[ANPPOM-L] Qual a língua que queremos em nossas Universidades?

carlos palombini palombini em terra.com.br
Qui Out 11 16:36:30 BRT 2007


Leitoras e leitores,

A questão "que música queremos em nossas universidades" não me parece de 
suma importância.  Esta formulação mostra bem o pendor exclusivista ("a 
música"), a pretensão universalista ("Universidades") e a ambição 
apropriadora ("nossas").  Fazendo uso da metáfora lingüística 
corriqueira (tão limitada quando se trata de explicitar a natureza do 
musical), ela equivale à pergunta "que línguas queremos em nossos cursos 
de lingüística" ou "que literaturas em nossos cursos de letras". Ela só 
faz sentido para quem acredite que a função dos cursos superiores de 
música seja formar instrumentistas e/ou compositores. Nenhuma música é 
intrinsicamente melhor ou pior do que outra. Não há objetos mais ou 
menos nobres de pesquisa. Acabo de ler um livro sobre _A vida cultural 
sob Vichy_ e o capítulo mais esclarecedor tanto sobre a economia quanto 
sobre o espírito do tempo da França ocupada é aquele que trata dos 
destinos da alta costura sob a ocupação alemã. O problema é que, nestas 
discussões, geralmente se equaciona Universidade com Conservatório, e 
cada um quer ocupar esta arena com aquilo que melhor se coadune com sua 
ideologia. 

Ou não?

