[ANPPOM-L] Sobre Metodologia e Epistemologia [x-long]

Clóvis de André clovis.deandre em ajato.com.br
Seg Mar 3 10:15:23 BRT 2008


Prezado interessados no assunto,

Li, com muito interesse, a mensagem do prof. Hugo Ribeiro e pensei  
contribuir, tentando adicionar elementos para que a discussão  
prossiga. Inicialmente, peço perdão por minha verborragia e indico a  
leitura abaixo apenas aos interessados. Se assim ocorrer, peço também  
sua crítica.


(A) ESCOPO DE TRABALHOS DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO

Tenho o costume de conceituar a produção da Monografia de Graduação  
(Trabalho de Conclusão de Curso) a partir de diferenças entre esse  
tipo de produção e as teses de Mestrado e Doutorado. Para tanto,  
tenho utilizado um texto de apresentação, que preparei há alguns anos  
(provavelmente necessitando revisão), dizendo o seguinte:

A Monografia de Graduação é um tipo de trabalho final ou trabalho de  
conclusão da graduação, no qual o(a) aluno(a) deve demonstrar sua  
capacidade de pesquisa. Assim, o(a) aluno(a) deve buscar levantar  
todo o material (bibliográfico, auditivo, etc., publicados ou não)  
que seja pertinente ao assunto/tema escolhido, resumindo as opiniões  
obtidas a partir desse material; até mesmo no sentido de esgotar o  
levantamento e relato sobre o assunto. Note que o objeto da  
Monografia é a capacidade de pesquisa e relato da totalidade do  
material disponível sobre um assunto/tema específico.* Ainda que  
nesse relato monográfico cada aluno(a) possa, naturalmente, defender  
alguma das opiniões previamente consultadas, a Monografia de  
Graduação não é um trabalho destinado à defesa de nenhuma dessas  
opiniões ou de suas releituras — tal defesa seria objeto de uma  
Dissertação ou Tese de Mestrado. Da mesma forma, ainda que o autor  
(aluno ou aluna) possa formular alguma opinião pessoal a respeito do  
assunto, a Monografia de Graduação não tem por objetivo a elaboração  
de proposições originais ou reveladoras de novos rumos para o assunto  
— tal originalidade ou inovação e sua defesa seriam objetos de uma  
Tese de Doutorado. Por outro lado, é também natural que opiniões  
pessoais (originais, ou não) sejam consideradas na avaliação da  
Monografia, caso elas sejam formuladas pelo(a) aluno(a).  
Fundamentalmente, porém, é a clareza de exposição, demonstração de  
capacidade de pesquisa e de domínio do tema proposto que são objeto  
da Monografia e de sua avaliação pela Comissão Julgadora (banca).
[nota de rodapé]
* O relato da totalidade do material disponível, como citado acima, é  
um dos objetivos do trabalho que deve ser perseguido durante todo o  
desenvolvimento da pesquisa, mas que encontra limites nas  
possibilidades acadêmicas fornecidas dentro de cada instituição, ou  
mesmo dentro do meio acadêmico brasileiro. A despeito dessas  
possibilidades, porém, o(a) aluno(a) não deve poupar esforços em  
consultar os materiais necessários, além de demonstrar (na  
monografia) a efetiva realização desse esforço, ainda que o  
impedimento tenha se mostrado finalmente intransponível. Não há,  
naturalmente, formas preconcebidas de demonstrar tal esforço, pois  
elas serão particulares a cada tipo de trabalho, tema, ou mesmo autor 
(a) e orientador(a).

No contato pessoal com os alunos, procuro clarificar possibilidades  
de pensar o tema da Graduação como um primeiro passo para o Mestrado  
e Doutorado — afinal, os trabalhos específicos de cada nível  
representariam elaborações sucessivas, cada vez mais detalhadas e  
específicas, de um tema. Reitero ainda, o fato de que defesa,  
releitura, domínio e capacidade de pesquisa continuam sendo  
analisadas em um Doutorado, mas que, na Graduação, os parâmetros de  
julgamento são focados no domínio, capacidade de pesquisa e  
obviamente clareza de exposição. Se existirem propostas inovadoras no  
trabalho de Graduação, porém, sua clareza e coerência serão  
integradas à análise feita pela banca, ainda que seu mérito não  
precise fazer parte dos parâmetros essencias de julgamento (há quem  
diga que não deveria haver discussão de mérito nem mesmo no Doutorado).


