[ANPPOM-L] Re: DEFASAGEM

Jorge Antunes antunes em unb.br
Ter Dez 12 12:04:44 BRST 2006


Caro Farlley:

Acho importante que nós, esclarecidos, não caiamos na tentação de olhar apenas as superfícies, sem uso da perspicácia e sensibilidade política.
Está em curso, no mundo, carregado pela ideologia do neoliberalismo, um processo de dominação capitaneado pelos USA, pelo Banco Mundial, pelo BIRD e pelo FMI.
O objetivo é o seguinte: as grandes potências terão o monopólio da pesquisa, produzindo saberes, para que países subdesenvolvidos ou "em desenvolvimento" sejam apenas mercado, com cidadãos consumidores.
O sucateamento das Universidades públicas faz parte dessa estratégia. A escassez cada vez maior de verbas para pesquisa, também. A banalização do processo cultural, também. A mediocrização generalizada, também.
O astronauta brasileiro, que fez turismo espacial, fez parte desse processo: não existe verba para a pesquisa espacial brasileira, mas houve dinheiro para o passeio sideral.
Onde você vê arrogância existe, no âmago, a visão crítica desse processo, que deve ser denunciado e combatido. O governo ao invés de injetar verbas nas Universidade Federais, prefere isentar, de impostos, os empresários da educação, em troca de bolsas de estudo. A educação como mercadoria é a meta. Esse é o Prouni. Isso faz parte da estratégia dos donos do planeta Terra, de que falei acima, com objetivos claros: precarizar o ensino, formar robôs-humanos consumidores, lavar cérebros jovens que têm tendência à inquietação, à busca e ao questionamento, desenvolver na juventude habilidades específicas.
Para essa gente, é importante formar gente capaz de "fazer" e "operar". Intelectos questionadores são perigosos. Para os donos do poder é perigoso inventar, perguntar, questionar, criar, pesquisar, inovar, ...
A iniciativa privada inventa, no mesmo processo, cursos de curta duração para construir operários das novas tecnologias importadas das grandes potências.
Abraço,
Jorge Antunes




Farlley wrote:

