[ANPPOM-L] En:Mais uma orquestra que se vai

José Nunes jonufer em iis.com.br
Qui Abr 27 17:45:38 BRT 2006


----- Original Message ----- 
From: Edino Krieger 
To: ana de hollanda ; Conservatório Brasileiro de Música ; Sarau Agencia de Cultura ; comus em funarte.gov.br ; Pro Arte ; Herminio Bello de Carvalho 
Sent: Wednesday, April 26, 2006 2:17 PM
Subject: CARTA ABERTA A NOCA DA PORTELA


Um forte abraço a todos os amigos
Edino
 CARTA ABERTA A NOCA DA PORTELA 

Prezado Noca 

Permito-me o tratamento informal porque no momento em que lhe escrevo já não sou seu subordinado, mas apenas um colega músico, embora militando em outra vertente da criação musical. 

Confesso que fiquei perplexo ao tomar conhecimento de minha demissão pelo jornal. Penso que o meu passado de trabalho em todas as instituições pelas quais passei mereceria um tratamento menos indigno - como de resto qualquer subordinado. 

Não discuto o seu direito de substituir qualquer ocupante de cargos de confiança de sua Secretaria, tanto que coloquei o meu à sua disposição tão logo soube de sua nomeação. Mas não aceito a forma grosseira com que isso foi feito. E nem posso levar em consideração as desculpas que me apresentou por telefone (depois de reações e críticas que recebeu em sua própria Secretaria) de que a notícia "vazou" para a imprensa antes da hora, porque você sabe tão bem quanto eu QUEM ligou para a coluna do jornal passando a informação. 

Perplexo também fiquei porque essa medida desmentia a sua própria afirmação, na cerimônia de sua posse, de que todos ficassem tranqüilos porque não haveria mudanças nas equipes competentemente formadas por seu antecessor e que, segundo suas palavras, estavam tendo um excelente desempenho, pois, segundo afirmou, "como em campeonato de futebol, em equipe que está vencendo não se mexe". Você disse uma coisa e fez outra - o que não significa que palavra de sambista não mereça crédito, mesmo porque eu jamais duvidaria da palavra de amigos portelenses como Monarco (com quem tive o prazer de conviver e até mesmo oportunidade de escrever na pauta musical, a seu pedido, um e outro samba de sua autoria, quando éramos colegas no JB), ou o grande Paulinho da Viola, exemplo de talento e de caráter, ou ainda do salgueirense Haroldo Costa, doutor em samba e carnaval. Tampouco duvidaria da palavra de meu pai, chorão e sambista em sua juventude, e nem dos meus dois filhos profissionais do samba e da MPB, e que também são exemplos de retidão e caráter. Considero, portanto, o seu ato como de responsabilidade estritamente pessoal, não obstante as justificativas que me apresentou por telefone, de que obedecia a "injunções de natureza política" - certamente não da maiúscula Política Cultural, mas da minúscula política do apadrinhamento, do interesse pessoal e do corporativismo. Lamento que uma Secretaria como a de Cultura, para mim a mais importante não por seu minguado orçamento, mas por sua abrangência e significação no contexto da Sociedade, possa estar à mercê desse tipo de política. 

Finalmente, quero confessar que me entristece ser atropelado em meio a um trabalho amplamente reconhecido de modernização do MIS, e que vem sendo realizado graças não aos recursos orçamentários, diminuídos em quase 50% nos últimos dois anos, mas ao aporte financeiro de instituições de apoio à cultura como a Petrobras, que investiu mais de um milhão em projetos de recuperação da sede da Lapa (com o apoio do INEPAC) e de digitalização de partituras e acetatos históricos da Rádio Nacional - recursos captados diretamente ou através de parcerias - e a Fundação Vitae de São Paulo, que possibilitou o restauro e a digitalização de mais de uma centena de negativos panorâmicos da Coleção Augusto Malta. Aliás, no mesmo dia em que saía a notícia de minha demissão na coluna de Ancelmo Góis, o Diário Oficial do Estado publicava a liberação, pela Petrobras, de um recurso suplementar de R$80.000,00, por nós solicitado para completar a reforma também dos espaços internos da sede da Lapa. 

Com esses recursos, aplicados rigorosamente, cada centavo, na execução dos projetos a que se destinavam, foi possível adquirir dezenas de equipamentos, criar estações de digitalização de acervos, promover o tratamento e a transferência para suporte digital de 20 mil partituras e mais de uma centena de acetatos cujos originais corriam o risco de se perder pela ação deletéria do tempo e do manuseio direto. E em parceria com o Instituto Jacob do Bandolim, centenas de gravações históricas desse grande músico foram restauradas e digitalizadas. 

Para dar continuidade a esse trabalho, uma equipe de funcionários recebeu orientação técnica de profissionais da área, de modo a permitir que, a médio prazo, todo o acervo do mais importante centro de memória audiovisual do país possa ser digitalizado e assim preservado definitivamente. 

Todo esse trabalho tem sido realizado com carinho, dedicação e persistência pela pequena, mas valiosa, equipe de museólogas, técnicos e estagiários, além de técnicos terceirizados, especialmente contratados com recursos dos próprios projetos. O espírito de equipe prevaleceu durante toda a gestão da administração que agora se despede, e que sai com a consciência tranqüila pela certeza de haver dado o melhor de si num trabalho voltado exclusivamente para os interesses da instituição. 

Ao deixar a FMIS, acredito ter cumprido o compromisso que assumi ao ser convidado pela então Secretária Helena Severo, de priorizar o tratamento e a preservação do acervo, que representa a própria razão de ser da instituição. 

Fundamental, para o cumprimento dessa tarefa apenas iniciada, foram a competência e a dedicação das museólogas responsáveis pelas diversas coleções e da Gerência de Acervos, a seriedade, firmeza e determinação da Diretoria Administrativa e Financeira e sua equipe de apoio, e a total dedicação, inteligência e capacidade de planejamento e execução da Vice-Presidência. 

É toda essa estrutura, em pleno funcionamento não obstante as muitas limitações e dificuldades, que agora se desmonta - e oxalá isso não comprometa o projeto de modernização de que a instituição necessita para sua própria sobrevivência. No sonho, ficam também outros projetos que não foram realizados por falta de recursos e condições, como a restauração da sede histórica da Praça XV, a recuperação do Cine MIS e a digitalização de todo o acervo da extraordinária coleção de Depoimentos para a Posteridade (projeto recentemente encaminhado à CAIXA para apoio financeiro e em fase de análise), a formação de uma coleção de Instrumentos Musicais Brasileiros, para reunir, numa mostra permanente de caráter didático e musicológico, todos os instrumentos utilizados em manifestações populares de todo o país, a realização de exposições temporárias e permanentes uma vez concluída a reforma da sede histórica, a implantação de um Plano de Cargos e Salários, a organização de uma Associação de Amigos e a retomada dos depoimentos e das edições gráficas e fonográficas para divulgação do acervo. Projetos que, esperamos, possam ser realizados pelas próximas administrações. 

Por último, assinalo, por curioso, o fato de que um músico, que talvez exerça pela primeira vez uma função administrativa, tenha feito de seu primeiro ato a destituição de outro músico, sem se preocupar em conhecer o seu trabalho e sem aviso prévio. Como disse um dos meus filhos, "o Noca desafinou... na ética". 

Formulo, apesar de tudo, os melhores e mais sinceros votos para que sua gestão não se paute por ações como essa, mas que atenda efetivamente aos reais interesses da Cultura em todas as suas vertentes. 

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2006 

Edino Krieger 
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