[ANPPOM-Lista] agradecimento

Cristina Maria Pavan Capparelli Gerling cgerling em ufrgs.br
Qua Fev 24 10:54:38 BRT 2016


 

Carlos, muito obrigada por compartilhar, leitura instigante,
informações necessárias, muito bom do começo ao fim. 

Abcs, Cristina


Em 2016-02-23 15:01, Carlos Palombini escreveu: 

> ​Em agradecimento
àqueles que prestaram informações aqui ou de modo privado sobre o
_Choros 8_ de Heitor Villa-Lobos, reproduzo minha resenha da execução
dessa obra na abertura da temporada da Orquestra Filarmônica de Minas
Gerais, na Sala Minas Gerais. Omito notas de rodapé e figuras, que podem
ser achadas no endereço https://www.academia.edu/22351155 [1].
> 
> Um
Villa-Lobos perturbador abre a temporada da OFMG
> 
> No dia primeiro de
janeiro de 1928 uma das personalidades então mais influentes da música
francesa, o compositor Florent Schmitt, aos 57 anos de idade, publicou
na Revue de France uma resenha de quatro páginas sobre dois concertos
realizados em 24 de outubro e 5 de dezembro de 1927 na Sala Gaveau.
Dezessete anos mais jovem, mas desde 1921 considerado pela imprensa
francesa "o maior músico moderno brasileiro", Heitor Villa-Lobos
apresentara ali uma seleção de obras recentes. Integravam a primeira
récita três _Choros_ de câmara, o Quarto (1926-1927), o Segundo
(1924-1925) e o Sétimo (1924-1925); cinco das dez Serestas para voz e
orquestra (1925-1926), com a soprano Elsie Houston; o Rudepoema
(1921-1926), com Arthur Rubinstein; e aquela que, décadas mais tarde, o
musicólogo finlandês Eero Tarasti consideraria "a composição mais
fauvista e 'moderna'" do período modernista de Heitor Villa-Lobos:
_Choros 8_, para orquestra e dois pianos. Schmitt dedicou-lhe todo um
parágrafo:
> 
>> E porque é necessário que o interesse siga sempre em
_crescendo_, chegamos ao gigantesco _Choros VIII_, ponto culminante
dessa noite memorável de 24 de outubro. Aqui, paralelamente à orquestra,
de volta ao normal, suas oitenta engrenagens enfim agrupadas e prontas
para entrar em luta, vemos desencadearem-se, já sem nenhuma hipocrisia,
os piores instintos deste sobrevivente da idade da pedra. A fantasia
acotovela-se com o sadismo, mas um sadismo estilizado de homem bom, de
alma elevada, que não está ao alcance de um festeiro ou desocupado
qualquer e mantém-se ciosamente no interior do círculo da beleza. A
orquestra uiva e delira numa crise de _jazzium tremens_, e quando se
acreditaria ter atingido os limites de um dinamismo quase sobre-humano,
eis que, de golpe, desabam quatro braços de titãs, os de Aline van
Barentzen e Tomás Teran, vinte dedos de aço, que na espécie valem por
cem, a brandir dois formidáveis tanques Gaveau de quinze oitavas, os
quais, sobre esse fundo tumultuoso, explodem com o estrondo de um abalo
sísmico no inferno. É o golpe de misericórdia. A coisa torna-se
demoníaca ou divina, conforme o entendimento. Pois adoramos ou
execramos, mas não permanecemos indiferentes. Inevitavelmente,
sentiremos que o verdadeiro grande espírito bafejou.
>> Oitenta e
oito anos depois, o maestro Fabio Mechetti, diretor artístico e regente
titular da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, escolheu essa obra,
cognominada "_Choros_ da Dança", "_A sagração da primavera_ do Amazonas"
e "O Oitavo Louco", para abrir a temporada da Sala Minas Gerais,
residência da OFMG, nos dias 18 e 19 de fevereiro de 2016. Celina
Szrvinsk e Miguel Rosselini desincumbiram-se dos pianos. 
> 
> A
"batalha de ritmos" que o compositor desencadeia no _Choros 8_ confronta
os intérpretes com um catálogo de dificuldades: binários, ternários e
quaternários simples alternam-se com compassos incomuns -- 5/4, 6/4,
7/8, 9/8, 11/8, 11/16 -- repletos de quiálteras de três, quatro, cinco,
