[ANPPOM-L] o DJ e o compositor (era que música queremos?) [longa]

Rodolfo Caesar rodolfo.caesar em gmail.com
Dom Out 21 09:36:54 BRST 2007


Meus caros,


Contrariamente ao que disse o Alexandre Bräutigam, Pierre Schaeffer está 
em matéria obrigatória na graduação em composição pela EM-UFRJ. Seu 
Solfège é sempre apresentado e discutido. Mas, em lugar de substituir o 
contraponto florido (vc viu, Carlos, que coisa mais 'camp'!?) ou de 
servir como pedra filosofal para a 'compreensão' das músicas, é 
devidamente contextualizado. Todo cuidado é pouco para evitar essa de 'o 
rei morreu, viva o rei', por esforço para não endossar a monarquia. 
Nesses treze anos da disciplina, noto que uma das coisas mais difíceis é 
evitar que os alunos saiam fazendo a écoute réduite de tudo sem quererem 
descobrir que, no 'fundo', não há redução possível, até porque não 
existe fundo. Não dá pé.
Estou de acordo que este 'engenheiro' (que não sabia contraponto 
florido) deva ser estudado, sim, sempre. Mas, de acordo com suas 
próprias palavras, a morfo-tipologia apenas corresponde a uma das 
diversas etapas da escuta antes de se chegar à 'compreensão'. Está lá no 
Livre IV.


Obrigado e bom domingo!


