[ANPPOM-Lista] Janine defende educação sem currículos rígidos

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Dom Mar 29 09:28:45 BRT 2015


Escolhido por Dilma Rousseff para comandar o Ministério da Educação, o
filósofo Renato Janine Ribeiro tem ideias avançadas para o setor. Ele
discorreu sobre elas num artigo
<http://www.valor.com.br/politica/3798846/os-principais-ministerios-cultura>
veiculado há quatro meses na coluna semanal que mantém no jornal ‘*Valor
Econômico*’. Defendeu, por exemplo, a tese segunda a qual a educação
deveria deixar de seguir currículos rígidos, tornando-se mais prazerosa e
criativa.

Para o novo ministro, não se pode entender o mundo moderno sem levar em
conta o seguinte: “a educação não termina no último dia do ensino
profissional ou do curso superior —nem nunca.” Janine avalia que certos
diplomas, como o de médico, poderiam ser “concedidos com exigência de
atualização” em prazos pré-determinados. Ministradas em “cursos avaliados”,
essas atualizações seriam “obrigatórias, previstas em lei”.

Janine defende também a criação de “um crescente leque de cursos abertos,
sem definição profissional, que aumentarão incrivelmente a qualidade da
vida dos alunos.” Ele explicou: “Para cada curso de atualização em genoma
para profissionais de saúde, haverá dezenas sobre filmes de conflitos entre
pais e filhos, de aprendizado com religiões distantes, de arte em
videogames, destinados a cidadãos em geral, de qualquer profissão —e a
lista não acaba.”

O escolhido de Dilma deu exemplos do que pode suceder num sistema
educacional que inclua os cursos abertos: “Quem cresceu num meio limitado
pode descobrir que o sentido de sua vida é a fotografia (como o jovem
favelado que é o narrador do filme ‘Cidade de Deus’): um artista se revela.
Ou um menino sensível, alvo de ‘bullying’ na escola, descobre que é
homossexual e que não está sozinho no mundo: um ser humano se liberta da
ignorância que o prendia. Assim, a cultura aumenta seu próprio contingente
– com a descoberta de novos artistas – mas, acima de tudo, amplia a
liberdade humana.”

Noutros tempos, anotou Janine, a identificação da vocação das pessoas
seguia padrões engessados. “Cada pessoa vivia num pacote identitário: por
exemplo, homem branco abonado, casado, filhos, advogado ou médico ou
engenheiro. Tudo isso vinha junto.” Hoje, avalia o novo titular da
Educação, os horizontes alargaram-se.

“Há milhares de profissões”, escreveu Janine. “No limite, cada um cria a
sua. Profissão, emprego, orientação sexual, estado civil, crenças políticas
e religiosas, tudo isso se combina como um arco-íris felizmente
enlouquecido. Ninguém é mais obrigado a se moldar a um pacote. Mas isso não
é fácil, exige uma interminável descoberta de si e, por que não dizer,
coragem pessoal.”

Janine esgrimiu no artigo um ponto de vista ousado sobre quais seriam os
principais ministérios da Esplanada. Começou brincando com as palavras:
“Qualquer um sabe responder quais são os principais ministérios do governo
federal —aliás, de qualquer governo no mundo atual. São os da área
econômica. Só que não”.

Depois, foi ao ponto: “Os ministérios que definem o futuro de um país, que
deverão ser decisivos nos próximos anos, e em poucas décadas serão
reconhecidos como os principais, são três: Cultura, Atividade Física (como
eu chamaria a atual pasta dos Esportes) e Meio Ambiente.”

Tomado pelas palavras, Janine talvez preferisse que Dilma o tivesse
convidado para chefiar a pasta da Cultura. No artigo, ele falou de educação
como um complemento da cultura. Traçou um paralelo: “A cultura tem a ver
com a educação. As duas pressupõem que o ser humano não nasce pronto, mas é
continuamente construído pela descoberta dos segredos do mundo e pela
invenção do novo.”

Prosseguiu: “Na educação como na cultura, não há limite: sempre se pode
descobrir ou inventar mais. Nada é tão crucial quanto elas para uma
sociedade em mudança rápida, como a nossa. A educação e a cultura, nas suas
várias formas, fazem crescer a liberdade das pessoas.”

Janine recordou que, em artigo anterior, afirmara que “a cultura é a
educação fora de ordem, livre e bagunçada.” Comparou: “Para cursos, há
currículos. Para a cultura, não. Um curso sobre a abolição da escravatura é
educação, o filme ‘Lincoln’ é cultura.”

Foi nesse ponto que o novo ministro revelou o que seria para ele o modelo
ideal de educação: “Cada vez mais, a educação deverá se culturalizar: um,
deixando de seguir currículos rígidos; dois, tornando-se prazerosa; três,
criativa.” Na opinião de Janine, deve-se conservar apenas “um currículo
norteador, que leve da infância à idade adulta.” Sem perder de vista que a
educação jamais termina.

Vai abaixo a íntegra do artigo de Renato Janine Ribeiro, datado de 1º de
dezembro de 2014:

<http://imguol.com/blogs/58/files/2015/03/estrelinha2.gif>

Os principais ministérios: Cultura

<http://imguol.com/blogs/58/files/2015/03/AspasPequenas1.jpg>*Q*ualquer um
sabe responder quais são os principais ministérios do governo federal
—aliás, de qualquer governo no mundo atual. São os da área econômica.

Só que não.

Os ministérios que definem o futuro de um país, que deverão ser decisivos
nos próximos anos, e em poucas décadas serão reconhecidos como os
principais, são três: Cultura, Atividade Física (como eu chamaria a atual
pasta dos Esportes) e Meio Ambiente.