seis, sete, nove, dez, onze e doze notas; há sucessões contínuas de
figuras acéfalas sincopadas e sincronização entre células realizadas por
instrumentos distantes no espaço, sujeitos a defasagens entre emissão e
recepção. Fabio Mechetti incorporou a personalidade naval de seu antigo
mestre, Eleazar de Carvalho, para atingir o equilíbrio necessário entre
disciplina de Forças Armadas e elasticidade afrodescendente com o qual
colocou em relevo sopros e percussões. Com uma carreira conjunta que
ultrapassa três decênios, o duo Celina Szrvinsk e Miguel Rosselini,
estudou a escrita pianística de Villa-Lobos meses a fio de modo a
valorizá-la no duplo papel de interlocutora e apoiadora de percussões e
metais. 
> 
> Por todas as dificuldades, _Choros 8_ é uma das criações
menos executadas de Heitor Villa-Lobos. Depois de estrear em Paris, na
Sala Gaveau, com a Orquestra Colonne sob a regência do compositor, em 24
de outubro de 1927, ela foi ouvida novamente ali em 7 de maio de 1930;
em Nova York, na Sala de Concertos da Feira Mundial, com a Filarmônica
de Nova York sob a regência de Burle Marx, em 4 de maio de 1939; de novo
em Nova York, no Carnegie Hall com a Filarmônica de Nova York sob a
regência do compositor, em 8 e 9 de fevereiro de 1945; no mesmo local,
com a Orquestra dos Compositores Americanos sob a regência de Dennis
Russell Davies, em 14 de abril de 1996; em Londres, no Barbican Hall com
a Orquestra Sinfônica da BBC sob a regência de Sakari Oramo, em 8 de
março de 2014. 
> 
> Do mesmo modo que _Ionisation_ (1929-1931), de
Edgard Varèse, _Choros 8_ depende de efeitos resultantes da distribuição
espacial das fontes sonoras. Esse fato impõe outros tantos desafios à
fonografia, razão pela qual as gravações são ainda mais raras.
Conhecemos a de 1985, com Kenneth Schermerhorn à frente da Filarmônica
de Hong Kong; a de 1988, com Eleazar de Carvalho à frente da Sinfônica
da Paraíba; e a de 2005 com John Neschling à frente da Sinfônica do
Estado de São Paulo.
> 
> Os ingressos esgotaram-se rapidamente e tive
de contentar-me com um lugar atrás da orquestra, à esquerda -- para uma
partitura frequentemente recriminada por encobrir as partes do piano, a
pior localização possível. Eu estaria exatamente atrás da tampa do
segundo piano, junto à parte pesada das percussões. Seja porque a
acústica da Sala Minas Gerais é tão boa quanto viva, e faz variar de
modo imprevisível as perspectivas de escuta conforme a localização, seja
porque o trabalho do duo Szrvinsk-Rosselini surtiu efeito, minhas
expectativas contrariaram-se. Os pianos ganharam justo relevo e a
proximidade das percussões clarificou sensivelmente a complexidade
rítmica. A peça emergiu em dançante fulgor, na delicadeza dos jogos
entre as sonoridades da harpa, da celesta e do piano.
> 
> Eero Tarasti
compara o tratamento que Darius Milhaud dá ao maxixe com a maneira
expressionista pela qual o "Turuna" de Ernesto Nazareth se manifesta no
_Choros 8_. Se, para Mário de Andrade, o _Choros 8_ é o "Choro do
maxixe", trata-se de um maxixe transfigurado. O diálogo entre
civilização e barbárie que se faz ouvir ali torna o _Choros 8_ a mais
atual das obras de Villa-Lobos, aquela que mais diretamente fala ao
século XXI no que este possui de orgiástico e brutal. Resta esperar que
a Sala Minas Gerais assista à gravação definitiva desse Villa-Lobos tão
perturbador quão deslembrado, com Fabio Mechetti à frente da OFMG e o
duo Celina Szrvinsk e Miguel Rosselini aos pianos. 
> 
> Carlos
Palombini​, 23 fev. 2018

-- 
Cristina Maria Pavan Capparelli
Gerling
cgerling em ufrgs.br
 

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[1]
https://www.academia.edu/22351155
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