[ANPPOM-L] e a inclusão universitária?

Jorge Antunes antunes em unb.br
Qua Dez 20 22:11:57 BRST 2006


Caros Farlley e Wolff:

Gostaria de esclarecer alguns pontos de meu pensamento.
O Wollf diz:
"Portanto, se quisermos continuar fiéis ao ideário socialista, é preciso refletir sobre os motivos pelos quais alguns saberes têm estado na universidade, ocupando uma posição privilegiada e outros ainda "não podem estar"... por que não o rock? ou a música sertaneja ou o jazz/ blues? ou a música de outros povos (africanos. japoneses, indianos, balineses)? e por que não os saberes do seu Teodoro e de outros tantos mestres?"

Não acho que ocupa posição privilegiada o saber que está na Universidade.
A música eletroacústica está na Universidade e não tem qualquer privilégio. O mesmo acontece com o piano, o violino, a composição musical, etc. Estes cursos não têm qualquer privilério na sociedade.
O quê é privilégio?
O teclado Yamaha tem mais privilégios que o piano de cauda.
O compositor de música popular tem mais privilégios que o de música erudita.
Acho que privilegiados estão o rock, o funk, a música "sertaneja" comercial que, graças ao jabá pago por multinacionais do disco, estão no rádio, na TV, nas prateleiras das lojas de disco, no Domingão do Faustão, nas novelas, na boca do povo, no Programa do Gugu, etc.
Quando me digo socialista, não estou dizendo que sonho com um futuro em que todos os saberes estarão na Universidade.
É infantilidade pretender formar brincantes ou compositores de maracatu na Universidade. O máximo que se deve fazer, e isso já se faz, é estudar o maracatu em disciplinas tais como etnomusicologia, folclore, dança, sociologia, culturas de tradição oral, etc.
O lema socialista que adoto é: "De cada um conforme suas capacidades, para cada um conforme suas necessidades".
Sonho com um futuro em que todos os trabalhadores, sejam eles compositores, camponeses, cientistas, repentistas, brincantes, artistas circenses, comerciários, lixeiros, poetas, economistas, sociólogos, pianistas, etc, façam seus trabalhos com prazer, qualidade e amor, sendo igualmente remunerados de modo a terem, todos, vidas dignas.
É só isso.
Não dá para formar roqueiros na Universidade. Dá, sim, para oferecer ao jovem que se interessa pelo rock, ou pelo samba, ou pelo chorinho, ou pela música eletrônica pop, um bom período de vida acadêmica na Universidade, para que ele, ao final, faça a arte de que gosta, munido de um lastro de conhecimentos vasto para produzir arte de qualidade.
Tenho exemplos paradigmais dessa experiência. Cito um: Hamilton de Holanda. Este gênio do bandolim e do chorinho foi meu aluno na UnB. Formou-se em composição musical. Fez comigo os três semestres de contraponto. No total trabalhou seriamente as cinco espécies a quatro vozes, o misto, o contraponto a dois coros (oito vozes) e a fuga. Ele concluiu a fuga com magnífico trabalho: uma fuga-choro. Outro exemplo: Roberto Corrêa. Este fez Física e, em seguida, composição musical. Hoje é compositor virtuose da viola caipira e pesquisador importante de nosso folclore.
É preciso que os saberes de tradição oral, continuem com tradição oral.
Nos anos 40 e 50 alguns folcloristas equivocados e, por isso, criminosos, chegaram ao ponto de passar para o papel pautado, com notinhas do sistema tonal, "melodias" dos pregões de rua, de aboios, etc. Essa conta de chegar acadêmica e erudita foi criminosa, porque a escrita mata os melismas, os quartos de tom, os sextos de tom, que aqueles cantos têm.
Por enquanto basta.
Continuemos com nossas reflexões e troca de idéias. Nada é definitivo em minha cabeça. Não sou dono da verdade.
Abraço,
Jorge Antunes







Farlley Jorge Derze wrote:

> Prezado colegas, na garupa de Wolff e Antunes, complementaria sobre o foi
> colocado:
>
> "Portanto, se quisermos continuar fiéis ao ideário socialista, é preciso
> refletir sobre os motivos pelos quais alguns saberes têm estado na
> universidade, ocupando uma posição privilegiada e outros ainda "não podem
> estar"... por que não o rock? ou a música sertaneja ou o jazz/ blues? ou a
> música de outros povos (africanos. japoneses, indianos, balineses)? e por que
> não os saberes do seu Teodoro e de outros tantos mestres?"
>
> ... conforme a preocupação trazida, o desafio talvez resida em ter que se lidar
> com a raiz histórica de como os currículos foram construídos e consolidados na
> grade universitária, isto é, no que tange às razões de estarem lá estes ou
> aqueles conteúdos. Entretanto, o processo de consolidação parece ter se
> resultado no que poderiamos considerar como "uma sistematização" da prática
> ensino/aprendizagem universitária, e o que isso abarca: avaliação, menções,
> resultados, critérios "x", "y", "z"... assim, que
> saberes/conhecimentos/critérios poderiam ser considerados em um "processo de
> sistematização do conhecimento" sobre rock,jazz, música de outros povos, para
> que tais conhecimentos transitem ou se figurem na prática docente/discente
> universitária? Não pergunto como se estivesse questionando o valor da inserção
> de tais saberes na "grade" universitária. Longe disso ! Pergunto com o tom de
> preocupação de quem não conseguiu localizar uma referência anterior que pudesse
> oferecer um caminho para que o ideário socialista que Antunes coloca, se
> desenvolvesse, se consolidasse. Salvo falha em minha interpretação, uma
> Universidade aberta a todos (pessoas/gêneros musicais) sem abdicar de sua
> função crítica !
>
> Percebo, neste espaço de discussões, que estamos tentando remover os obstáculos
> que limitam, provisoriamente, o alcance de um consenso em favor da inserção do
> patrimônio musical acumulado, na Universidade.
>
> As argumentações que estamos negociando, Wolff, Antunes, Silvio, Sekeff,
> Mannis, Mauricio, Palombini, Marcos Filhos, Lilia Rosa, onde ora a nota (o som)
> vem em uníssono, ora vem em “cluster”, é o azeite da maquinaria crítica e
> questionadora, que promove o crescimento individual pela mútua participação de
> todos. Eu tenho crescido muito com a oportunidade de negociar/trocar/tocar com
> todos vocês.
>
> Farlley Derze
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