[ANPPOM-Lista] Fwd: Re: Composição em Grupo

Estevão Moreira estevaomoreira em gmail.com
Qua Mar 28 18:57:47 BRT 2012


(Uma resposta escapou do debate, mas está de volta. Ler debaixo pra cima.)

Estevão

---------- Mensagem encaminhada ----------
De: "silvioferrazmello" <silvioferrazmello em uol.com.br>
Data: 28/03/2012 10:29
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Composição em Grupo
Para: "Estevão Moreira" <estevaomoreira em gmail.com>

Oi Estevão e colegas,

De certo modo ao falar do estilo, que é sempre atribuição de um coletivo, e
do coletivo que persiste em um indivíduo, tento de certo modo dizer que a
questão da criação coletiva, se encarada apenas do ponto de vista de
autoria, pode ser compreendida como um falso problema.
Ela não se distingue em grau da jovem composição individual (já que
coletiva era a prática das oficinas até o séc.XIX), sua distinção é de
natureza e uma não se compara à outra, nem se eliminam mutuamente.

Lembro um caso que admiro bastante, o do escultor e arquiteto Antonio
Francisco Lisboa.
Ninguém sabe ao certo quem ele era, já elencaram 28 itens que definem seu
estilo, sua vida de artista está subdividida em 5 fases. Mas aquele homem,
ou grupo de homens, atuantes nas Minas Gerais no final do XVIII e início do
XIX nunca soube sequer que tinha um estilo, talvez tivessem algumas marcas,
características, mas o estilo aleijadinho não foram eles que fizeram.
 Então agora, ao invés de Aleijadinho, ou mesmo De Vinci e Rembrandt,
fala-se em Oficina de fulano ou sicrano.

A criação coletiva pode passar a ser um problema de interesse no momento em
que tem sua inserção em um projeto de maior âmbito, como nos projetos
pedagógicos ou em um projeto que vise a busca por experimentar novas formas
de encontro entre compositores e, quem sabe, novos resultados. Mas não se
tratará mais de um problema de autoria de produto e sim de processo (acho
que Valério já falou nisto, por sinal).

Abs
Silvio

On Mar 27, 2012, at 12:56 PM, Estevão Moreira wrote:

