[Dicasdeiluminacao-l] Técnica e Estética – Opostos Complementares

Valmir Perez valmirperez em gmail.com
Dom Dez 9 18:24:09 BRST 2007


Técnica e Estética – Opostos Complementares



As cortinas se abrem vagarosamente. O público estanca por uma pequena
eternidade seus mais íntimos conflitos pessoais. Agora não é possível pensar
em si mesmo, nas pequenas coisas, nas futilidades do dia. Nasce como que por
encanto uma outra realidade. E ela começa muda, surda, como se todo o
universo conhecido oferecesse uma pausa. Uma luz de um azul tênue banha o
quadro, essa pintura dinâmica que é o teatro.





A luz vem do infinito e cai como uma chuva calma sobre os atores em
silêncio. É uma luz que banha suas costas e precipita seus rostos numa
penumbra fria, cálida. Não há movimento, não há respiração, apenas vida e
uma vida de infinita latência. Por alguns segundos tem-se a impressão de que
basta isso para que a existência aconteça.



Lentamente um sol de amarelo e âmbar invade essa tela e expõe com delicada
clareza algumas faces entristecidas pelo tempo e pelo sofrimento. Os
trabalhadores caminham para seus afazeres e trazem consigo os barulhos, os
suores, os pensamentos. Esse sol movimenta-se em um tempo diferente, em um
tempo que pertence apenas ao imaginário, porém, sua força é extremamente
real, tudo é real, tudo vibra em conjunto, tudo é feito e idealizado para
tudo. Essa é a marcha constante da realidade que provoca em nós a sensação
da continuidade do existir. E assim se passam as horas compactadas nesse
tempo virtual. Os personagens desse drama, que é o drama de todos nós, tecem
nesse clima seus afetos, suas relações, seus anseios...



Os cenários são invadidos pela cor quente e pelas sombras sinuosas; então,
um grito, o sol desaparece num eclipse rápido e violento. Em seu lugar surge
abruptamente outra tela, outro universo. Num canto, que poderia ser um canto
qualquer; músicos tocam e casais dançam sob uma luz de fumaça. Homens bebem
e mulheres gracejam. Outro tempo, outras coisas...



Os suores agora são os suores da alegria e da liberdade. Candeeiros acesos
transformam a noite e a taberna num lugar festivo, barulhento. Os sons e os
cheiros que também pertencem a essa luz refletem-se nos olhos da assistência
que insinua um sorriso cúmplice. E assim, os momentos descortinam-se nesse
outro mundo, um mundo à parte, feito de luz, feitos de cor, de intensidade,
de sabor e de sensibilidade.



Além desses mundos, atrás das cortinas, por detrás das paredes, cenários e
coxias, a razão trabalha misteriosa e silenciosamente para que a poesia
viva.



A iluminação de palco seja ela qual for, não é apenas o acender das luzes,
mas um intenso exercício de composição estética fundamentada no conhecimento
artístico. Exercício esse que busca a dialética dos processos de criação e
execução.



Ao falarmos sobre estética da luz estamos falando necessariamente sobre a
estética pictórica. Isso se dá exatamente porque o olhar do público sobre a
cena torna-o um olhar de dimensões abrangentes, onde os símbolos falam por
si e compõe os demais sob sua influência, interativamente, da mesma maneira
que ocorre na pintura. Nesse âmbito, a idealização da iluminação passa
necessariamente pela sensibilidade artística do idealizador, pela capacidade
de entender os nuances de significação desses símbolos no todo, que é o
resultado final da obra. Esse conhecimento pode ser adquirido através do
estudo da arte e de sua história e vai avançando paralelamente com o
desenvolvimento do artista. É óbvio que alguns terão maiores facilidades do
que outros no que diz respeito às questões de sensibilidade e expressão.
Isso é bastante pessoal. Como qualquer artista, o designer de iluminação tem
todo um caminho de maturação.