(B) TEMAS

Quanto à escolha do tema, não vejo nenhuma necessidade de ser  
específico ou restritivo em termos de orientação prévia. Uma vez  
definido um tema pelo aluno, então será feita a devida limitação ou  
restrição, determinada muito mais por problemas pragmáticos  
(viabilidade de realização para que o curso seja concluído) do que  
por áreas de pesquisa ou interesse do orientador ou mesmo da  
instituição. Neste particular, penso ser fundamental a  
disponibilização de diversos orientadores, pois a existência de  
apenas um ou dois é prejudicial à variedade temática, bem como ao bom  
atendimento e orientação.

Particularmente, não vejo como o objetivo (B) (habilmente  
discriminado por Hugo Ribeiro -- ver abaixo) possa ser limitado a  
assuntos brasileiros. Não acho que devamos passar atestado sobre  
qualquer incapacidade do meio acadêmico brasileiro de "produzir  
conhecimento [limitado apenas a um] tema pertinente ao contexto  
musical brasileiro". O prof. Hugo, naturalmente, formulou uma  
pergunta, não uma resposta — esta é somente minha contribuição à  
resposta. Penso que devemos permitir maior inclusão internacional,  
com temas em quaisquer áreas, subáreas, períodos estéticos ou regiões  
geográficas, produzindo trabalhos com liberdade para servir ao  
contexto internacional, ou mesmo ao contexto brasileiro, ou ainda ao  
contexto de qualquer outro país, região, ou regime. É verdade que a  
instrumentalização eletrônica e crescimento dos acervos de nossas  
bibliotecas é fundamental para que tal inclusão aconteça  
efetivamente, mas (como no caso de qualquer pesquisa) não devemos  
deixar que impedimentos institucionais e financeiros se tornem  
determinantes ou restritivos de nossas capacidades e iniciativas.  
(Tenho a certeza que não há aqui nada de novo, mas a compreensão do  
leitor, pois não pude me furtar a verbalizar estas velhas preocupações.)

Na prática, é claro, não se espera da Graduação a produção de  
trabalhos seminais, ainda que isso possa ocorrer. Embora exista uma  
produção de Pós-Graduação no Brasil (em desenvolvimento), a produção  
de Graduação é ainda muito incipiente. Cabe orientá-la, "fazer o  
recorte viável do tema e como trazê-lo para uma moldura  
teórica" (como sugere o Prof. Hugo ao final de sua mensagem), mas  
cabe também manter aberturas suficientes para que a variedade de  
tópicos se desenvolva, bem como as formas de sua apresentação —  
obviamente, sem prejuízo do "bom e velho" trabalho escrito, talvez a  
única apresentação sobrevivente que possa servir de ligação com as  
outras áreas (ou disciplinas) e justificativa de trabalho concreto e  
palpável que satisfaça às nossas instituições acadêmicas.

Quanto à questão do estudo biográfico, mencionado por Hugo Ribeiro,  
há muito tempo vem sendo discutida sua validade e metodologia. Aos  
interessados, eu gostaria de sugerir o texto divulgado por Tatjana  
Markovic como introdução ao Simpósio "(Auto)Biography as  
Musicological Discourse" (Belgrado, 20-23 Abril, 2008).

<http://www.kakanien.ac.at/weblogs/senior_editor/1158482964>

Aguardo as sempre bem-vindas críticas de todos. Gostaria de pedir  
especialmente a manifestação abalizada sobre o assunto de Vanda  
Freire e de meu velho colega de graduação André Cavazotti, que tem  
sido citados repetidas vezes em discussões deste gênero nesta lista  
eletrônica.

Abraços,

Clóvis de André

P.S. - Com esta contribuição à discussão, não pretendo estabelecer  
definições ou fechar questões, mas desenvolvê-las e checar minhas  
próprias opiniões, reelaborando-as com base nas interpretações e  
críticas daqueles que se dispuserem a também contribuir.


