[ANPPOM-L] imagens racistas da música brasileira na tv

carlos palombini palombini em terra.com.br
Qua Fev 20 23:24:07 BRT 2008


É possível que eu esteja enganado (embora eu não acredite muito nisto), 
mas me parece que imagens racistas da música brasileira televisada 
circulem livremente no Youtube, sem que ninguém as identifique como tal. 
Exemplos:

(1) Os Trapalhões imitando Toni Tornado e o Trio Ternura em "BR-3", o 
sucesso de 1970 em função do qual TT foi perseguido, caluniado e deportado:

<www.youtube.com/watch?v=sf2OZw1jf7U>.

(Compare-se, por exemplo, com isto: <www.youtube.com/watch?v=_AgdakIWnic>.)

(2) Elis Regina, no primeiro Elis Especial, da TV Globo (direção de 
Miele e Bôscoli, então marido da cantora), em junho de 1971 (i.e. no 
mesmo ano em que TT, Erlon Chaves e Wilson Simonal passavam pelos mais 
variados tipos de constrangimento), cantando que quer "um homem de cor, 
um deus negro do Congo ou daqui" vestida de... palhaço!

<www.youtube.com/watch?v=FVoJwaCm568>.

É verdade que ela ensaia um strip, mas não chega a ir muito longe e, de 
todo o modo, continua com cara de palhaço.

Parece que a caracterização foi feita em vista da parada marcial final, 
onde um grupo de palhaços circula alegremente entre os marchantes, 
metonímia ousadíssima de Miele e Bôscoli para a TV Globo naquele saudoso 
1971.

Na letra original, Marcos Valle queria cantar, "eu quero uma dama de cor 
uma deusa do Congo ou daqui, que melhore o meu sangue europeu", mas a 
censura achou que isto era uma incitação ao movimento negro, e os irmãos 
Valle trocaram para "que se integre no meu sangue europeu". A fonte 
desta informação é uma entrevista de MV, online:

<www.freakium.com/edicao4_marcosvalle.htm>.

Mas a questão dita racial é mesmo complicada no Brasil: até Marcos 
Valle, que era loiro e lindo, como mostra capa do álbum _Mustang cor de 
sangue_, de 1969,

<www.freakium.com/edicao4_discomarcosvalle.htm>
 
 --- e ainda está muito bem em seus 64, como mostra a foto dele 
surfando, no Orkut de sua esposa,

<www.orkut.com/Profile.aspx?uid=12681427045124697535>) ---

teve problemas com seu "Black is Beautiful".

E quando o próprio Toni Tornado se presta a participar da encenação dos 
Trapalhões, pergunto o q está acontecendo?

Será que as próprias vítimas estão acomodadas aos padrões de 
discriminação que lhes são aparentemente impostos?

Acho que sim, em boa parte.

Será que eu, vendo estas imagens como racistas, sem que Toni Tornado 
pense da mesma forma (o que não está estabelecido), estou participando 
de um velho esquema de assumir, enquanto branco, a defesa dos interesses 
negros, e sendo, assim, estou sendo, eu próprio, colonialista?

Em certa medida, sim. Mas esta crítica minha, de acomodação às 
estruturas de dominação, não as dirijo a nenhum grupo em particular, mas 
aos brasileiros de todos os grupos.

Interessante é a observação de um aluno, ao qual mostrei esta mensagem, 
antes enviá-la à lista. Segundo ele, seria "corajoso e muito arriscado 
mandar essa mensagem" para a lista.

Não é alarmante que ventilar a possibilidade de racismo na mídia 
brasileira dos anos 70 através de uma lista acadêmica de discussão, 
*hoje* requeira coragem e envolva muito risco (de natureza não 
especificada), na visão de --- pelo menos um de --- nossos alunos?

cvp

(no eclipse total da lua)

-- 
carlos palombini (dr p)
professor adjunto de musicologia
universidade federal de minas gerais
<cpalombini em gmail.com>

"As a gale on the mountainside bends the oak tree I am rocked by my love" (Sapho)




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