[ANPPOM-L] Qual a música que queremos em nossas Universidades?

Rubens Ricciardi rrrr em usp.br
Seg Out 15 02:31:03 BRST 2007


caríssimo Prof. Antunes,

concuro com tudo, em gênero, número e grau,

mas queira desculpar, tem um úm item no seu texto que precisa ser corrigido: recomendo a leitura do excelente livro do meu amigo Franz Rueb "48 variações sobre Bach" (pela Companhia das Letras), aí se observa como Bach tinha uma relação muito difícil com a igreja - e talvez fosse mesmo até ateu (ou seja, não era religioso, pois trocaria até de bom grado um patrão evangélico por outro católico que fosse mais inteligente para com a música e o trabalho dele)... - nada de "carola" ou coisa que o valha, vale a pena ler o livro!...

Rubens Ricciardi
  ----- Original Message ----- 
  From: Jorge Antunes 
  To: silvio 
  Cc: anppom-l em iar.unicamp.br 
  Sent: Sunday, October 14, 2007 8:43 PM
  Subject: Re: [ANPPOM-L]Qual a música que queremos em nossas Universidades?


  Caro Silvio: 
  Fux é velho e caduco demais para meu gosto. 
  Estou me referindo a Bach, às orquestrações de Ligeti, às polifonias e ritmicas complexas a muitas vozes e a Julien Falk. 
  O raciocínio que você desenvolve é equivocado, porque dá a entender que a ciência de um povo A , nunca poderá explicar os fenômenos do povo B. A ciência do povo A só serviria, segundo seu raciocínio, para explicar os fenômenos do povo A. 
  Seguindo seu raciocínio concluiríamos que o arco e a flecha dos índios são verdadeiros mistérios, porque a Física ocidental nada consegue explicar. 
  Bach comia comida diferente da que eu como. Mas eu compreendo a música dele (Bach não chegou a conhecer a pizza e a feijoada!). 
  Ele era um carola asqueroso para meu gosto: eu detesto padres, pastores, evangelhos e igrejas. Mas eu compreendo a música de Bach. 
  Bach criava os filhos de jeito diferente do meu. Tinha doença que eu não tenho. Benjamin Briten namorava de modo diferente do meu, mas eu compreendo a música deles. 
  Essa preconização do hermetismo total e da inexplicabilidade de outras culturas é pessimismo acadêmico, é capitulação científica, é descrédito nos saberes. 
  Abraço, 
  Jorge Antunes 
    
    
    

  silvio wrote: 

