[ANPPOM-Lista] [Sonologia-l] os párias educadores

Carole Gubernikoff carole.gubernikoff em gmail.com
Dom Maio 31 12:45:24 BRT 2015


Este tipo de retórica tem impedido a ANDES de avançar na negociações e o
fracasso das negociações há quatro anos refletem este estado de coisas.
Quanto à carreira, as reformas recentes agradaram à grande maioria dos
docentes que estão fazendo suas promoções. A promoção a titular tem
acontecido em todas as universidades.
Somos todos contra o corte de verbas para a educação, mas usufruímos
durante os últimos anos dos concursos que estão renovando os quadros dos
departamentos, da expansão das universidades federais com a criação inédita
de novas universidades e escola técnicas, com a criação de novas vagas e
concursos para servidores técnicos. Gostaria de manifestar meu
descontentamento com a perversidade das condições de trabalho para os
docentes, do fracasso da construção de novas unidades em vários campi, sem
ser tutorada por este discurso que não me representa, pois sou professora e
não concordo em prejudicar os alunos nas últimas semanas do semestre para
uma reposição que será ou perversa ou falsa e prefiro o diálogo à retórica.
Sinto muito se decepciono alguns colegas, mas não me sinto nem representada
nem satisfeita com o esvaziamento dos campi, com a retórica entre
"puxadores" de greve e suas estratégias de chamar à radicalidade e
fracassar no diálogo. Nunca usei e não usarei a expressão "a  chapa vai
esquentar em baixo deles".

Abraços,
Carole




Em 31 de maio de 2015 01:29, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>
escreveu:

