[ANPPOM-L] seleções na pós

Jorge Antunes antunes em unb.br
Qui Dez 17 12:19:24 BRST 2009


Saiu na Revista ÉPOCA.
Editoria: BRASIL
Data: 06/12/2009


* Doutores com Q.I.*

* Nas seleções para pós-graduação, o "Quem Indicou" pode valer mais que o
mérito acadêmico dos candidatos. É possível acabar com esse favoritismo?*

* Ana Aranha e Marco Bahé*

Ninguém duvida do mérito acadêmico dos alunos aprovados nos vestibulares
das melhores universidades do país. A disputa pelas vagas é tão
concorrida que a aprovação exige meses de estudos e preparação
exclusiva. A maior prova disso foi a comoção em torno do vazamento do
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que pretende substituir os
vestibulares como principal forma de acesso às universidades. Devido ao
furto de dois cadernos de questões, o exame foi cancelado e 4 milhões de
alunos esperaram dois meses para prestá-lo. Quem conseguir passar pelo
filtro do Enem, entrar na universidade e se formar vai ter provavelmente
de fazer um esforço diferente se quiser avançar para a pós-graduação. Em
vez de virar a noite revisando o conteúdo de matérias para provas, vai
ter de bajular um orientador, pedir cartas de recomendação, submeter-se
a entrevistas cheias de critérios subjetivos para conseguir entrar num
curso de mestrado.

Por princípio, uma seleção para a pós-graduação não pode ser como o
vestibular. Exige conhecimentos específicos e capacidades de
argumentação e abstração que uma prova de múltipla escolha não é capaz
de captar. Por isso, cada curso de pós-graduação tem autonomia para
selecionar seus alunos. O problema é que alguns abusam dessa
prerrogativa e deixam a decisão na mão dos poucos profissionais que
compõem a banca. Com a concentração de poder, começam os problemas. Nos
últimos anos, candidatos entraram com ações na Justiça para questionar
os métodos de seleção de cursos de pós-graduação das melhores
universidades do país. As ações denunciam favorecimento de candidatos
próximos a professores e sugerem que, em algumas das mais qualificadas
bancas de seleção do país, o famoso Q.I. ("Quem Indicou") tem um peso
maior do que o potencial acadêmico na escolha dos futuros mestres e
doutores.

Essa é a suspeita levantada pela candidata ao mestrado em política
social na Universidade de Brasília (UnB) Arryanne Vieira Queiroz.
Formada em Direito e delegada da Polícia Federal, Arryanne, em novembro,
entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal e um pedido de
ação civil no Ministério Público Federal em que pede a suspensão do
processo seletivo na UnB. Seu principal argumento é a falta de
transparência. Quando soube que não havia sido aprovada na prova de
conhecimentos específicos, Arryanne procurou saber sua nota com o
objetivo de pedir a revisão de algumas questões. A UnB respondeu que as
notas não seriam divulgadas. "Não faz sentido. Como posso recorrer sem
saber se tirei 5 ou 0?", diz Arryanne. "Não tinha elementos para
argumentar. Fiz um recurso no escuro."

*O recurso apresentado por Arryanne foi recusado. Ao final do processo,
ela teve outra surpresa. Descobriu que um dos dez candidatos aprovados é
genro da coordenadora do programa de pós-graduação, Potyara Pereira. Com
essa informação, ela decidiu entrar na Justiça. "Ele pode ter
conquistado essa vaga por mérito próprio. Mas, como o processo é
obscuro, fica a suspeita. Além de não ter direito a defesa, os
candidatos não podem fiscalizar seus concorrentes." A coordenadora da
banca da seleção, Marlene Teixeira Rodrigues, diz que a professora
Potyara Pereira não participou da escolha dos alunos para o mestrado em
política social da UnB devido a sua relação de parentesco com um dos
candidatos. "A professora Potyara pediu para ser mantida distante do
processo", diz Marlene Rodrigues. Ela afirma também que a divulgação das
notas só é feita ao final do processo de seleção por causa de uma regra
estabelecida no edital do concurso.*

Não é a primeira vez que a UnB sofre acusações de favorecimento na
seleção para a pós-graduação. Em 2005, o MPF moveu diversas ações contra
a universidade devido à falta de clareza e objetivo nos critérios de
escolha dos alunos de mestrado e doutorado. Segundo o procurador da
República Carlos Henrique Martins, uma das denúncias foi motivada por
uma pergunta feita pela banca do mestrado para antropologia. "Um
professor queria saber como o candidato iria se manter financeiramente
ao longo do curso. É um critério que não tem relação com o mérito
acadêmico", diz Martins.

