[ANPPOM-L] RES: Plágio

Heloísa e Wagner Valente whvalent em terra.com.br
Qui Dez 13 11:45:14 BRST 2007


Caro Professor e Maestro,

 

Gostei de ler sua sábia argumentação, bastante esclarecedora. No entanto,
se me permite, gostaria de colocar alguns ‘adendos’ que, espero, não tome
como reprovação ou provocação...  É que fiquei bastante incomodada com a
falta da menção, por sua parte, de algumas exceções que considero
importantes.

 

-----Mensagem original-----
De: anppom-l-bounces em iar.unicamp.br
[mailto:anppom-l-bounces em iar.unicamp.br] Em nome de Jorge Antunes
Enviada em: terça-feira, 11 de dezembro de 2007 12:52
Para: Marcia Taborda; anppom-l em iar.unicamp.br
Assunto: Re: [ANPPOM-L] Plágio

 

Cara Márcia: 

Sou do tempo em que as titulações (mestrado e doutorado) não resultavam em
aumentos salariais ou outras vantagens.

[Heloísa] Primeiramente, lamento muito em lembrar que, em grande medida,
muitos profissionais altamente qualificados vêm sendo dispensados no
emprego, em estabelecimentos públicos, justamente em virtude da sua
titulação, na verdade uma situação “privilegiada”... em termos!  Tornam-se
‘onerosos’ financeiramente e acabam sendo substituídos por outros ‘de custo
inferior’, de acordo com os critérios empresariais (e não acadêmicos).

 
Fiz meu doutorado em 1976. Salvo engano, foi o primeiro doutoramento em
música de brasileiro. Logo em seguida o José Maria Neves terminou o dele.
Na época nem existiam bolsas do CNPq. Ambos fizemos tudo com bolsas do
governo francês. Quando voltei à UnB e mostrei minha tese de 664 páginas
(Son nouveau, nouvelle notation) ao chefe do departamento (Moisés Mandel),
ele me disse: -Pra que serve isso? Tem gente pra tudo! 



 

Naquela época os jovens pesquisadores tinham um projeto de pesquisa, uma
tese a ser demonstrada, e então buscavam, como saída para a ansiedade de
desenvolver o trabalho, o mestrado e o doutorado. 

[Heloísa] Acredito que isso ainda ocorra e, modestamente, incluo-me nesse
grupo.


Depois que surgiram os aumentos salariais para os que têm titulações, e a
obrigatoriedade destas para o ingresso na carreira acadêmica, começou a
busca desenfreada, às vezes cega e irresponsável, de se fazer um mestrado e
um doutorado a todo custo.

[Heloísa] Reitero o que menciono no início e acrescento: cada vez se exigem
mais títulos porque a escolarização básica não vem sendo suficiente, assim
como a graduação. A má formação profissional exige a contrapartida das
pencas de cursos complementares. (Será que, em virtude disso, teremos um
dia algo semelhante à prova da OAB, em todos os níveis?)

 
Começou então uma nova fase, bem surrealista. O graduado mete na cabeça que
tem que fazer o mestrado e o doutorado de qualquer maneira. Não importa em
qual área. Não importa em qual tema. 
Resumindo, antigamente tinha-se uma idéia, um tema, um projeto de tese, e
buscava-se o curso pós-graduado na área do tema, com o orientador
especialista. 

[Heloísa] Somente lhe pediria a bondade de não ser extremo. Essa não é a
regra geral. Hoje também há muitas pessoas nessa mesma situação...


Hoje, começa-se com a peculiaridade de não se ter idéia alguma, projeto
nenhum. Busca-se um orientador. Alinhava-se um projeto, com conteúdo que se
encaixe no curso, que se encaixe no perfil do orientador desejado. 

[Heloísa] Uma grande parte das instituições exige a apresentação de um
pré-projeto como condição para candidatar-s a uma vaga. Outra coisa a se
acrescentar é que muitas das disciplinas oferecidas não atendem às
necessidades do projeto. Não são poucos os pós-graduandos que não têm outra
alternativa senão optar pelas disciplinas que têm à disposição. Assim, o
estudante tem de cursá-las, apenas para dar conta do programa essencial
exigido. Sobretudo no mestrado, que deve ser concluído em dois anos, não há
tempo para esperar o oferecimento de uma disciplina que venha contribuir
para o desenvolvimento do trabalho final .

Ao se entrar no curso, muda-se o projeto.

[Heloísa] Mudar o projeto também pode ser resultado de uma reflexão mais
apurada, de um amadurecimento no trabalho, no qual o orientador pode estar
colaborando lucidamente.

 
A busca desesperada da titulação faz com que, por exemplo, ao invés de
fazerem doutorado em Música, músicos façam doutorado em Sociologia,
Antropologia, Arquitetura e outras áreas. 