> Oi Silvio!
>
> Sempre bom te ouvir também!
>
> Eu entendi o que vc disse e achei muito interessante. Não tinha pensado
nessa coletividade do "eu" sozinho. Mesmo as escolhas de um compositor
também estão referenciadas por um coletivo. No caso da música
contemporânea, por exemplo, uma "curadoria" evidencia um pouco uma certa
normatização -- ainda que tácita -- de músicas que se encontram ou não
naquele contexto compartilhado por outros. Trata-se até de uma questão de
sobrevivência. Nesse sentido, entendo a influência do coletivo no
compositor.
> A questão do estilo que vc traz achei bem legal também, pois nesse caso,
a categorização é a posteriori. Eu diria ainda que o fato do estilo não ser
ontológico, mas epistemológico, faz com que pessoas leigas também não
saibam diferenciar o estilo. Ou seja, isso pouco importa para a experiência
-- quando não se tem o conhecimento técnico -- possibilitando até outras
formas de vivências musicais que talvez nós mesmos como músicos tenhamos
tido e já nem nos lembremos mais, já que é nos é tão fácil "perceber"
certas coisas "da música" (deixando de perceber em nós mesmos, tantas
outras). Isso faz da "obra" um processo também de composição infinita.
> Mas há uma expertise do compositor, certamente. Há um empenho uma energia
que é ativa e que possibilita as experiências posteriores. Nesse sentido,
dá pra dizer que a "obra" é que dispara tais processos posteriores.
>
> A composição coletiva -- enquanto ponto de encontro sobressaído --
estaria temporalmente antes desse "produto" então, certo? No final das
contas, é tudo muito simples, mas acho bacana quando a gente consegue
traduzir esse simples -- que não precisaria ser traduzido em outros âmbitos
-- em palavras que evidenciam o caminho, o trajeto da reflexão!
>
> Forte abraço!
> Estevão
>
>
>
> Em 26 de março de 2012 14:27, silvioferrazmello <
silvioferrazmello em uol.com.br> escreveu:
>>
>> oi estevão
>>
>> bom te ouvir (ler) nesta conversa.
>> então:
>> composição pode ser o resultado das duas coisas que vc falou: processo e
produto.
>> creio que qdo se fala do coletivo se fala mais no que tange ao processo.
>> no que tange ao produto pouco podemos falar, e a história tem casos e
casos que atribuições equivocadas de obras.
>> mas qto ao processo, aí que talvez se possa falar algo, e neste sentido
é que estou pensando o próprio compositor como um coletivo.
>>
>> ontem, depois de escrever ao Damian me sobreveio a questão do estilo.
>> pois, o estilo de um compositor, nem mesmo o compositor sabe qual o seu
estilo, o estilo é um atributo que foge ao compositor.
>> muitas vezes um compositor não fica sabendo qual era seu estilo.
>> bach nunca soube que seria o último barroco, nem monteverdi que se
tornaria o marco do final do renascimento, nem beethoven sabia qual seria a
força de sua música na música de schoenberg.
>> ou seja, o que chamamos de um compositor, com um determinado estilo, é
um atributo que foge ao compositor.
>> a delimitação do processo coletivo em um nome individual não é
atribuição do próprio compositor (se for é pretenção).
>> já qdo se trabalha em grupo dificilmente sobressai um estilo, sobressai
sim um ponto de encontro, que muitas vezes é a subtração da força dos
estilos que cada componente traz.
>> era um pouco isto que estava falando ao Damian, do paradoxo da atividade
em grupo face o coletivo de uma atividade individual.
>>
>> abs
>> silvio
>>
>>
>>
>> On Mar 26, 2012, at 7:06 AM, Estevão Moreira wrote:
>>
>>> Bom dia Daniel, Silvio, Damian e Colegas
>>>
>>> O termo "composição", parece-me, ora é utilizado enquanto "obra" e ora
enquanto "processo". Independente do que "seja" isso que chamamos de
"composição", certamente esse diferenciação - e eventualmente outras -
precisam ser evidenciadas, como já fez o Damian.
>>>
>>> Se o termo composição for pensado enquanto "obra", é preciso levar em
consideração que os critérios normatizadores que a "consolidam" enquanto
tal não podem dar conta da experiência de outrem com "esta" obra, tampouco
dos seus usos (abordagem wittgensteiniana).
>>>
>>> Mas o que é a obra então? Seria algo comum para "todos" no mínimo
enquanto produto? Um algo ouvido, escutado, entendido e/ou compreendido? Um
sinal? E o que/quem pode determinar e deliberar sobre a legitimidade  de
uma experiência?
>>>
>>> No entanto, e se considerarmos que a música não é somente sonora; se
considerarmos que isso que chamamos de "música" é um "estado de coisas"
onde o som é apenas mais um elemento do "background"?
>>>
>>> Assim, a composição enquanto "obra" (produto) ficaria também
subordinada ao sentido de "composição enquanto processo", pois nesse caso,
tanto o contexto de origem, como o contexto final  de uma composição seriam
fatores relevantes (a "obra" é aberta).
>>>
>>> Partindo desse princípio - e das experiências relatadas - parece que as
modalidades de interação dessa coletividade é que podem ser enfocadas e, se
se quiser, categorizadas (outro problema).
>>>
>>> Talvez a ideia de composição enquanto prática contemple tanto a
