[ANPPOM-L] Schoenberg e Deise

Jos=?ISO-8859-1?B?6SA=?=Luiz Martinez rudrasena em uol.com.br
Qua Jun 6 20:32:50 BRT 2007


Caro Carlos,

Obrigado pelos esclarecimentos. Sua área de pesquisa, ainda que rejeitada
por muitos, é importante e oferece um contraponto vivo ao pensamento
formalista de boa parte da musicologia brasileira. Eu também tenho horror à
hipocrisia e ao eufemismo. VocÊ está certo em falar sobre o funk brasileiro
com o vocabulário direto usado nas canções. Chocar-se com essas questões é,
de certo modo, se fechar a realidade brasileira. Vemos aqui, mais uma vez, a
questão do significado musical. O funk não apresenta as sutilezas e a
finesse da música de concerto ou do jazz contemporâneo, mas representa, como
índice de fato, a secundidade e a terceiridade da vida nas favelas
brasileiras. Ninguém pode se posicionar indiferentemente a isso, a não ser
como uma grande hipocrisia. É preciso pesquisar para que se tenha, no mínimo
como hipótese científica, uma esperança de mudar alguma coisa para melhor. E
o trabalho recente de etnomusicólogos, como o projeto na Maré, dirigido pelo
Samuel Araújo, mostra que é possível ir além de meras hipóteses apresentadas
em "papers".


Abraços,
Martinez



On 06/06/2007 02:19, "carlos palombini" <palombini em terra.com.br> wrote:

> 
> A versão do "Funk da injeção" que está no hotsite do filme de Leandro é
> decepcionante. A letra é amenizada, a coreografia esvaziada. Penetrar no
> mundo da Cidade de Deus é ver e ouvir o "Funk da injeção" como Deise o
> canta no filme da Denise, que é amicíssima dela: com a letra explícita,
> cantada pela Deise na porta da casa dela, e com a coreografia mais
> explícita ainda, executada por Ramona, uma transgênero. Toda vez que
> assisto esta cena (e já devo ter visto o filme da D mais de dez vezes),
> é um choque. Mas é neste choque que está a verdade do filme da Denise: a
> CDD (quase) como ela é, sem concessões aos pudores do "asfalto".
> 
> Quando Mr Catra apresentou-se em BH, fui entrevistá-lo no camarim,
> morrendo de medo dele. Ele foi gentilíssimo e fez questão de responder
> uma a uma minhas inúmeras perguntas, por quase vinte minutos antes de
> entrar em cena. Depois dei uma palestra e citei o evento. Disse que
> Catra apresenta em seu show uma mistura fascinante de "Jesus, maconha e
> putaria" (o termo é dele), que tem afinidades com as origens do soul,
> que resulta da profanização do gospel ("Have Mercy Lord" tornando-se
> "Have Mercy Baby" e "I Have a Savior" tornando-se "I Have a Woman").
> Quando fui apresentar o mesmo evento no rádio, perguntei a co-produtora
> do programa se podia falar "putaria" no ar; ela fez uma cara feia e eu
> falei "sexo".
> 
> Na semana seguinte, para o programa de rádio, entrevistamos um rapper,
> que havia assistido à minha palestra. Ele disse, durante a gravação, que
> havia gostado muito, e que saíra da palestra pensando em "Jesus, maconha
> e putaria" e na relação entre as três coisas. Raquel (a co-produtora e
> co-apresentadora do programa) e eu nos entreolhamos sem coragem de
> sorrir. E ele havia dito, minutos antes, que, enquanto rapper, seu papel
> era apenas dizer aquilo que os outros não tinham coragem de dizer. Finda
> a gravação, depois de 40 ou 45 programas, Raquel veio me dizer, pela
> primeira vez, que o programa havia ficado legal!
> 
> É essa, a meu ver, a grande contribuição do funk carioca à cultura
> brasileira: num país que, como afirmou Eero Tarasti em seu livro sobre
> Villa-Lobos, é o paraíso da perífrase, onde nada se exprime de modo
> direto, o funk carioca --- que já não fala para um asfalto que preferiu
> entregar a administração do morro aos comandos ou às milícias --- pode
> se dar ao luxo de ser direto, de dar as coisas os seus devidos nomes; e
> se divertir com isso. Não acho que seja pouco.
> 
> Um abraço,
> Carlos
> 
> José Luiz Martinez escreveu:
>> Assisti aos vídeos que você indicou, sobre o funk e o da Deise em especial.
>> Tenho a impressão que as meninas gostam de dançar e se divertem, mas não sei
>> se se dão conta da letra do funk da injeção. Parece que há um hiato entre a
>> compreensão do ritmo e do texto. Foi a própria Deise quem escreveu esse
>> funk? No vídeo 6, com Galo, "Periferia é mil graus", esse descompasso não
>> existe. Dá pra sentir que a coisa é real.
>> 
>> Sobre o Pierrot funkado, a coisa pode ser bizarra, mas também pode ser
>> patética. No final, quem estará mais fora de contexto será a Deise Tigrona,
>> você tem razão. O que esperar disso? Estado da pós-modernidade? Não sei, só
>> indo pra ver.
>> 
>> Espírito científico, mano velho!
>> 
>> Abraços,
>> Zéluiz
>> 
>> 
>> On 06/06/2007 00:49, "carlos palombini" <palombini em terra.com.br> wrote:
>> 
>>   
>>> Também acho que será bizarro. A mim me soa como uma tentativa de injetar
>>> (perdoe o trocadilho) alguma vitalidade numa vanguardismo exangue (não
>>> me refiro a Schoenberg), que fará tão mal ao _Pierrot_ quanto à
>>> simpaticíssima Deise. Parece aquela velha receita: misture tudo o que
>>> não combina, que pode ser que dê certo. Mas, como vc mesmo sugere, posso
>>> estar errado. Afinal, não tem gente que acha linda a pirâmide do Louvre?
>>> 
>>> Um abraço,
>>> Carlos
>>> 
>>> José Luiz Martinez escreveu:
>>>     
>>>> Olá Carlos,
>>>> 
>>>> Obrigado pelo esclarecimento. Estou achando que esse Pierrot será no mínimo
>>>> bizarro. Ao que tudo indica, Adélia Issa vai fazer as 21 canções da obra
>>>> original. Os instrumentistas e a regência de Antônio Carlos Borges Cunha
>>>> (da
>>>> UFRGS) devem garantir a interpretação correta da partitura.
>>>> 
>>>> Agora, o que esperar de Deise Tigrona e Elke Maravilha no contexto
>>>> simbolista (ou vice-versa), só pagando pra ver.
>>>> 
>>>> Abraços,
>>>> Martinez
>>>> 
>>>> 
>>>>   
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