Em 2005, a UnB firmou um acordo com o MPF e se comprometeu a mudar seus
procedimentos. A promessa, aparentemente, foi esquecida. No edital para
o mestrado em antropologia, ainda consta a exigência de uma "declaração
de tempo e meios financeiros de que (o candidato) dispõe para cursar o
mestrado". José Pimenta, coordenador da pós-graduação do curso, diz que
"ninguém vai deixar de entrar devido às condições financeiras". Por que,
então, a seleção ainda faz a pergunta? "Só para ter mais elementos sobre
os candidatos", afirma Pimenta.

Mais concorrência

O número de alunos de mestrado e doutorado dobrou na última década. O
aumento da competição exige critérios de seleção mais claros

Revista Época

Além da UnB, a pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) também foi alvo de ações do MPF. Muitos dos processos de seleção
da UFPE não tornavam públicos os critérios que seriam levados em conta
pelas bancas. Entre os alunos da universidade, são muitos os relatos de
favorecimento acobertados pela falta de transparência. Todos os
depoimentos colhidos por ÉPOCA foram feitos sob a condição de anonimato.
Os alunos têm medo de sofrer perseguição. A principal queixa é que seria
preciso se aproximar de professores influentes para conseguir uma vaga.
Segundo alunos do Departamento de Geografia, a pós-graduação seria
"dominada" por grupos de professores que decidem, sem prestar contas,
quem entra e quem sai. "Eu tive de passar um ano como aluna ouvinte até
que um professor me 'adotasse'. Eles só querem orientar quem já
conhecem", diz uma mestranda. "Se você vier de faculdade privada, então,
há muito preconceito. Não é raro alunos tentarem mestrado em outros
Estados, pois aqui há famílias dominando o departamento." Segundo um
candidato ao mestrado em Direito, mesmo com nota 8 na prova específica e
9 na de língua estrangeira, ele foi eliminado da disputa depois de dez
minutos de entrevista. "Outros candidatos com pontuação muito inferior a
minha nas fases anteriores foram aprovados", diz.

Depois da ação movida pelo MPF, a UFPE elaborou parâmetros para todos os
cursos. Passou também a exigir a publicação dos critérios em espaços de
acesso público - como a internet. Entre as principais mudanças está o
fim da exigência das cartas de recomendação. As cartas davam margem para
que alguns candidatos fossem beneficiados só por causa do prestígio de
quem os recomendava. As entrevistas também perderam peso. Elas não podem
mais classificar nem eliminar candidatos.

Segundo o diretor de Pós-Graduação da UFPE, Fernando Machado, os
problemas já tinham sido detectados antes da ação do MPF. "A ação serviu
para acelerar um processo que acontecia lentamente", afirma. "Cerca de
80% do editais lançados neste semestre já seguem os novos parâmetros."
Muitos professores da UFPE criticaram, porém, as mudanças nos processos
de seleção. Eles argumentam que o acordo com o MPF feriu a autonomia
universitária.

"Sendo uma universidade pública, a UFPE é obrigada a seguir os
princípios da impessoalidade, legalidade e publicidade. Assim como o
mérito como critério de acesso ao ensino superior", afirma o procurador
da República Antonio Carlos Barreto Campelo.

