[ANPPOM-Lista] Pergunta

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Sáb Abr 25 12:53:22 -03 2020


Olá, Carlos!

Muito tenho ouvido sobre isso. É um tema recorrente nas discussões de
grupos de bolsistas no Facebook e de meus orientandos também. Trata-se, em
casos distintos, de uma sobreposição de equívocos.

1. Considerar a tese ou dissertação como publicação. Esse equívoco é
endossado pelas normas da ABNT, que determinam, diferentemente de sistemas
prevalentes nas publicações de língua inglesa, que as referências
apresentem o título da dissertação ou tese em itálicos, como se livro
fosse.

2. Atribuir às bancas de defesa autoridade suprema, acima da de outros
pares, de modo que a tese ou dissertação só estaria apta a gerar
publicações após o beneplácito da sacrossanta.

Resulta também do espírito do tempo, marcado por burocratização e
quantificação. E ainda, por um legalismo de fachada, no qual regras
estapafúrdias são dadas como incontornáveis.

Você cita seu caso. Cito dois que me dizem respeito.

1. Antes da defesa de minha tese (em 1993), tive dois artigos aceitos para
publicação (em 1992) que não eram senão excertos da mesma. Foi meu
orientador quem me recomendou que os submetesse porque tê-los aprovados
seria mais uma razão para ter a tese aceita. Independentemente do espírito
do tempo, recomendo a meus orientandos que façam o mesmo.

2. Não faz muito tempo, tive duas resenhas aceitas por um periódico e
depois rejeitadas porque se descobriu que eu havia publicado as versões não
revisadas no site Academia.edu. O periódico, tive o cuidado de verificar
antes de postá-las, não estabelecia nenhuma restrição a esse tipo de
divulgação (muitos, inclusive, o estimulam textualmente), mas resolveu
considerar a postagem como publicação. Ao fazer essa alegação, obtive como
resposta que anteriormente outros artigos haviam sido recusados pelo mesmo
motivo e, portanto, seria injusto não recusar agora.

São três casos distintos:

1. Publicação de livro derivado de dissertação ou tese. Nesse caso, algumas
editoras exigem que o texto não tenha sido divulgado de nenhuma forma.
Logo, ou você suspende a divulgação em repositório com a justificativa de
futura publicação ou escolhe outra editora.

2. Publicação de artigo derivado da dissertação ou tese antes da aprovação
da mesma. Não há explicação razoável para interditá-la e, caso haja
interdição vigente, cito Lima Barreto: "Bendito sejam pois os juízes
frouxos que aplicaram frouxamente o atualmente execrável direito romano".

3. Publicação de artigo derivado da dissertação ou tese depois da aprovação
da mesma. Caso a publicação seja vetada em termos de autoplágio, argumente
com o editor e, se não surtir resultado, procure outro periódico e explique
de antemão o caso.

4. Caso de rejeição com base em postagem em plataforma de autoarquivamento
(nem todas as editoras reconhecem Academia.edu e Researchgate como tal, mas
esse é outro problema). O mesmo que em 3, acima.

É difícil encontrar uma boa editora para teses e dissertações, mas é menos
difícil encontrar bons periódicos com políticas de publicação razoáveis e
editores sensíveis.

Abraço,

Carlos


Le ven. 24 avr. 2020 à 23:01, Carlos Sandroni <carlos.sandroni em gmail.com> a
écrit :

Boa noite, gente,
>
> Em meio às fortes emoções da política e da saúde, e esperando que estejam
> todas e todos bem, gostaria de fazer uma pergunta sobre tema mais prosaico,
> o dos critérios de avaliação de artigos submetidos a periódicos acadêmicos.
>
> Um amigo e colega me conta que, tendo terminado sua tese de doutorado,
> resolveu, como é comum nestes casos, e com o estímulo do orientador,
> submeter artigo baseado em um dos capítulos para um  periódico de Música.
>
> Qual não foi sua surpresa, porém, ao ter o artigo recusado, não por
> considerações de qualidade, mas por obra e graça de um desses programas
> detectores automáticos de plágios, como Turnitin. O implacável detector,
> cumprindo sua função com zelo absoluto, detectou no artigo excesso de
> semelhanças com... a própria tese da qual o artigo foi extraído! A
> acusação, portanto, é que o autor do artigo estaria plagiando sua própria
> tese.
>
> Não sei vocês, mas eu confesso que nunca tinha ouvido falar disso. Até
> porque minha dissertação de mestrado virou um livro 90% igual a ela, e
> minha tese de doutorado virou um livro 75% igual a ela; e algumas partes
> que sobraram do doutorado viraram artigos também, cheios destes supostos
> plágios que, para minha sorte, Turnitin nenhum ainda descobriu.
>
> Pelo contrário, eu até agora pensava que plágios assim eram muito bem
> vindos, sendo até indicados para teses boas ("Aprovado com recomendação de
> publicação!"). Receberam também um famoso estímulo por parte de Umberto
> Eco, na conclusão daquele livrinho *Como se faz uma tese* (São Paulo:
> Perspectiva, 1977, p.169-170): "...a tese é como um porco: nada se
> desperdiça (...) Como primeira utilização você extrairá dela um ou vários
> artigos científicos (...)".
>
> Compartilho com vocês minha perplexidade, e aguardo algum consolo, se
> possível.
> Abraços,
> Carlos
>

-- 
carlos palombini, ph.d. (dunelm)
professor de musicologia ufmg
professor permanente ppgm-unirio


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