Mas o artista não pode viver só de pensamentos e emoções, só das criações do
espírito. O artista necessita da expressão material de suas criações para
que se torne artista atuante e sua obra influencie, se torne conhecida.
Entram aí então as questões referentes aos conhecimentos técnicos . Em minha
opinião esses conhecimentos são fundamentais para o desenvolvimento
expressivo na área. Lembrando que estamos falando sobre expressão através da
iluminação, temos que levar em consideração os desafios estruturais,
ferramentais e processuais da atividade. No caso dos pintores esses desafios
encontram-se nos suportes, pincéis, tintas, nos processos, em seu
desempenho, enfim, nos materiais e condições através das quais o artista se
expressa no mundo. No caso dos artistas da iluminação, esses desafios
encontram-se nas estruturas físicas, elétricas, de equipamentos, de
acessórios, etc. Desafios que também exigem desses profissionais, abertura,
desenvoltura, adaptabilidade e constante reciclagem de informações, pois, as
tecnologias desenvolvem-se rapidamente e diariamente novos produtos são
lançados no mercado. Isso a meu ver é outro ponto importante. Embora não
devamos cair nos modismos que as empresas tentam impor aos seus clientes a
fim de aumentar seu faturamento, não podemos ficar desatualizados. Nem
neuróticos e nem passivos, devemos estar prontos para conhecer novas
soluções sem deixar que elas nos influenciem sobremaneira.



Gosto muito de chamar os equipamentos de iluminação de "pincéis". Na verdade
o são, porém, sua diferenciação se dá exatamente quanto ao desenho e cor
projetados pela matéria física aplicada. Essa "matéria" que é a luz tem
comportamentos diferentes das tintas utilizadas pelos pintores, ou seja, dos
pigmentos. No palco, as estruturas, cenários, figurinos, acessórios,
elementos, atores e atrizes, suas maquiagens, etc, formam o suporte no qual
essa outra "tinta" é aplicada por esses outros "pincéis". Quando nesses
suportes são utilizadas pigmentações com variação do branco, a luz colorida
tinge-os, como nos suportes da pintura, cujo acabamento será o da
pigmentação sobre a tela. Quando esses suportes são pigmentados com
variações cromáticas, ou seja, possuem coloração, a luz surge como produtora
do processo de velatura . Aí é que entra o conhecimento e experiência do
artista-iluminador. Misturas veladas produzem necessariamente terceiros
cromatismos. Uma luz magenta sobre pigmentação amarelada resulta em
variações de vermelho; luzes amarelas sobre pigmentação azul também
resultarão em variações do vermelho, já uma luz vermelha sobre um fundo
ciano, escurecerá sobre maneira o objeto, tendendo-o ao cinza escuro, e
assim por diante. Isso se dá porque os sistemas aditivos e subtrativos
interagem entre si formando padrões complementares.



Na iluminação, assim como também na pintura, os desenhos carregam sua cota
de simbolismo, de signos, sinais. As formas projetadas pelos equipamentos
nos palcos produzem sensações espaciais, temporais, entre outras, e essas
sensações acabam transformando-se em sentimentos na platéia e no próprio
palco. Banhos, gerais, focos, recortes, projeções, são algumas das formas
pelas os quais os designers de iluminação se utilizam para provocar esses
sentimentos, daí também a importância do conhecimento dessa complexa
linguagem. Mas as luzes de palco possuem também outras propriedades que vão
somando-se e formando esse universo sensível. Direção, intensidade,
movimento , duração, compõem outra gama razoável de significação. Pretendo
com isso destacar a expressão artística no trabalho dos designers de
iluminação, ao mesmo tempo, enfatizando a importância que o conhecimento
técnico tem para esses profissionais. Duas energias que se complementam, e
que a meu ver, formam o que poderíamos chamar de profissional-artista
completo e equilibrado.



Na maioria das vezes percebo que é através desse profissional-artista que as
novidades técnicas têm os seus porquês e seus fundamentos. Na acentuada
troca de informações entre técnica e estética originada nessa atividade,
surgem novos produtos, e é interessante notar que com o surgimento desses
novos produtos, paralelamente, surgem novas estéticas. É como se a
modernidade reinventasse o passado em outros níveis. No simbolismo do Tai
Chi Chuan, a luta eterna entre a serpente e a águia, a terra e o céu, o
positivo e o negativo, produzem o movimento criativo. Velhas estórias,
moderníssimas versões. Discussões sobre a importância técnica em oposição à
estética provocam necessariamente novas criações advindas da luta entre
esses opostos também eternamente complementares.




-- 
Valmir Perez
Lighting Designer
Laboratório de Iluminação
Unicamp
www.iar.unicamp.br/lab/luz
http://blogdovalmir.blogspot.com/
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Skype: lablux
Fones:
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