Re: [ANPPOM-L] música popular e música folclórica

Rubens Ricciardi rrrr em usp.br
Ter Dez 26 00:15:47 BRST 2006


caros colegas da ANPPOM,

caro prof. Wolff, agradeço a atenção para com meu e-mail e retribuo aqui a gentileza...

no lugar de aceitarmos passivamente a velha metafísica positivista do "non-western world" (expressão que talvez até contenha algum preconceito em relação ao "outro inferior"), talvez seja melhor pensarmos que "todo ser humano tem o direito de se considerar descendente da tragédia grega"...

não entendi bem o que o professor Wolff pretendia em relação ao xadrez, pois se trata de um jogo inteligente, onde as peças podem ser movidas com uma dinâmica surpreendente...

jamais me referi ao conceito de universo musical (erudito, popular, entretenimento etc.) como estanco categorial, muito pelo contrário, qualquer atividade humana sempre contempla delimitações imprecisas de fronteiras, e, acima de tudo, a dinâmica da vida é sempre capaz de gerar transformações, interfaces, caminhos os mais diversos...

mas temos aí sim ofícios diversos (e essencialmente diversos!) na profissão do músico, vamos dar exemplos: Gilberto Mendes é um compositor erudito, Chico Buarque é um cancionista popular (talvez o último sobrevivente do gênero em nosso país) e o MC Serginho (citado pelo Prof. Jorge Antunes) só se viabiliza como fonograma descartável da indústria cultural...

pra música erudita esta discussão pouco importa, pois o processo criativo deste universo é centrado na grafia musical e não no fonograma, e, graças hoje à universidade pública, sua sobrevivência como ofício independe do agressivo marketing da indústria cultural - mas as manifestações de música popular no Brasil, por certo, vêm sendo prejudicadas, ainda mais quando confundidas com atividades de grupos brasileiros que fazem rock, funk, pop-music, techno-music, hip-hop, rap, djs em festas rave, disco-music etc, pois todos estes gêneros, por mais diversos que sejam, estão inseridos num mesmo universo que pouco tem a ver com a música popular - lembrando que universo musical é um conceito maior que gênero, forma, estilo ou escola),

o prof. Wolff afirma que muitas músicas identificadas com tradições musicais de um grupo / comunidade foram/ tem sido disseminadas por meio de comunicação de massa...

é claro que sim, principalmente se nos referimos às comunidades dos países proprietários dos satélites e da indústria cultural multinacional (como os EUA)... até as comunidades dos outros países (como o Brasil) reproduzem a mesma "poética musical" deles, fidelidade esta suicida como manifestação de cultura própria, pois aí já não há mais justamente a gestualidade musical própria, e sem esta imprescindível essência de singularidade musical (pois os exemplares são semelhantes em todo o mundo) nos interessa talvez menos como estudo de criação artística, e quem sabe mais como assunto de sociologia (as letras até podem expressar algum anseio comunitário local, mas a estética como um todo sempre já se consumiu como processo de colonização cultural)...

e em relação à última frase do Prof. Wolff:

afinal estamos num mundo pós-moderno e pós-colonial!

eu pergunto: quem afirmou que concepções pós-modernas nos processos de criação artística correspondem a uma situação político-econômica não colonialista?

perdão, mas tal redução categorial está à altura da Abertura do Bispo!...

feliz natal a todos,

Rubens Ricciardi


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meus caros colegas da ANPPOM,

segue um texto abaixo que publiquei na Gazeta de Ribeirão há alguns meses, eu procuro levantar o problema da confusão que se faz entre o universo musical popular e o que poderíamos talvez chamar provisoriamente de universo de entretenimento (o que os alemães já há muito tempo chamam de "Unterhaltungsmusik", pois a Volksmusik deles já morreu há mais de 100 anos, mas como a nossa só está morrendo agora, ainda não lidamos bem com a situação),

abraços a todos e feliz 2007!

Rubens Ricciardi - USP de Ribeirão Preto

Os dois filhos de Francisco e o filho de Francisco

 

Prof. Rubens Ricciardi (ECA-USP)

 