>
> (Péssima retórica, mas boa análise).
>
> Os profissionais do ensino público federal devem deflagrar uma greve a
> partir de amanhã, dia 28 de maio. Ao lado da intensa luta dos educadores
> nos municípios e estados que se alastra diante da intransigência das
> autoridades, a greve do ensino federal completa o cenário desta que,
> segunda a presidente, deveria ser a “Pátria Educadora”.
>
> Essa “Pátria Educadora”, como outras bravatas eleitorais (de que o peso da
> crise não seria jogado sobre os ombros dos trabalhadores, de que o ajuste
> não implicará em perda de direitos, etc.), se dissolve agora em pura
> hipocrisia. A urgência e necessidade do ajuste imposto para salvar o
> capital de sua própria crise, consome na fogueira da insanidade o corpo
> febril do doente para salvar o vírus. Na sanha saneadora revelam-se as
> verdadeiras intenções de classe que atingem diretamente aqueles
> transformados em “párias educadores”. No moderno sistema de castas, os *chátrias
> *(governantes) contemporâneos condenam aqueles que vivem de seu trabalho
> ao abismo social, alguns mais que intocáveis (*dalitss – abaixo dos cães*),
> são invisíveis, só podem sair à noite e se tentam aparecer são encarcerados
> até morrer de forme (entre nós conhecidos como “terceirizados”).
>
> No que tange ao ensino público federal, no entanto, os efeitos do ajuste
> fiscal, ainda que suficientes para justificar a reação grevista da
> categoria, não explicam a dimensão do problema e, talvez, escondam o
> essencial.
>
> No ano de 2011 o ANDES-SN, percorreu o país alertando sobre o risco de
> desmonte que sofria a carreira docente e os fundamentos da proposta do
> governo que implicava em uma concepção de universidade que fere mortalmente
> a autonomia universitária, o caráter público e gratuito do ensino público
> federal e a qualidade do ensino. Durante mais de um ano o governo e,
> principalmente, o MEC se fizeram de surdos, num espetáculo de arrogância e
> desconsideração.
>
> O resultado foi, em 2012, uma grande greve nacional exigindo que se
> discutisse a carreira docente, a questão salarial e as condições de
> trabalho. O governo e o então Ministro da Educação, o senhor Aloísio
> Mercadante (talvez o mais incompetente dos últimos que por ali passaram),
> apenas intensificaram a omissão, transformando o problema do Ensino Público
> Federal num mero problema orçamentário, não à toa a negociação foi
> deslocada para o Ministério do Planejamento e para as garras gélidas e
> burocráticas da czarina do orçamento, a senhora Mirian Bechior.
>
> Com o requinte de um desfecho no qual o governo assina um acordo com uma
> entidade sindical fantasma (que dizia representar apenas cinco das 53 IFES)
> e impõe uma carreira que desestrutura e precariza o trabalho docente,
> parcela em três anos um suposto reajuste que acabou (como prevíamos)
> ficando abaixo da inflação e nem sequer acena para a (já naquela ocasião)
> gravíssima situação das condições de trabalho e infra-estrutura nas
> universidades, precarizadas por uma expansão sem os recursos necessários.
>
> A justificativa do governo, repetida como um mantra à época foi que diante
> da possibilidade da crise o governo “priorizava a manutenção dos empregos
> no setor privado”. Isso significa que o fundo público seria desviado na
> forma de generosas contribuições à iniciativa privada na forma de subsídios
> e isenções fiscais diante da vaga promessa de manter o nível de emprego.
> Para aqueles que acreditam que o governo não cumpre suas promessas, vai aí
> o desmentido cabal: a renúncia fiscal entre 2012 e 2014 cresceu 409%. O
> gasto previsto na educação entre 2012 e 2014 variou de 86,9 bilhões para
> 94,2 bilhões, ou seja, algo próximo de 7,5%.
>
> O quadro se agrava pelo fato de que desde abril de 2014 o ANDES-SN tenta
> negociar com o MEC e encontra a mesma disposição. O secretário da SESU,
> secretaria de ensino superior do MEC, Paulo Speller, nesta suposta
> negociação em 23 de abril de 2014, chegou a assinar um termo de compromisso
> no qual assumia que os pontos apresentados por nosso sindicato sobre a
> carreira poderiam ser a base para começar uma negociação. Evidente que
> isso, de acordo com o MECb (movimento de empurrar com a barriga),
> implicaria numa longa discussão conceitual – o que na verdade quer dizer
> basicamente “podemos conversar qualquer coisa desde que não implique em
> impactos orçamentários!”.
>
> Quando o ANDES-SN se encontra agora dia 22 de maio (um ano e um mês
> depois), recebe a seguinte posição do senhor Luiz Claudio Costa, Secretário
> Executivo e Ministro da Educação em exercício (o filósofo Renato Janine
> Ribeiro estava no exterior): que não seria possível começar a negociação
> pelos pontos acordados há mais de um ano atrás, pois o Secretário não
> podia, apesar de representar o Ministério na reunião, assinar aquilo em
> nome do Ministério (!!!???); que a área da educação seria afetada com um
> corte de R$ 9 bilhões, mas que o governo pretende “consolidar a expansão
> das universidades e institutos federais” mesmo assim; e, que a
> possibilidade de greve gerou um “desconforto no MEC” porque estaríamos
> diante de “um novo governo que acaba de assumir e, portanto, não se poderia
> considerar que houve falta de negociação”.
>
> Vejam a que ponto chega a cara de pau destes senhores. Depois de mais de
> um ano sem negociação, suspendem os únicos pontos acordados e afirmam,
> surpreendentemente, que se trata de um novo governo e que precisam de mais
> tempo para estudar a pauta apresentada. O “desconforto” do MEC não deveria
> se dar pelo fato que a categoria exerce seu direito constitucional de se
> defender com todas as armas que dispõe, inclusive a greve, mas pelo fato de
> que há doze anos e vários ministros uma crise sem precedentes se abate
> sobre aquilo que eles deveriam administrar. Não por uma ou outra conjuntura
> desfavorável, mas como resultado da linha que foi imposta de forma
> autoritária e diante dos claros clamores da categoria que denunciava que o
> resultado seria exatamente o que hoje vemos.
>
> Já em 2012 o então burocrata de plantão, o Ministro Mercadante, se dizia
> surpreendido pela greve, pois tudo ia bem nas universidades e institutos
> federais e que vivíamos uma “crise de crescimento”, com o tempo tudo daria
> certo. É neste sentido que temos que entender a afirmação aparentemente
> paradoxal do ministro em exercício, segundo a qual serão cortados 9
> bilhões, mas que ele espera “consolidar” a expansão. E de fato assim será,
> pois a consolidação da expansão é a consagração do crescimento com
> precarização de condições de trabalho, de salários e da carreia docente.
>
> O que está por trás deste circo é que o governo segue acreditando em sua