abs,


Rodolfo






Alexandre Bräutigam wrote:
> Caro Palombini e membros da lista,
>
> Então me parece que na verdade a semântica separa duas classes que, na 
> prática, estariam em alguns momentos, amalgamadas. Ainda mais quando o 
> DJ, além de escolher e ordenar as sequências das músicas ao vivo, 
> também produz as próprias. É o caso do Tiesto e do Infected Mushroom 
> (o primeiro sem formação musical tradicional, diferente da dupla que 
> compõe o IM).
> Na introdução de 'Converting Vegetarians' (IM) seria incipiente o uso 
> apenas de uma análise baseada nos conhecimentos adquiridos em aulas 
> formais de harmonia tonal ou contraponto (seja ele florido ou não). 
> Muito mais útil seria a tipomorfologia schaefferiana - não como um 
> sistema pronto e acabado, mas como algo que apresenta ferramentas mais 
> adequadas para tal.
> Apesar disso, muitos alunos de composição dos cursos de graduação de 
> nossas universidades saem dele sem ao menos saber quem foi Pierre 
> Schaeffer. Falo isso por experiência própria, conversando com colegas 
> de mestrado em música. Na UFRJ os cursos que apontam para esse lado 
> são matérias eletivas e portanto nem todos os alunos recebem este 
> conhecimento. Se formam especialistas em harmonia e contraponto, mas 
> desconhecem o Traité de Schaeffer. É isso que queremos para as 
> faculdades de música?
>
> um abraço a todos,
>
> Alexandre Bräutigam.
>
>
>
> > Date: Thu, 18 Oct 2007 15:58:50 -0300
> > From: palombini em terra.com.br
> > To: anppom-l em iar.unicamp.br
> > Subject: [ANPPOM-L] o DJ e o compositor (era que música queremos?) 
> [longa]
> >
> >
> >
> > Alexandre Bräutigam escreveu:
> > > Estendendo a discussão sobre o compositor, seu papel, seus meios de
> > > produção e registro assim como a delicada discussão dos direitos
> > > autorais (tudo o que envolve dinheiro, no mundo dos Homens, é
> > > complicado), qual a opinião dos professores a respeito dos remixes e
> > > dos DJs como compositores? Cito um exemplo : o DJ Tiësto (holandês) e
> > > sua música 'Adagio for strings'.
> > Minha opinião --- e já que vc só quer ouvir os professores, vou ser bem
> > professoral --- é que... "DJ" e "compositor" são termos que refletem as
> > práticas, os usos e costumes de grupos bem distintos. Pode-se 
> apresentar
> > o DJ como compositor ou o compositor como DJ a fim de esclarecer a
> > questão eterna das origens (uma obsessão minha). Meu exemplo preferido:
> > o processo de criação de "Étude pathétique" de Schaeffer (de modo algum
> > um compositor no sentido que se tem usado este termo aqui, i.e. aquele
> > rapaz ou aquela moça que sabe tudo o que um teórico austríaco do século
> > XVII escreveu em latim num livro publicado em 1725) como descrito pelo
> > próprio (por favor, se forem publicar o que se segue, digam que a idéia
> > é minha) o apresenta fazendo exatamente o que um DJ moderno faz. Ele
> > dispõe de 4 pratos (como se chamava no meu tempo a superfície giratória
> > daquilo que se denomina hoje pickup) sobre os quais vai colocando, como
> > ele mesmo diz, o que lhe cai nas mãos: uma barca dos canais de França,
> > sacerdotes de Bali, uma harmônica ou acordeon norte-americano, um disco
> > com a tosse de uma radialista interrompendo uma gravação de Sacha
> > Guitry. Depois, como ele mesmo diz, "exercício de virtuosidade nos
> > quatro potenciômetros e nas oito chaves de ignição". Este estudo nasce
> > em poucos minutos: o tempo de gravá-lo, o próprio Schaeffer afirma. As
> > diferenças entre o que Schaeffer e Garnier fazem seriam tão
> > esclarecedoras quanto as analogias, embora não seja apropriado
> > discuti-las aqui. Isto quer dizer que Schaeffer foi o primeiro DJ
> > moderno, em 1948? Não exatamente. A figura do DJ-produtor se 
> constrói em
> > várias etapas. A melhor fonte a este respeito é _Last Night a DJ Saved
> > My Life: The History of the Disc Jockey_, de Bill Brewester e Frank
> > Broughton (New York: Grove Press, 2000); o que se segue é mais uma
> > interpretação.
> >
> > A primeira destas etapas, acredito, é o surgimento de uma cena onde 
> seus
> > serviços sejam requeridos. Os swing kids da alemanha nazista raramente
> > fizeram mais do que discotecar e dançar swing norte-americano.O funk
> > carioca existiu por quase duas décadas como "mundo funk carioca" 
> (título
> > do livro de Vianna, que o escreveu no momento em que a cena estava para
> > gerar a música), alimentado por James Brown, soul da Filadélfia e Miami
> > Bass antes de passar a existir como música, em 1989 (i.e. um ano após a
> > publicação do livro de Vianna). O hip-hop existiu como cena desde a
> > primeira metade dos anos 70, quando o DJ jamaicano Kool Herc se mudou
> > para o Bronx (na Jamaica, o que chamamos de DJ chamava-se selector e o
> > que chamamos de MC chamava-se DJ, mas Herc era DJ no sentido nosso, ou
> > quase), alimentado por rock, disco e funk (submetidos a processos de
> > discotecagem forjados pelos DJs pioneiros da cena disco de Manhattan e,
> > depois, pelo scratch, inventado no próprio Bronx) antes da explosão de
> > "Rapper's Delight", do Sugar Hill Gang (aquela música que utilizou a
> > base de "Good Times" do Chic, que também foi usada por um grupo de rock
> > e Gabriel o Pensador no célebre "2345meia78"). A disco foi uma cena de
> > festas e clubes (sobretudo gays negros e latinos) de Manhattan,
> > alimentada de rock, soul, experimentalismo e pop desde o final dos anos
> > 60 antes de gerar a música disco, por uma mutação do soul, no final da
> > primeira metade dos anos 70. É na cena disco que surge a figura do
> > DJ-produtor, com Walter Gibbons, Tom Moulton, François Kevorkian etc. O
> > veículo principal da arte do DJ-produtor é o single de 12 polegadas (ou
> > 305mm, na versão nacionalista), descoberto por Moulton por um acaso,
> > quando foi prensar uma mixagem sua e descobriu que não havia material
> > para o single de 7 polegadas (que no meu tempo chamava-se compacto
> > simples). Quando Moulton recebeu o LP com uma faixazinha na borda, deu
> > uma gargalhada e julgou que o comprador se consideraria ludibriado. A
> > faixa foi espalhada pela superfície inteira do disco e descobriu-se que
> > o volume de um disco destes era muito mais alto. (Estes discos podiam
> > ser de vinil ou acetato.)
> >
> > A questão da autoria não é problema na cena dançante. Os grupos que
> > produzem esta música não tem cara. Um autor pode ter várias caras,
> > simples ou múltiplas (i. é, sozinho ou em parcerias) às quais vai 
> chamar
> > projetos, e estes projetos, por sua vez, podem jamais revelar, a não 
> ser
> > em texturas sonoras (o próprio invólucro do single e às vezes até seu
> > selo não sendo mais do que uma superfície branca), a persona corpórea
> > do "autor". A música eletrônica dançante é, praticamente, uma música 
> sem
> > cara. Por isso é tão difícil orientar-se no labirinto das tendências.
> > Para o "compositor" isto não seria importante, porque tudo estaria na
> > música. Mas quem tenha estudado um pouco as implicações estésicas das
> > tecnologias sabe que não é exatamente assim: "escuta reduzida",
> > "situação acusmática", "pseudo-instrumento", "objeto sonoro" de
> > Schaeffer; "perda da aura", "declínio do valor de culto", "aumento do
> > valor de exibição" de Benjamin; "fetichismo na música", "regressão da
> > audição" de Adorno; "Im-posição" de Heidegger...
> >
> > Quanto ao Tiesto, dizem que é o "maior DJ do mundo". Tanto quanto posso
> > julgar pelo vídeo, prefiro o baile de sábado do Clube Boqueirão de
> > Regatas, no aterro do Flamengo (entre o MAM e o aeroporto): a 
> acústica é
> > horrível, não há luzes nem ar condicionado e pode haver pancadaria (de
> > cunho recreativo, nada que a segurança do baile não domine), mas o
> > público não fica todo virado e embasbacado, levantando os braços para
> > "o maior DJ do mundo".
> >
> > Carlos
> >
> > --
> > carlos palombini (dr p)
> > professor adjunto de musicologia
> > universidade federal de minas gerais
> > <cpalombini em gmail.com>
> >
> > "Ed anco pare riconosciuto generalmente che ai giovani appartenga 
> una specie di diritto di volere il mondo occupato nei pensieri loro." 
> (Giacomo Leopardi, Pensieri XL, 1845)
> >
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