Essa tese parece tão insensata que precisa ser justificada. Começo pela
Cultura; nas próximas colunas falarei das outras duas áreas. Mas um artigo
de Antonio Callado pode ilustrar esta questão inteira: em abril de 1994,
quando Rubens Ricupero deixou o Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia
Legal para assumir a Fazenda, Callado lamentou o que ele, só ele, chamou de
rebaixamento: Ricupero deixava uma pasta que portava o futuro do mundo,
para cuidar de algo sem a mesma relevância estratégica. É nesta linha que
vamos argumentar.

É claro que a economia é decisiva para um país, um governo. Mas ela
geralmente trata de meios, mais que de fins. O próprio nome de
‘infraestrutura’, usado para agrupar algumas de suas pastas, já indica
isso: infra, não super. O solo que pisamos, não o espaço entre zero e dois
metros de altura em que nos movemos. Temos também ministérios para lidar
com nossos déficits sociais, como saúde, direitos humanos, igualdade das
mulheres e dos negros. Um dia que não deve demorar muito, a igualdade de
direitos estará alcançada. Mas, desde já, há setores da administração que
devem apontar fins – não de forma autoritária, vertical, mas fazendo a
riqueza criativa da sociedade impactar a administração.

A cultura tem a ver com a educação. As duas pressupõem que o ser humano não
nasce pronto, mas é continuamente construído pela descoberta dos segredos
do mundo e pela invenção do novo. Na educação como na cultura, não há
limite: sempre se pode descobrir ou inventar mais. Nada é tão crucial
quanto elas para uma sociedade em mudança rápida, como a nossa.

A educação e a cultura, nas suas várias formas, fazem crescer a liberdade
das pessoas. A cultura, já afirmei aqui, é a educação fora de ordem, livre
e bagunçada. Para cursos, há currículos. Para a cultura, não. Um curso
sobre a abolição da escravatura é educação, o filme “Lincoln'' é cultura.
Cada vez mais, a educação deverá se culturalizar: um, deixando de seguir
currículos rígidos; dois, tornando-se prazerosa; três, criativa.

A Cultura deixará de ser o sobrinho menor da Educação. O próprio caráter
imprevisível da ação cultural e a dificuldade de planejá-la fazem dela um
dos modelos para o que deve ser a educação numa sociedade criativa. Deve-se
conservar na educação um currículo norteador, que leve da infância à idade
adulta. Mas para entender o mundo que hoje desponta é bom ter claro o
seguinte: a educação não termina no último dia do ensino profissional ou do
curso superior – nem nunca.

Alguns diplomas, como o de médico, até poderão ser concedidos com exigência
de atualização, a cada tantos anos. Essa atualização será dada por cursos
avaliados e fará parte da área da Educação. Mas além das atualizações
obrigatórias, previstas em lei, será necessário – e demandado – um
crescente leque de cursos abertos, sem definição profissional, que
aumentarão incrivelmente a qualidade da vida dos alunos. Já temos
iniciativas neste sentido, inclusive uma empresarial (a Casa do Saber), que
têm dado certo. Enfatizo: esses cursos serão mais culturais, não
estritamente educacionais. Para cada curso de atualização em genoma para
profissionais de saúde, haverá dezenas sobre filmes de conflitos entre pais
e filhos, de aprendizado com religiões distantes, de arte em videogames,
destinados a cidadãos em geral, de qualquer profissão – e a lista não acaba.

A cultura é indutora de liberdade. Romances, filmes e mesmo novelas nos
abrem para experiências com as quais, no mundinho em que cada um nasceu e
cresce, nunca pudemos sonhar. (É inquietante como estamos voltando a viver
em guetos; a própria dificuldade de tantos aceitarem que houve gente que
votou diferente deles, na recente eleição, é sinal desse fechamento de cada
grupo sobre si – o que pode limitar a capacidade de cada um se enriquecer
com a compreensão do outro, do diferente).

Quem cresceu num meio limitado pode descobrir que o sentido de sua vida é a
fotografia (como o jovem favelado que é o narrador do filme “Cidade de
Deus''): um artista se revela. Ou um menino sensível, alvo de “bullying''
na escola, descobre que é homossexual e que não está sozinho no mundo: um
ser humano se liberta da ignorância que o prendia. Assim, a cultura aumenta
seu próprio contingente – com a descoberta de novos artistas – mas, acima
de tudo, amplia a liberdade humana.

Hoje, pela primeira vez na história mundial, cada um de nós pode efetuar a
sintonia mais fina possível de sua vocação. Antigamente, cada pessoa vivia
num pacote identitário: por exemplo, homem branco abonado, casado, filhos,
advogado ou médico ou engenheiro. Tudo isso vinha junto. Hoje, as
possibilidades se ampliaram muitíssimo. Há milhares de profissões. No
limite, cada um cria a sua. Profissão, emprego, orientação sexual, estado
civil, crenças políticas e religiosas, tudo isso se combina como um
arco-íris felizmente enlouquecido. Ninguém é mais obrigado a se moldar a um
pacote. Mas isso não é fácil, exige uma interminável descoberta de si e,
por que não dizer, coragem pessoal. A cultura ajuda aqui, porque nenhum
setor da aventura humana nos capacita tanto para, cada um de nós, descobrir
sua diversidade única.*“*
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2015/03/28/janine-defende-educacao-sem-curriculos-rigidos

-- 
carlos palombini
professor de musicologia ufmg
professor colaborador ppgm-unirio
ufmg.academia.edu/CarlosPalombini <http://goo.gl/KMV98I>
www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2
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