Carlos Palombini


> A Universidade já existia antes do "contraponto clássico tonal" e vai 
> continuar a existir depois dele. O contraponto funciona muito bem como 
> ferramenta de composição e análise da música da Europa e de suas 
> colônias. Aliás, eu diria até que nesses casos é indispensável. Mas 
> se, no âmbito da universidade, eu desejo entender a complexidade 
> polirrítmica da música afro-brasileira, talvez eu devesse começar pelo 
> tambor de onça mesmo, como ponto de partida para explorar esse universo.
>
> Não se trata de sugerir a inclusão dessa disciplina no currículo, de 
> querer que a universidade ensine a tocar tambor de onça, porque vai 
> ensinar mal, mesmo porque nunca vai conseguir replicar todo o contexto 
> envolvido na interpretação. Além disso há a questão do poder, já 
> colocada antes na lista. Se o tambor de onça vira instrumento da 
> elite, é bem provável que ele seja substituído na origem por outra 
> coisa. Entretanto, devem haver meios para valorizar a arte do tocador 
> de tambor de onça (metaforicamente falando, prá ficar no exemplo 
> citado) e aprender com ele, mesmo dentro da universidade.
>
> De qualquer forma, e sem conseguir fugir da contradição, é bom não 
> esquecer que a polifonia ocidentental (e a partir dela a disciplina 
> que chamamos "contraponto") se desenvolveu a partir de práticas 
> populares, como a heterofonia, sendo incorporada e transformada na 
> música das elites (ver Hoppin, Judkin, etc). Exemplos assim temos aos 
> montes. Se um dia as estruturas polirrítmicas da música africana 
> virarem disciplina nas nossas academias (se é que já não o são em 
> algumas), é porque estarão sendo úteis para nós de alguma forma. Se 
> algum dia o "contraponto clássico tonal" deixar de ser disciplina 
> acadêmica ou for relegado a uma posição periférica (e isso vai 
> ocorrer, cedo ou tarde, como ocorreu com o isorritmo, o baixo cifrado, 
> e tantas técnicas que pareciam eternas em suas épocas), é porque já 
> não nos serve.
>
> meus dez centavos
>
> Rogério
>
> */Jorge Antunes <antunes em unb.br>/* wrote:
>
>     Oi, Hugo:
>     Não façamos confusão com as metas gerais da civilização
>     brasileira, com palavras de ordem e com os chavões.
>     Diversidade cultural é panorama de meta e prática, como um todo,
>     para a vida e para as políticas culturais governamentais.
>     A Universidade não é instituição que deva cobrir, na totalidade, a
>     pesquisa e a formação brasileira.
>     Além dela, existem outras instituições que garantem a completude
>     da formação profissional-cultural: as escolas de samba, os grupos
>     folclóricos, os grupos de hip-hop, os clubes do choro, as escolas
>     de rock, as gafieiras, os bailes funk, as festas rave, etc, etc.
>     Cada macaco em seu galho. A Universidade não deve ter a ousadia
>     tresloucada de pretender ensinar a um brincante de bumba-meu-boi a
>     tocar tambor-onça.
>     O estudo do contraponto clássico não contempla apenas uma vertente
>     musical como você pensa. O microcontraponto que Ligeti e outros
>     usaram e usam na construção de tramas e texturas, não pode ser
>     realizado e analisado por quem não estudou contraponto clássico
>     tonal. Essa técnica escolástica contempla todas as vertentes
>     musicais e abre a mente para o enfrentamento com todas as
>     situações complexas do cotidiano.
>     Abraço,
>     Jorge Antunes
>      
>      
>      
>     Hugo Leonardo Ribeiro wrote:
>>     Caro Jorge,
>>     Gosto de pensar o estudo do contraponto exatamente como essa
>>     metáfora do xadrez, como um exercício de lógica e domínio de
>>     conteúdo. Porém, onde fica a diversidade cultural num currículo
>>     que só contempla uma vertente musical? Ou devemos deixar a
>>     diversidade cultural somente no discurso? Ou isso não deve ser
>>     sequer discutido? Talvez em outra lista?
>>     Quando disse nós, eu me referia aos professores universitários
>>     responsáveis pela eleição dos conhecimentos válidos a serem
>>     ensinados na universidade,  àqueles responsáveis pela construção
>>     desse currículo linear que faz com que todos sejam obrigados a
>>     cursar as mesmas disciplinas (com um mínimo de flexibilidade),
>>     àqueles que decidem quem pode ser um educador musical ou não.
>>     Ou vocês realmente acham que um professor de instrumento,
>>     composição ou harmonia não é um educador musical?
>>     Hugo Ribeiro
>>     p.s.1 Meu laptop encontrou uma rede sem fio descriptografada...
>>     Estou de volta à civilização :)
>>     p.s.2 Jussamara Souza bem lembrou que nas décadas de 1960 e 70 a
>>     Educação Musical estava uito próxima dos compositores (vide as
>>     oficinas de música, Schaffer, Cage, Grupo de Compositores da
>>     Bahia..). O que houve de lá pra cá? Porquê desse distanciamento
>>     tão nocivo para ambas as áreas?
>>     Em 10/10/07, *Jorge Antunes* <antunes em unb.br
>>     <mailto:antunes em unb.br>> escreveu:
>>
>>          Caro Eduardo:
>>         Não vejo nada de problemático no que se refere a uma acertada
>>         decisão sobre o que deve servir para as futuras gerações.
>>         A nação ideal será aquela formada de cidadãos de grande
>>         capacidade intelectual e crítica, capazes de dominar as
>>         complexidades.
>>         Um povo que só compreende sistemas simples e banais, com
>>         baixo nível de complexidade, será um povo consumidor de
>>         produtos, estruturas, discursos, ideologias e tecnologias
>>         importadas. Será um povo submisso aos donos do mundo, meros
>>         consumidores de máquinas, sistemas e saberes importados.
>>         O sucateamento da Universidade e a prática que considera a
>>         educação como mercadoria, iniciadas com o advento do
>>         neoliberalismo, visam exatamente isso: formar um povo que não
>>         terá condições de criar saberes novos, porque o ponto máximo
>>         a ser alcançado será o status de técnico, apertador de botões
>>         (botões de tecnologias importadas do primeiro mundo).
>>         É por isso que eu discordo daqueles que são contra o estudo
>>         de Contraponto nos cursos de música. O bom músico, seja qual
>>         for a área de atuação profissional, deve adquirir formação em
>>         que se trabalhe o Contraponto a 2, 3, 4, 5 e 8 vozes, nas
>>         claves. Acho que, por isso mesmo, todos deveriam aprender a
>>         jogar xadrez.
>>         Abraço,
>>         Jorge Antunes
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> Prof. Dr. Rogério Budasz
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-- 
carlos palombini (dr p)
professor adjunto de musicologia
universidade federal de minas gerais
<cpalombini em gmail.com>

"... et la variété des choses est en réalité ce qui me construit." (Francis Ponge, "My Creative Method", 27 de dezembro de 1947)

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