>  Bom dia a todos, gostaria de oferecer uma visão ao que se vem falando nesta plenária sobre "performance", "performer", "intérprete", "interpretação". Meu nome é Farlley Derze. Derze é sobre nome de família, meu avô era mulçumano, libanês, eu não tenho vínculo algum com nenhuma ideologia "religiosa salvadora"; o nome Farlley é apenas porque minha mãe tinha como fã o ator Farlley Granger, ela tinha 19 anos na época, nasceu e cresceu em Xapuri-AC. Nomes são heranças ou invenções, quando os inventamos para outras finalidades. Mas tudo isso para informar aos amigos que não se trata de um estrangeiro falando, sou brasileiro, como seria libanês, iraniano, grego, argelino, embora ter nascido em determinado lugar parece ser o critério sumário para aplicar um valor, melhor ou pior,  a outro povo, suas tradições, suas crenças. Toco piano desde os 7, tenho 44. Quando eu comecei a tocar piano (desculpem a falta de rigor acadêmico ao tentar me comunicar) lembro apenas de no início perceber uma coincidência que aos poucos foi se cristalizando: cada vez que eu apertava na mesma tecla, saía o mesmo som, e aquele som tinha na partitura o mesmo desenho. Já não se pode dizer o mesmo com a evolução dos sintetizadores (instrumentos que abracei nos anos 80, sem abandonar o piano), pois há certos timbres que quando se aperta a mesma tecla, digamos, 12 vezes, cada ocorrência produz uma alteração do timbre, e fica aqui a minha dúvida como é que se poderia grafar aqueles sons. Se se estiver considerando os sintetizadores como "tecnologia de audio", de qual tipo o "ler música" se estaria falando? Vou correr o risco de acreditar que as palavras de Jorge Antunes "picaretagem" se refira a um exemplo similar ao que tentei expor relacionado ao "ler música". E enquanto eu crescia tocando piano, lidando com tantas coincidências entre gestos, teclas e símbolos, sequer imaginava que poderia estar atuando como "intérprete" ou fazendo uma performance. Eu apenas acreditava no que meus pais diziam, "o Farlley já está tocando a Valsinha da vovó". Meus pais não são acadêmicos, sequer possuem curso superior, seja de longa ou curta duração, eram apenas pais orgulhosos por ter um filho fazendo algo diferente do que faziam em Xapuri na década de 50, ou simplesmente, porque se podia chamar de música aquilo que ouviam. Mais tarde fui parar dentro da Faculdade de Música e lá dentro conhecer inúmeras terminologias. Na época eu já tinha composto algumas músicas, mas ao me deparar com o CURSO BACHARELADO, CURSO DE COMPOSIÇÃO, fiquei até com medo de mostrar minhas composições pois eu não havia feito um Curso Superior, de COMPOSIÇÃO. Eu tinha 23 anos.Hoje percebi que não há correspondência entre MÚSICA ou SONS e as palavras que pretendem "dizer" sobre tais eventos. Há, a meu ver, uma arrogância. A arrogância das palavras ou a arrogância dos "saberes" ou a arrogância dos "diplomas" para validar uma ação que em sua infância era apenas "som" ou "música". Entendi que as palavras do Silvio "Enqto discutimos feito tontos se somos performers ou interpretes"  possa ser um resultado da defasagem entre "o fato" e "o que se diz sobre o fato" , cuja incomprrensão não justificaria invalidar ou ridicularizar a discussão daqueles que tentam chegar a um entendimento sobre os nomes que herdaram de seus avós. A prole linguística, e suas variações "morfogenéticosemânticas" já batizaram o "apertar de algumas teclas", fazendo circular terminologias como "percepção auditiva", "ler música", etc. Ou ainda, fazendo circular saberes de uns na contramão de saberes de outros. Parece que se lida com a prática alheia como se o outro fizesse parte do "ranking" de onde se está situado. Seria então outra defasagem, a meu ver: validar o trabalho do outro a partir dos valores cultivados no âmbito do seu. Possivelmente o Curso de Curta Duração esteja adequado às exatas teclas que pretendem apertar no teclado do mercado, diferentemente de um Curso Superior de Longa Duração que pretendem apertar outras teclas, ou até as mesmas, mas em outra tonalidade e com outra finalidade. Estou tentando ser prudente e não cair na armadilha de julgar um Curso do qual não faço parte, onde se lida, possivelmente, com outros saberes, embora se façam circular as terminologias batizadas e outorgadas pelo meio acadêmico como "percepção auditiva" (talvez meus pais não tivessem a percepção auditiva quando ouviam a Valsinha da vovó) e outras terminologias herdadas de um "mundo sabido anterior e superior pós-atlântico", de modo que o Silvio parece ter detectado a dificuldade do nosso meio acadêmico em lidar com a transição dos significados dos termos, tanto quanto Jorge Antunes parece haver detectado a dificuldade em se aceitar uma tal "universidade anhembi-morumbi", como talvez seja difícil a Sorbonne aceitar uma tal "universidade federal brasileira", tanto quanto os sacerdotes cristãos da Idade Média em aceitar uns tais Galileus e Galileis quando se inventou algo diferente do "saber hegemônico". Enfim, de defasagem em defasagem, de arrogância em arrogância, uns querem validar outros a partir de "seus" próprios valores (aposto que herdaram dos avós), instituições pretendem validar instituições à distância. Assim, entre a interpretação e a performance, entre os altares das tradições e os tombos da modernidade, paira a Santa Virgem da Defasagem Semântica entre o mundo que se escolheu e o mundo que se estica fora de si, entre a tecla do piano e a tecla do sintetizador, entre o nome que você escolhe para o seu filho ou aquele que precisa perpetuar por causa do avô. Nomes são heranças ou invenções, quando os inventamos para outras finalidades. O mesmo deve valer para as idéias. Farlley Derze  ----- Original Message -----
>
>      From: Jorge Antunes
>      To: silvio ; anppom-l em iar.unicamp.br
>      Sent: Monday, December 11, 2006 12:38 PM
>      Subject: Re: [ANPPOM-L] para curtir
>       Querido Silvio:
>
>      Quê que é isso?
>      Não confunda "passo massacrante" com "picaretagem"!!!
>      Lamento você estar ajudando a divulgar essa coisa, dessa tal "universidade anhembi-morumbi".
>      O texto fala em um curso 'superior' de CURTA DURAÇÃO, que promete:
>      "você será capaz de conjugar o domínio do instrumental tecnológico com o conhecimento musical necessário para essa atividade, sabendo ler música, com uma perpepção auditiva consciente para cumprir suas funções adequadamente."
>      O mais engraçado, na propaganda desse curso superior de curta duração, é que eles destacam com negrito as expressões: "ler música" e percepção auditiva".
>      Abraço,
>      Jorge Antunes
>
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo em HTML foi limpo...
URL: <http://www.listas.unicamp.br/pipermail/anppom-l/attachments/20061212/f6f74bf3/attachment.html>


Mais detalhes sobre a lista de discussão Anppom-L