    antunes a resposta é tão simples, q me pergunto pq vc a estaria evitando.veja bem, estou tentando pensar o que vc diz em sua mensagem.vc entendeu a música dos povo do pacífico como bom ocidental que somos.leu diversos livros qualificados e ligitimados pelo tempo e universidades, depois aplicou sua leiturar em análise de música de outros povos...q falam diferente, comem outra comida, namoram de outro modo, criam os filhos de outro jeito, têm doenças q nem sabemos quais são (tirando aquelas que as colonizações lhes impuseram).e nesta aplicação encontrou proximidades entre esta música e nossas práticas de consonância, movimento contrário, dobrar vozes em terças no max X vezes, não usar quartas entre baixo e tenor fora das excessões, e com isto vc ouviu uma música em escalas não temperadas, com instrumentos feitos sem nossas tecnologias de afinação, mas mesmo assim imaginou poder reduzir tudo a FUX.o que eu poderia dizer disso é q vc analisou e encontrou coisas sem dúvida importantes para teu trabalho, mas não aprendeu nada com elas a não ser aquilo que tuas ferramentas de análise lhe permitem. pelo viés do contraponto de fux...(pobre fux, um gramatólogo musical que para dizer "vá" escreve mil "não vai não" e que não teve a oportunidade de conhecer modos de genrenciamento de dados imensamente eficientes...e q se tivesse conhecido sem dúvida dava uma guaribada na cartilha dele) sempre conseguiremos chegar onde já sabiámos estar.já, em estudos de campo em que o contato com os praticantes desta música que estamos estudando é realmente levado em conta enqto aprendizado, talvez o que se revele seja outra coisa: por isto insisto em uma pequena análise q blacking faz de uma linha melódica venda e nos revela como os vendas pensam esta melodia, o que difere em muito do q nós pensamos sobre as melodias do mundo. a própria idéia de patterns acredito q ela não apareça em fux. estou errado? não estaria vc recorrendo a princípios universais (ou seja, ocidentais) de pensar as coisas, ao invés de tentar aprender outros modos de se ver as coisas? forrte abraçosivlio   
      Prezado Carlos Sandroni:
      Você afirma que o domínio do contraponto europeu não capacita a compreender as polifonias vocais do Pacífico. 
      Essa afirmação é interessante, porque bombástica para mim. 
      Não me considero dono da verdade e, assim, gostaria de me fazer todo ouvidos, para que você me convença acerca dessa sua convicção. 
      Talvez isso seja possível, se você me der exemplos concretos. Você poderia citar nomes de pessoas que dominam o contraponto "europeu" e que, apesar de possuirem esse domínio, não estão capacitadas para compreender as polifonias vocais do Pacífico.
      Eu, de minha parte, tenho exemplos que demostram justamente o contrário. 
      Para escrever meu mais recente livro, intitulado Sons Novos para a Voz, passei dois anos, de setembro de 2005 a agosto de 2007, estudando todas as manifestações musicais do mundo, produzidas com o aparelho fonador. 
      Estudei todos os trabalhos de Hugo Zemp, Trân Quang Hai, Jean-Michel Beaudet, Jacques Bouët, Gilles Léothaud e Bernard Lortat-Jacob, sobre as práticas vocais contrapontísticas de Taiwan, Georgia, Albania, Itália, Ilhas Solomon, República da África Central (Pigmeus e Banda Linda), Etiópia e Indonésia. 
      O estudo abordou as construções mais complexas, desde os cantos a duas vozes de Malita (Ilhas Solomon), passando pela polifonia a três vozes de Tai-Tung, no Taiwan, até as polifonias a doze vozes dos portuários de Gênova, na Itália (o canto trallallero) e as canções himarioçe, no estilo Himara, cantadas em Vlorë no sul da Albânia, que também são a 12 vozes. 
      Para compreender essas polifonias, entendo eu que o que me capacitou foi o domínio que tenho do contraponto que você chama de europeu. O que eu chamo de domínio do contraponto, não é aquela capacidade desenvolvida ao se praticar contraponto modal a apenas duas vozes. Estou me referindo ao domínio do contraponto florido a oito vozes, nas linguagens tonal e atonal. São a essas práticas que chegam meus alunos em final de curso: tonalismo clássico bachiano a 8 vozes e atonalismo integral de Julien Falk a 8 vozes.
      A maioria dos etnomusicólogos que mencionei acima, também dominam o contraponto florido a dois coros, porque foram alunos do Conservatório de Paris. 
      Talvez eu esteja enganado, e é possível que minha compreensão das polifonias vocais dos diversos povos do mundo não se deva ao domínio que tenho da técnica contrapontística. Talvez o que me capacitou para tanto foi algum outro fator de que não tenho consciência. Deixo então a você a incumbência de me passar exemplos que demonstrem a sua convicção de que o contraponto "europeu" não capacita a compreender as polifonias vocais do Pacífico. 
      Abraço, 
      Jorge Antunes 
        
        
        
       
      Carlos Sandroni wrote: 
        Prezado Rubens e demais colegas,
        Não é educado chamar de "bobagem" a expressão do ponto de vista de um colega. Em todo caso, não numa lista pública como esta. 
        O contraponto de Bach, trazido à baila por Antunes, é europeu. Assim como este alfabeto é latino, os algarismos 1 e 2 são arábicos e o futebol é o esporte bretão. Isso não nos impede de usá-los, nem afirmaria eu tal coisa. O que afirmo (aliás afirmamos eu e, por assim dizer, a torcida do Flamengo - não confundir com a torcida dos franco-flamengos) é que o domínio do contraponto europeu não capacita a compreender as polifonias vocais do Pacífico. 
        Saudações, 
        Carlos 
         On 10/12/07, Rubens Ricciardi < rrrr em usp.br > wrote: 


