, principalmente os
> que se dedicam às novas tecnologias, continuam a sofrer uma forte
> resistência dos colegas, por razões que tem a ver com disputas de mercado
> de trabalho e não com a natureza do trabalho que realizam, que é
> perfeitamente adequado ao perfil de um conhecimento universitário.
>
> Lembremos que a universidade não é apenas um local de formação
> profissional. É o espaço do saber, profissionalizante ou não. Nem é a
> universidade o único local de formação profissional. Por exemplo, a
> escolinha de futebol do Santos F.C. tem formado profissionais muito bem
> sucedidos. Quem não gostaria de ganhar o salário do Neymar?
>
> Não apenas por isso, mas também por isso, vira e mexe ressurgem as
> críticas do teor desse texto aos professores titulados, como se eles
> representassem uma reserva de mercado. Criar critérios de seleção não é
> fazer reserva de mercado, é cuidar do resultado da contratação para os fins
> pretendidos.
>
> O que a universidade brasileira deveria reconhecer é a natureza diversa
> dos diferentes professores que são necessários para se montar um curso de
> música e colocar exigências de concurso, modelos de contrato e planos de
> carreiras diferenciados para as diferentes situações. Muita disputa interna
> desnecessária seria evitada com isso. Mas parece que isso é um ovo que nem
> Colombo conseguiria colocar em pé.
>
> Rodolfo Coelho de Souza
>
> ------------------------------
>
> *De: *"Mario Marçal Jr" <mariomarcaljr em gmail.com>
> *Para: *"Anppom CADASTRO" <anppomcadastro em gmail.com>, "Anppom CADASTRO" <
> anppom-l em iar.unicamp.br>
> *Enviadas: *Domingo, 23 de Fevereiro de 2014 13:18:20
> *Assunto: *[ANPPOM-Lista] Para refletir!
>
> Olá Caríssimos Colegas!!!
>
> Um excelente texto para nossa reflexão! !!
>
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> Grande abraço
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Diósnio Machado Neto
História da Música e Música Brasileira
Departamento de Música - FFCLRP/USP
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