As medidas tomadas pelo MPF para tornar mais transparentes os processos
de seleção para a pós-graduação são importantes para tornar o sistema
menos suscetível a injustiças. Mas nem elas são capazes de eliminar
totalmente a subjetividade na escolha dos candidatos. "Temos parâmetros
claros, mas alguma margem de subjetividade sempre fica", diz Romualdo
Portela de Oliveira, coordenador da pós- -graduação em educação da
Universidade de São Paulo (USP). A principal brecha para a subjetividade
se abre quando o número de aprovados excede o número de vagas. Como há
um número limitado de vagas por orientador, e os candidatos apontam seus
orientadores no início do processo, a seleção final pode ficar a cargo
do professor que está com excesso de alunos. Nesse caso, um candidato
aprovado, com condições de cursar a pós-graduação, pode ficar de fora da
seleção só porque o orientador preferiu trabalhar com outros alunos -
talvez por uma relação anterior. "É uma discussão controversa", afirma
Portela. "Eticamente, é razoável que orientador e orientado não discutam
antes, já que aí se estabelece uma relação privilegiada. Mas também é
natural que alguns sejam próximos, devido aos projetos de iniciação
científica na graduação."

O uso da entrevista como um dos critérios de seleção também costuma
gerar controvérsias. Há relatos de que concorrentes recebem tratamento
desigual. Uma candidata a mestrado na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (Uerj), que pede que seu nome e curso não sejam identificados,
diz que foi prejudicada pelo entrevistador. Em 2006, depois de passar na
prova de inglês e na de conhecimentos específicos, ela chegou à
entrevista em décimo lugar numa seleção em que havia 20 vagas. "A
entrevista começou, e percebi que o entrevistador estava empenhado em
prejudicar meu discurso. Ele era agressivo e intimidador, interrompia
minha fala para dizer: 'Não é isso que eu quero saber'." Segundo ela,
havia outros professores na banca, mas só ele falou. "Foi um
comportamento acintoso. Ficou claro que ele queria me prejudicar."
Depois da entrevista, a aluna caiu para a 21ª posição e ficou de fora da
seleção.

Para tentar evitar favorecimento ou perseguição, a recomendação do
Conselho Nacional de Educação (CNE) é que a entrevista não seja
eliminatória e sirva apenas para somar pontos na classificação dos
concorrentes. Mesmo assim, ela continuaria sendo estratégica, pois a
distribuição de bolsas entre os aprovados costuma ser de acordo com a
classificação. "O processo deve ter critérios claros e oferecer
condições de igualdade", afirma Paulo Barone, presidente da Câmara de
Ensino Superior do CNE. "Mas não dá para exigir objetividade total.
Avaliação de mérito é sempre difícil de medir."

Como a objetividade total é impossível, a Justiça costuma dar razão às
universidades nos processos movidos pelos alunos contrariados. Apenas os
casos mais gritantes chegam ao CNE, que pode fazer recomendações aos
cursos sobre os critérios de seleção. Há alguns anos, algumas
universidades federais exigiam que o candidato ao curso de pós-graduação
apresentasse uma empresa patrocinadora de seu projeto para conseguir uma
vaga no mestrado profissional. Trata-se de uma modalidade de mestrado
que está crescendo no país, na qual os alunos desenvolvem projetos
voltados para o mercado. Segundo Barone, a exigência de uma "empresa
madrinha" fere o princípio de igualdade de condições de acesso. Por esse
motivo, as universidades começaram a perder ações na Justiça, e o CNE
passou a desaconselhar esse tipo de critério de seleção.

Não há hoje no Brasil um órgão regulador dos processos de seleção da
pós-graduação. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação, faz o controle
da qualidade dos cursos. Mas não dá diretrizes para a seleção nem avalia
os processos. "Esses questionamentos só estão acontecendo porque a
demanda pela pós teve crescimento chinês", afirma Jorge Guimarães,
presidente da Capes. Ele tem razão. Na última década, as matrículas no
mestrado e doutorado dobraram. O aumento da procura é reflexo da
crescente escolarização da população e da demanda por mão de obra
qualificada do mercado. Com mais gente competindo pelas vagas, porém, as
universidades estão diante do desafio de aumentar a transparência da
seleção para a pós-graduação para acabar com os feudos acadêmicos em um
país que pede mais mérito e qualificação.
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