Recordemos dois fatos musicais de 2005: o filme Os dois filhos de Francisco e o concerto do violinista Luiz Filipe Coelho, solista da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. O que há de comum entre eles? Não só os cantores do filme como Luiz Filipe também é filho de um Francisco (seu pai se chama Chico Coelho). E as afinidades param por aí. O filme foi divulgado pelos meios de comunicação, obtendo platéias repletas nos cinemas não só de Ribeirão como de todo o Brasil. Já a repercussão do concerto de Luiz Filipe - ele interpretou magistralmente o Concerto para violino de Brahms - restringiu-se ao privilegiado público presente ao Theatro Pedro II naquela bela noite. Mas será que o abismo entre os níveis quantitativos de recepção da performance de Luiz Filipe e da dupla (sei lá o que, "sertaneja"?) retrata de fato a relevância artística de ambos? Digamos que há uma distorção evidente. Só analisando o fenômeno ideológico - distorção por excelência - é que entenderemos o paradoxo. Trata-se de uma entre as mais agressivas ideologias: a indústria cultural e sua comercialização de fonogramas descartáveis. É o assim chamado "universo musical de entretenimento". Não é a criatividade deste ou daquele "artista" - eis o engodo do filme! - que movimenta esta indústria, mas sim o marketing, calculando-se previamente as vendas e a renovação dos "produtos". Daí a condição de efemeridade ser também essencial ao sucesso comercial desta indústria. Hanns Eisler (1898-1962), compositor alemão, afirmava que "a indústria de entretenimento faz de povos de todos os continentes verdadeiros analfabetos musicais". Há muita verdade nisso. No Brasil, a distorção se torna ainda maior, pois se confunde ainda "entretenimento" com "popular". A essência da nossa já há muito moribunda música popular era outra. Lembremos do frevo, maracatu, samba, samba-canção, samba-enredo de carnaval, ponteio, chorinho, bossa-nova, moda de viola, das velhas duplas caipiras etc. Ao contrário de Pixinguinha, Noel Rosa, Tom Jobim ou Chico Buarque, repertórios iguais a destes filhos de Francisco existem em qualquer parte do mundo, do México à Austrália. São produtos ilustrados com eventuais simulacros locais - basta lembrarmos das paisagens de Goiás com cenas rurais típicas no filme. Aliás, faz parte deste marketing difundir gêneros como o rock, funk, hip-hop ou rap, impreterivelmente produzidos por indústrias multinacionais que aniquilam as manifestações verdadeiramente populares em todos os países, mas estrategicamente lançados no idioma local, por "artistas" locais. E, por fim, o jabá vai garantindo a homogeneidade do entretenimento irracional nas rádios: uma verdadeira paródia corrupta de um coletivismo nivelado por baixo. Sérgio Rouanet esclarece a questão: "a inteligência não tem pátria, mas a debilidade mental deveria ter - é ela, e não a inteligência, que deve ser considerada estrangeira, mesmo que suas credenciais de brasilidade sejam indiscutíveis". É por isso que o Brahms de Luiz Filipe é tão relevante para o Brasil como se tivesse nascido em Pirenópolis, e Zezé de Camargo e Luciano são tão irrelevantes como se tivessem nascido no Pólo Sul. Mas ainda são estes filhos de Francisco (exemplos do kitsch e lixo industrial da cultura de massa) que fazem sucesso. E o outro filho do outro Francisco, Luiz Filipe, músico de talento raro, não foi motivo para notícia, quase passou desapercebido, não obstante sua superior virtuosidade e competência, intérprete de uma grande arte que fundamenta a história.


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  ----- Original Message ----- 
  From: Marcus S. WOLFF 
  To: palombini em terra.com.br ; anppom-l em iar.unicamp.br 
  Sent: Friday, December 22, 2006 11:41 PM
  Subject: Re: [ANPPOM-L] música popular e música folclórica



      Prezados(as) colegas, 

     Apenas gostaria de lembrar que para Peter Manuel, por ex. (Popular Musics of Non-Western World. New York/ Oxford, Oxford University Press, 1988) essa distinção entre o folclórico e o popular (que o próprio Bruno Nettl procurou estabelecer seguindo uima longa tradição de etnomusicólogos e folcloristas) gera muitas ambigüidades que "deveriam nos lembrar que aquelas categorias genéricas nao são fechadas, sendo em alguma medida também arbitrárias" (Manuel 1988:4). 

    Portanto, acho que as coisas já nao podem mais ser pensadas como num jogo de xadrez, como parecece que o colega R. Riccardi está colocando...muitas músicas identificadas com tradições musicais de um grupo / comunidade foram/ tem sido disseminadas por meio de comunicação de massa...afinal estamos num mundo pós-moderno e pós-colonial!

  abraços,

  Marcus  Wolff.



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    From:  "palombini" <palombini em terra.com.br>
    To:  "anppom-l" <anppom-l em iar.unicamp.br>
    Subject:  Re: [ANPPOM-L] e a inclusão universitária?
    Date:  Fri, 22 Dec 2006 18:48:37 -0300




    Esta distinção é uma das metanarrativas modernistas, mas sua aceitação, hoje, não é generalizada (felizmente).


         De:  "Rubens Ricciardi" rrrr em usp.br 

         Para:  "carlos palombini" palombini em terra.com.br,"anppom-l" anppom-l em iar.unicamp.br 

         Cópia:   

         Data:  Thu, 21 Dec 2006 16:04:56 -0200 

         Assunto:  Re: [ANPPOM-L] e a inclusão universitária? 

    > meus caros,
    > chamo a atenção para a insistente
    > confusão que se faz entre "música popular" (identificada com tradições de um 
    > determinado povo ou comunidade) e "entretenimento" (caráter efêmero dos 
    > fonogramas descartáveis da indústria cultural ou de qualquer produção 
    > articulada a ela - afinal, pirataria - ou qualquer produção de fundo de 
    > quintal - e produto multinacional são dois lados de uma mesma moeda),
    > Rubens Ricciardi
    > 
    > ----- Original Message ----- 
    > From: "carlos palombini" 
    > To: "anppom-l" 
    > Sent: Thursday, December 21, 2006 3:12 PM
    > Subject: Re: [ANPPOM-L] e a inclusão universitária?
    > 
    > 
    > >
    > >> Acho que privilegiados estão o rock, o funk, a música "sertaneja" 
    > >> comercial que, graças ao jabá pago por
    > > multinacionais do disco, estão no rádio, na TV, nas prateleiras das lojas 
    > > de disco, no Domingão do Faustão, nas
    > > novelas, na boca do povo, no Programa do Gugu, etc.
    > >
    > > O funk carioca patrocinado pelas multimacionais do disco? Nas prateleiras 
    > > das lojas de disco? Tenho a impressão
    > > de que vc não está muito bem informado sobre os processos de produção e 
    > > divulgação da música popular.
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