[Heloísa]  O fato de buscar outras áreas do conhecimento ou especialidades
também pode se dever ao fato de que os cursos de música não contemplem o
projeto de pesquisa do pós-graduando.

ESTAS SÃO CONSIDERAÇÕES GERAIS –E NÃO SE APLICAM AO PLAGIADOR DO TRABALHO
DA MÁRCIA.

*****


Enfim, para mim, esse jovem que te plagiou, e que alega ter vivido, no
momento da feitura da tese, uma "instabilidade emocional", é mais uma
vítima da conjuntura cruel que promete emprego somente a quem tem
titulação. 

[Heloísa] Aqui, permito-me outras possibilidades: estar se dedicando a
outras atividades, problemas pessoais ou mesmo... preguiça! Se as razões
apresentadas pelo comitê são inconsistentes e inaceitáveis isso não
significa, objetivamente, que o candidato seja necessariamente uma “vítima
do sistema”, não? 

Pior, abre a possibilidade a carreira acadêmica a qualquer um que tenha a
titulação, pouco se importanto sobre como e onde ela foi alcançada. Basta
ter o diploma. 

[Heloísa] Se, a princípio, a possibilidade é aberta, de outra parte,
estamos nós, os pares, para avaliar a qualidade do trabalho e, em alguma
medida, o caráter do graduado. O diploma pode levá-lo a altas esferas e,
circunstancialmente, colocá-lo até como chefe em agências de fomento. De
outra parte, existem pessoas que produzem excelentes trabalhos e tiveram
uma formação escolar (independentemente do nível) bastante deficiente e
conturbada. Muitos dos que elevam seu ‘padrão de qualidade’ são
auto-didatas...


Códigos de ética profissional existem para serem cumpridos pelos
profissionais. Muitos jovens mestrandos e doutorandos ainda não são
profissionais. 

[Heloísa] Por que a faixa etária deve, necessariamente, estar atada à idéia
de responsabilidade e decência? Se maturidade e conhecimento de códigos se
adquirem com o tempo, a formação do caráter já vem desde o berço...

Muitos ainda são apenas estudantes recém-graduados que começam a,
desesperadamente, buscar titulação pós-graduada. E aí, vale tudo para o
pobre desorientado. 

[Heloísa] Aqui lembro, também, que os orientadores têm, sob sua
responsabilidade, um número elevado de pupilos... De todo modo, isso não
diminui sua responsabilidade.

Para ele vale copiar, vale plagiar, vale fazer o já feito com outro
discurso, vale repetir idéias já reveladas mas pouco ou nada conhecidas
pela comunidade. Para disfarçar essas estratégias, basta fazer um monte de
citações de autores famosos. 
Enfim, acima eu usei a expressão "pobre desorientado", porque eu penso que
o grande culpado do plágio que você relata não é o plagiador.

[Heloísa] Este moço teria outra saída? Alegar problemas mentais minimiza
penas, a princípio, mais drásticas, como indenização em dinheiro e
impugnação do diploma.

 Este já reconheceu o erro, alegou problemas psicológicos, se desculpou e,
parece, vai refazer o trabalho, dessa vez citando a fonte do texto
surrupiado. 
Para mim o grande vilão dessa história é o "Orientador" do rapaz. Este sim
é o profissional que deve respeitar, e fazer ser respeitado, o código de
ética. É ele quem deveria ser punido. Está evidente que o "orientador" não
orientou coisíssima nenhuma. Não quero afirmar que o orientador devesse
conhecer o teu texto e, assim, identificar o plágio durante a orientação.
Quero apenas dizer que um "orientador" deve acompanhar passo a passo a
pesquisa, a bibliografia, e até mesmo a redação de cada parágrafo e
capítulo. Quando esse trabalho é desenvolvido criteriosamente pelo
orientador, ele é capaz de reconhecer estilos de escrita e, assim, pelo
menos, desconfiar de textos escritos por autores diferentes que, é óbvio,
terão sempre estilos diferentes. 

[Heloísa] Aqui, concordo.


Abraço, 
Jorge Antunes 

PS. Talvez essas minhas colocações acima sejam bem polêmicas, podendo
encontrar, na Anppom, opositores radicais. Mas abro-me em reflexões
próprias, sinceras, de experiência de vida acadêmica, para tentar
contribuir com o debate, desde já dizendo que não me considero dono da
verdade e que estou aberto a revisões de minhas convicções. 

[Heloísa] Espero ter colocado em pauta outros atenuantes que não foram
mencionados na sua reflexão e não pretendo me estender mais a este tema, no
momento.

Abraço a todos, Heloísa


  
  
  
  

Marcia Taborda wrote: 

Agradeço a todos pelas mensagens. 

Acho que o mais importante no momento 
será a revitalização dessa comissão e o desenvolvimento  junto à ANPPOM de 
um código de ética, 
que possa nos amparar em casos semelhantes; uma tomada de atitude 
institucional; 
Abraço, 

Marcia Taborda 

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