          meus caros... onde estamos???? "contraponto europeu"??? - que bobagem é esta??? ha, então o futebol (invenção inglesa!) também é europeu (aliás, não é o esporte mais popular por lá também)???? nossa senhora, por que será então que eu torço aqui pro meu glorioso Comercial de Ribeirão Preto??? certamente uma postura eurocentrista e com certeza politicamente incorreta (estes corinthianos, estes flamenguistas, todos uns vendidos à submissão eurocêntrica)... pois viva a nossa identidade, viva a nossa verdadeira cultura, abaixo toda e qualquer forma de inteligência estrangeira!!!... Rubens Ricciardi PS: caro Silvio Ferraz, concordo com vc que o estudo dos contrapontos deve ser sempre desenvolvido nos contextos das linguages, porisso, já há alguns anos venho dando aulas do contraponto da Polifonia Gótica em seus primórdios, da Ars Antiqua (em especial Perotinus) e da Ars Nova (em especial Machault e Landini), até os primeiros polifonistas franco-flamengos quando se inicia o Renascimento, realmente é muito mais enriquecedor que trabalhar só com as 5 espécies do Fux ou com os recursos dos contrapontos em meio aos diversos estilos e época do sistema tonal... 
            ----- Original Message -----
            From: Carlos Sandroni
            To: antunes em unb.br
            Cc: anppom-l em iar.unicamp.br ; hugoleo75 em gmail.com
            Sent: Friday, October 12, 2007 3:10 PM
            Subject: Re: [ANPPOM-L]Qual a música que queremos em nossas Universidades?
             Prezado Antunes e demais colegas, Citando: "A fuga nº 24 é bem complexa estruturalmente. A lamentação de funeral das Ilhas Solomos é bem menos complexa estruturalmente. 
            O estudo da estrutura dos cantos a duas vozes dessas lamentações não garante sucesso no estudo da estrutura da fuga. Mas o estudo da estrutura da fuga, garante o sucesso no estudo da estrutura dos cantos a duas vozes das lamentações fúnebres."Fim da citação. "Mais complexo" e "menos complexo", aqui, do ponto de vista do contraponto europeu. A harmonia de Wagner também é mais complexa que a dos Beatles. Mas saber harmonia e contraponto nao nos habilitam a compreender nem formalmente, e muito menos estruturalmente, música vocal das Ilhas Salomon ou rock. (No caso do rock saber alguns acordes pode às vezes ajudar). Se voce analisa polifonias do Pacífico ou dos pigmeus com instrumentos teóricos de contraponto europeu, o resultado é a primeira e a segunda frases citada acima. Esta é uma das razões pelas quais a terceira e a quarta frases citadas acima são, na opinião dos etnomusicólogos, falsas (isto inclui Hugo Zemp, que estudou a fundo as polifonias das Ilhas Salomon). Abraços,Carlos 
             On 10/12/07, Jorge Antunes <antunes em unb.br> wrote:
              
              Eduardo:
              Você está usando a palavra "forma", que nunca utilizei. No escopo de nosso debate ela não cabe. 
              Você fala em "complexidade formal" e em se "compreender formalmente o contraponto". 
              Nunca me referi a forma. Sempre estou me referindo a estrutura. 
              Estou falando em complexidade estrutural. 
              Também nunca disse que a análise se sustenta unicamente pela abordagem estrutural e formal. 
              As aspectos simbólicos e contextuais hão de vir, numa boa análise, a ser estudados profundamente após as análises estrutural e formal. 
              Mas aquela ficará solta, descontextualizada e superficial, se estas não se estabelecerem antes. 
              A fuga nº 24 é bem complexa estruturalmente. A lamentação de funeral das Ilhas Solomos é bem menos complexa estruturalmente. 
              O estudo da estrutura dos cantos a duas vozes dessas lamentações não garante sucesso no estudo da estrutura da fuga. Mas o estudo da estrutura da fuga, garante o sucesso no estudo da estrutura dos cantos a duas vozes das lamentações fúnebres. 
              Veja, estou falando em estrutura. Quanto à forma, os níveis de complexidade são altos nos dois casos. As lamentações fúnebres têm, em geral, a forma ABAB CBCB. A fuga nº 24, segundo caderno, tem forma de fuga tripla, com a complexidade imposta pelo uso de três sujeitos. 
              Para completar as análises, aí sim, seria necesssário abordar as questões que você menciona. Seria então preciso abordar a religiosidade de Bach, suas construções quiasmáticas, sua época, seu entorno, sua fixação na cristologia e seu encantamento pelas letras de seu próprio nome (b, a, c, h). Quanto às Lamentações fúnebres das imediações da Polinésia, seria necessário, na etapa final da análise, considerar a coreografia da dança ritual suahongi, as escalas usadas, suas simbologias, ritmos, andamentos, textos, o gestual da distribuição de alimentos durante o velório, etc. 
              Abraço, 
              Jorge Antunes 
                
                
                
               
            Carlos Sandroni 
            Departamento de Música, UFPE 
            Programa de Pós-Graduação em Música, UFPB 
            Setembro 2007/Fevereiro 2008: 
            Pesquisador Associado ao Centre de Recherches en Ethnomusicologie 
            CNRS - LESC UMR 7186 - Paris 
            Endereço pessoal na França: 
            Chez Duflo-Moreau 
            199, rue de Vaugirard 
            75015 - Paris 
            Telefone profissional no Brasil 
            (81) 2126 8596 (telefone e fax) 
            (Recados com Anita) 
            Endereço pessoal no Brasil: 
            Rua das Pernambucanas, 264/501 
            Graças - 52011-010 
            Recife - PE

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            http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l 
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        -- 
        Carlos Sandroni 
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