> formula mágica: apoiar o capital privado (afinal o senhor Levy Mãos de
> Tesoura não disse que a função do Estado é criar as condições para que a
> economia privada funcione?), para crescer a economia, aumentando desta
> forma a arrecadação e aí, depois de desfalcar o fundo público pagando o
> preço do parasitismo financeiro, o que sobrar, pouco a pouco, destinar para
> as outras áreas secundárias (educação, saúde, saneamento, etc.). Desta
> maneira o que o governo espera é que seu ajuste funcione, a economia volte
> a crescer e tudo vai dar certo.
>
> O que é preciso entender é que o retrato de hoje na educação brasileira
> não é um problema de percurso no interior de um plano virtuoso. É o
> resultado natural e esperado de tal plano supostamente virtuoso. No caso
> específico do ensino público federal a meta do governo era um setor
> expandido que gastasse a mesma coisa ou proporcionalmente menos para assim
> ser considerado eficiente. Para tanto as instituições federais de ensino
> deveriam ser criativas na captação de recursos, vendendo serviços, fazendo
> parcerias com iniciativa privada, cortando gastos, isto é, aplicando as
> verdades consagradas de uma gestão empresarial à esfera pública.
>
> Uma das soluções geniais foi que, quanto ao pessoal, deve-se distinguir
> atividades fins de atividades meios e estas últimas podem e devem ser
> terceirizadas – afinal, para que serve mesmo numa instituição de ensino
> atividades como limpeza, manutenção, segurança e outras destinadas às
> castas inferiores dos intocáveis. Eis que um tempo depois as universidades
> não podem começar suas aulas e outras atividades fins porque não funcionam
> as atividades meio. Porque os corredores estão cheios de lixo, os prédios
> caindo (e não é mera figura de linguagem), com casos de assalto, estupro e
> outros no interior dos campi. Os trabalhadores terceirizados e precarizados
> sem salários, em alguns casos há mais de cinco meses, sendo trocados de uma
> para outra unidade, de uma para outra empresa, sem vale alimentação e
> transporte, sem direitos.
>
> O número de alunos mais que dobrou, mas o número de professores, entre
> entradas e saídas, permanece na melhor das hipóteses o mesmo. Salas de aula
> são transferidas para containers, numa justiça poética à intensa
> mercantilização do ensino, e agora ameaçadas de ser despejadas destes por
> falta de pagamento às empresas que oferecem tal precarização. Alunos sem
> assistência estudantil, alojamentos, restaurantes, bibliotecas, com suas
> bolsas já insuficientes sendo suspensas.
>
> Mas não devemos ser tão duros em nossa análise. Afinal, este é um “governo
> que está apenas começando”… ou serão mais de doze anos? Mas, são outras
> pessoas, sai Paulo entra Jesualdo na SESU (Paulo deve ter sido mandado de
> volta para a escola de burocratas porque por um momento leu um documento e
> concordou com seus termos ao invés de nos enrolar como foi treinado para
> fazer). Sai o sociólogo Haddad que vendeu um plano incrível no qual tudo
> daria certo se nada desse errado e não ficou para ver o estrago, entra o
> economista que não entende muito de economia e um pouco menos de educação,
> que passou pela Ciência e Tecnologia (coisa que ele também não entende),
> depois Cid o Breve que destruiu a educação estadual no Ceará, e agora o
> filósofo hobbesiano emprenhado em olhar lá do Estado, que se localiza acima
> da sociedade, a guerra de todos contra todos aqui em baixo.
>
> O problema é que durante todo este tempo, aqui em baixo, filósofos,
> economistas, sociólogos, engenheiros, cientistas, e muitas outras pessoas
> das mais diferentes áreas da produção do conhecimento, da ciência, da
> tecnologia, do ensino, da pesquisa, que escolheram o ensino público, têm de
> sobreviver em uma carreira em que coexistem três situações previdenciárias
> (você pode se aposentar com todo seu salário, com uma boa parte dele ou só
> com o piso da previdência); professores doutores tendo que esperar três
> anos de estágio probatório para serem reconhecidos como… professores
> doutores; professores dos colégios de aplicação tendo que brigar para
> provar que aquilo também é ensino, pesquisa e extensão e que têm também o
> direito de se qualificar; gente andando de um lado para o outro com seus
> livros e o séquito de alunos atrás porque vagam no deserto sem salas e sem
> manjedoura onde parir seus messias, com bibliotecas que se assemelham mais
> a museu de livros raros que local com exemplares em número suficiente para
> consulta e estudo.
>
> Agora já se fala em estender o sistema de OS para contratar professores
> nas Universidades – sistema que tem sido tão útil na saúde, não é verdade?
>
> E os senhores do ministério estão um pouco “desconfortáveis” com a
> possibilidade de uma greve!? Faz sentido, pois a greve torna visível a
> crise que eles querem jogar para debaixo do tapete. Pois que fiquem
> desconfortáveis, quanto mais melhor, porque a chapa vai esquentar embaixo
> deles.
>
> Em defesa do ensino público, gratuito e de qualidade, em defesa da
> carreira docente dos profissionais do ensino público federal, em defesa das
> condições dignas de trabalho e estudo, em defesa da pauta dos técnicos
> administrativos e dos estudantes, em defesa dos direitos dos trabalhadores
> e contra a terceirização, contra o ajuste para salvar o capital e contra os
> cortes na educação. Contra este carma não dá para esperar a reencarnação. É
> greve.
>
> ***
>
> *Mauro Iasi *é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ,
> pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13
> de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro *O dilema de
> Hamlet: o ser e o não ser da consciência*
> <http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/48#.Ul8Kh1Csh8E> (Boitempo,
> 2002) e colabora com os livros *Cidades rebeldes: Passe Livre e as
> manifestações que tomaram as ruas do Brasil*
> <http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/cidades-rebeldes> e *György
> Lukács e a emancipação humana*
> <http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/gy%C3%B6rgy-lukacs-e-a-emancipacao-humana> (Boitempo,
> 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o *Blog da Boitempo *mensalmente,
> às quartas.
> http://goo.gl/LZQLKU
>
> --
> carlos palombini
> professor de musicologia ufmg
> professor colaborador ppgm-unirio
> ufmg.academia.edu/CarlosPalombini <http://goo.gl/KMV98I>
> www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2
> scholar.google.com.br/citations?user=YLmXN7AAAAAJ
>
> _______________________________________________
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>
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