[ANPPOM-Lista] DJ Safatle >_>

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Ter Ago 30 22:32:58 BRT 2016


Amanda Cavalcanti, "O que aprendemos com o DJ set do Vladimir Safatle?",
Thump (o canal de música eletrônica e cultura da Vice, 30 ago. 2016.

Dizem que aquela frase "Sem música, a vida seria um erro" é do Nietzsche,
né? É uma das declarações do longo e intenso relacionamento entre música e
filosofia. Desde Pitágoras, que tentava sacar a relação entre música e
matemática — surgindo com alguns dos primeiros estudos sobre séries
harmônicas — à experimentação eletroacústica do John Cage.

Eis que, ainda assim, eu fiquei surpresa quando vi que o DJ de uma festa
pós-evento de psicanálise na Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São
Paulo, seria ninguém menos que Vladimir Safatle. Ele já não atende às
minhas expectativas de estereótipo de filósofo por não ter uma barba — ou
no mínimo um bigode maneiro, que nem o Nietzsche —, mas será que ele tinha
realmente a moral de empolgar uma galera numa festa, ao invés de contemplar
o sentido da vida?

A real é que, como sabemos, o próprio Safatle curte escrever sobre música e
cultura num geral, e, descobri depois, teve até uma banda quando
adolescente, em Goiânia: o grupo Departamento, que se descreve no YouTube
<https://www.youtube.com/watch?v=NRijNFPFjuo> como "industrial/goth/house",
mas que eu achei mais pra um pós-punk chinfrim. O Safatlinho, na época com
15 anos, é creditado por tocar synth na banda.

Eu queria poder dizer aqui que eu fui nesse rolê com o coração aberto, mas
a real é que eu tava meio desconfiada do que ia sair dali. Eu e o Vinícius
Gomes, fotógrafo que registrou essa empreitada, chegamos lá pelas 1h30 da
manhã, meia hora antes do DJ Wesley Safatlão (esse apelido surgiu em algum
comentário no Facebook e resolvi adotar) entrar pra fazer seu set. A festa
tava esquisita, a grande maioria da galera tava na calçada da biblioteca —
dentro do saguão, onde o som já tava rolando nas mãos da DJ Reggie Moraes,
tinha só uns vinte gatos pingados.
Sabe aqueles memes de "white people dancing"
<https://www.youtube.com/watch?v=zjFvrZynYaw>? O negócio tava mais ou menos
assim. Tinha uma galera meio constrangida e outros que tavam até tentando
animar mas não conseguiam empolgação suficiente. O som da Reggie eram os
hits dos anos 80 mais óbvios possíveis, tipo "Bizarre Love Triangle" do New
Order e "Just Can't Get Enough", do Depeche Mode. Desde o início deu pra
notar que aquela festa foi planejada porcamente: o saguão da Mário de
Andrade tem o teto muito alto, que acompanha a escada em espiral até o
terceiro andar da biblioteca, onde fica o auditório. O resultado era que a
acústica do lugar era péssima — nem as músicas que eu gostava eu conseguia
reconhecer de primeira.

Foi uma meia hora de vergonha alheia até a estrela da noite finalmente dar
as caras. Na verdade, eu só o vi quando uma amiga apontou: ele passou
sorrateiramente pelo meio da galera bem darks, todo de preto, e sentou na
cadeira em que passou a noite toda. Fui ficar mais perto e descobri, feliz,
que ficar ali do lado da caixa tornava o som um pouco menos pior. Chuto que
devem ter se acumulado umas 200 pessoas ali no saguão. A essa altura, já
tinha colado uma galera bem maior pra assistir ao set.

Quando eu digo assistir, é assistir mesmo. A galera até deu uma empolgada
na dança quando o Safatle começou a tocar uns house obscuros que eu não
consegui identificar, mas ficou meio óbvio que tava todo mundo mais
interessado em VÊ-LO tocando — vide os flashes que estouravam de 5 em 5
segundos na cara do coitado e até alguns momentos de tietagem da galera
desconstruída que tava por lá, que ia puxar um assunto. Não cheguei a ouvir
as conversas, mas parecia que ele não tava no melhor dos humores: quando o
Vinícius perguntou se podia tirar foto dele, ele balbuciou um "tô
trabalhando!" e colocou a mão na testa pra cobrir o rosto. (Mas achei
legal, ficou parecendo que ele tava psicografando o set).

Apesar de ter começado bom, o set deu uma desandada. De repente, o nosso
filósofo-DJ tava tocando Smiths, misturando com salsa e trocando totalmente
a batida e a vibe de uma música pra outra. Pra alguém que declarou o fim da
música
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/235828-o-fim-da-musica.shtml>
em 2015, ele parecia ter certa dificuldade com o negócio. Mas teve um ponto
alto: num momento de empolgação, o Safatle deu um tapa na mesa e
desencaixou o pen drive que tava usando pra tocar, fazendo o som parar por
um segundo e geral segurar a respiração. Maravilhoso.

Uma hora e pouco depois do início do seu set, o Vlad saiu tão
sorrateiramente quanto tinha entrado; tanto que eu nem percebi pra onde ele
foi pra tentar correr atrás e bater um papo sobre Lacan para salvar a
noite. Tampouco ele vazou, reparei que a horda tinha vazado junto: tirando
uma galera que parecia excepcionalmente animada e continuou dançando ao set
da DJ Reggie, que voltou ao controle do som, geral voltou pra calçada.
Decidi que era o momento de ir, também.

Saindo, ouvi alguns palpites sobre o set: Ele segurou a pista. Ele mandou
mal pra caralho. Ele sabia o que tava fazendo. No fim, acho que fiquei
feliz de alguém não ter achado a situação tão constrangedora quanto eu. A
moral da história é que, quando você junta duas ocupações pretensiosas em
uma só situação, a coisa tem tudo pra ser embaraçosa. (E eu falo isso do
meu papel de jornalista escrevendo sobre um filósofo em uma noite de DJ).
Fica pra próxima, Vlad.

Com fotos em: http://thump.vice.com/pt_br/article/dj-vladimir-safatle

-- 
carlos palombini, ph.d. (dunelm)
professor de musicologia ufmg
professor colaborador ppgm-unirio
www.proibidao.org
ufmg.academia.edu/CarlosPalombini <http://goo.gl/KMV98I>
www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2
scholar.google.com.br/citations?user=YLmXN7AAAAAJ
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