On Mar 1, 2008, at 12:16:39 PM, Hugo Ribeiro wrote:

> Eu levaria a discussão iniciada por Márcio mais adiante...
>
> Quando pedimos que nossos alunos de graduação façam monografias de  
> final
> de curso, o objetivo seria:
>
> A) Introduzi-los à metodologia de pesquisa e escrita de textos
> científicos (académicos) para prepará-los para um futuro mestrado e
> doutorado;
>
> B) Produzir conhecimento científico na área de música através de
> pesquisa histórica, bibliográfica, de campo, etc...
>
> C) Ambos.
>
> Se for somente a alternativa "A", então qualquer assunto seria
> pertinente, desde estudos que nada tenham relação com a música no  
> Brasil
> (tal como o nacionalismo presente nos estudos de Chopin)? Se for  
> somente
> a alternativa "B", então é preciso que seja um tema pertinente ao
> contexto musical brasileiro?
>
> E se estiver relacionado com o contexto musical brasileiro, mas  
> abordar,
> por exemplo, um compositor local, inexpressivo musicalmente, mas  
> somente
> pelo fato de ter sido politicamente influente na área? Qual o tipo de
> trabalho que pode ser fruto de um tema de pesquisa como esse? E  
> qual sua
> relevância?
>
> Se for a alternativa "C", então o "bicho pega"...
>
> Na verdade a questão que se impõe aqui é sobre os pressupostos básicos
> de qualquer recorte do tema a ser estudado:
>
> a) importância;
> b) pertinência;
> c) contribuição;
> d) viabilidade;
> e) atualidade.
>
> Acho que uma das preocupações de Márcio, e brevemente será a minha
> também, seria qual o tipo de temas possíveis e relevantes a serem
> abordados nas monografias de conclusão de curso de alunos de graduação
> (no meu caso, de Licenciatura em Música). Apesar de que cada
> universidade tem autonomia para definir suas áreas de pesquisa e os
> princípios e recortes teóricos que irão guiar essa área de atuação,
> ainda assim creio que seria um bom ponto de partida termos livros ou
> textos da área de música comentando sobre quais temas possíveis de  
> serem
> abordados e exemplificando como tal abordagem seria relevante para a
> área de música no Brasil.
>
> Isso porque acho que uma biografia (digo, com que ele casou, se teve
> filhos, etc...) de um pianista do século XIX não vai me interessar em
> nada se não houver uma relação entre suas informações biográficas com
> suas escolhas musicais (escola que estudou, professores, onde deu  
> aulas,
> quais concursos participou) e principalmente, como isso teria
> influenciado as gerações futuras com as quais ele teve algum contato.
>
> O livro "Música e Pesquisa - novas abordagens", de Vanda Freire e  
> André
> Cazazotti, é um bom início. Existe um excelente capítulo sobre os
> pressupostos e métodos. Mas a maior parte do livro foca muito na
> fenomenologia, nos deixando órfãos de outras linhas teórico- 
> filosóficas.
> Quando digo que estamos precisando de livros de Pesquisa em Música,
> estou falando sobre textos que nos proporcione um estudo  
> epistemológico
> da área e orientações sobre possíveis linhas de pesquisa e explicações
> teórico-práticas sobre as mesmas, por exemplo:
>
> 1) (Etno)Musicologia Histórica*;
> 2) Etnomusicologia;
> 3) Práticas Interpretativas;
> 4) Análise Musical;
> 5) Teoria da Música;
> 6) etc...
>
> * Não é Pablo?
>
> Isso porque, em disciplinas gerais de Metodologia da Pesquisa, dada  
> por
> professores de outras áreas, pode até ajudar os alunos a selecionar
> temas, a como fazer o recorte viável do tema e como trazê-lo para uma
> moldura teórica. Mas sem ser um professor que conheça as  
> vicissitudes da
> área de Música, dificilmente conseguiria exemplificar de forma a
> facilitar a compreensão dos alunos. Minha esposa, professora de  
> Direito,
> sempre reclamava que os professores de Metodologia da Pesquisa na
> universidade que ela dava aulas (geralmente da área de sociologia,
> história, etc...) não conseguiam trazer exemplos palpáveis para os
> alunos de Direito entenderem como selecionar temas e recortes teóricos
> na sua área. Livros e textos como esse que estou propondo iria ajudar
> aos alunos a saberem quais as linhas de pesquisa existentes em  
> música, e
> como se adaptar a elas.
>
> É isso.
>
> Hugo Ribeiro
> Núcleo de Música - UFS
>
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Clóvis de André
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Faculdade Santa Marcelina    &
Faculdade Integral Cantareira
História da Música (Professor)
São Paulo, SP (BRASIL)
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PhD in Historical Musicology
SUNY-Buffalo (USA)






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