dimensão do produto/obra quanto a dimensão processual.
>>>
>>> Em tempo 1: já se falou em improvisação mas, mais especificamente, cito
as práticas musicais não "eruditas" (na falta de um nome melhor) como o
Jazz,  o Choro e o Funk, por exemplo, que entendo como contextos de prática
composicional coletiva, seja com relação à "obra" (produto) ou enquanto
processo.
>>>
>>> Em tempo 2: minha sugestão bibliográfica "indireta", então, é
Wittgenstein.
>>>
>>> Abs
>>> Estevão
>>>
>>> Em 25/03/2012 22:59, "Damián Keller" <musicoyargentino em hotmail.com>
escreveu:
>>>>
>>>>
>>>>
>>>> Certo. Silvio. Agora entendi melhor a tua linha de pensamento. Estamos
falando de aspectos diferentes mas não incompatíveis. A tua proposta
focaliza o fator material, a minha o fator humano.
>>>>
>>>> > neste modelo, seja "individual" seja coletivo, é sempre coletivo.
>>>> Nesse ponto concordamos totalmente. No
modelo-de-dentro-para-fora-de-fora-para-dentro (MDF), o exemplo do
<compositor omnisciente> (prefiro não usar autista para não insultar os
autistas ;-) é um construto: na prática nunca acontece esse caso. Ou seja,
individual é sempre coletivo e coletivo é sempre (em parte) individual. A
proposta de Simondon (citação abaixo) trata da questão material e não é
incompatível com os conceitos que estamos usando em ecocomposição.
>>>> > consistência: a sobreposição ou justaposição de material dará conta
sozinha de juntar as coisas.
>>>> Aqui concordamos pela metade. Vou tentar me explicar...
>>>> > o paradigma da unidade formal e estrutural que herdamos do
classico-romantico-moderno e que perpassa toda a vanguarda estruturalista.
>>>> Sem dúvida. Unidade formal-estrutural não é consistência. A palavra
chave aqui é estrutura. Confere na nossa conversa que em nenhum momento
falamos em estrutura. A estrutura é uma consequência, não uma ferramenta ou
uma causa como pensava Boulez (e seguidores).
>>>> > 2 permitem mais elementos e mais elementos permitem mais pontos de
contato entre material, o que viria a garantir a consistência.
>>>> Este é o ponto que está aberto a discussão. Concordamos em que mais
elementos aumentam as chances de chegar a um resultado consistente e ao
consenso (no MDF). O problema está na velocidade ou fluidez do processo.
Pensa no caso extremo: o universo como obra. A chance de consistência é
100%, mas quem vai ouvir esse troço? :-)
>>>> Por esse motivo precisamos do fator humano. No MDF consenso é só a
decisão que permite chegar a um resultado. Por isso não é incompatível com
a tua ideia de consistência.
>>>> Abraço,Damián
>>>> Simondon, Gilbert. L’individu et sa genèse physico-biologique. Paris :
Presses Universitaires de France, 1964. Translation by Taylor Adkins.The
technical operation institutes the internal resonance in the matter taking
form, by means of topological conditions that can be named form, and the
energy conditions that express the whole system. Internal resonance is a
state of the system which requires this realization of the energy
conditions, the topological conditions and the material conditions:
resonance is movement and energy exchange in a determined enclosure,
communication between a microphysical matter and a macrophysical energy
starting from a singularity of average magnitude, topologically definite.
>>>>
>>>> Dr. Damián Keller -
>>>> Núcleo Amazônico de Pesquisa Musical (NAP) - Universidade Federal do
Acre - Amazon Center for Music Research - Federal University of Acre -
>>>> http://ccrma.stanford.edu/~dkeller
>>>>
>>>>
>>>> > OI Damian
>>>>
>>>> eu parti um pouco de um modelo um pouco distante do modelo clássico de
indivduação e cognição.
>>>> e neste modelo, seja "individual" seja coletivo, é sempre coletivo.
>>>> até mesmo o autista.
>>>> aí aqui vale a pena uma referência pq a coisa começa a complicar para
mail.
>>>> vale citar uma leitura de gilbert simondon e sua ideia de individuação
e tal.
>>>>
>>>> mas qdo falei de potencializar o coletivo, realmente aqui também é
necessário uma outra quebra com paradigma clássico.
>>>> o paradigma da unidade formal e estrutural que herdamos do
classico-romantico-moderno e que perpassa toda a vanguarda estruturalista.
>>>> e neste paradigma talvez possamos não ter esta etapa do consenso e
substituir esta noção pela de consistência: a sobreposição ou justaposição
de material dará conta sozinha de juntar as coisas. Neste caso, intverte-se
a lógica q vc propõe: 2 permitem mais elementos e mais elementos permitem
mais pontos de contato entre material, o que viria a garantir a
consistência.
>>>>
>>>> são lógicas distintas…
>>>> acho que isto vale um tema de congresso de criação musical, coisas que
há tempo não temos no brasil, mas q pelo que temos debatido aqui fica claro
que perpassa desde a educação musical até a musicologia analítica.
>>>>
>>>> abs
>>>> silvio
>>>> ________________________________________________
>>>> Lista de discussões ANPPOM
>>>> http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
>>>> ________________________________________________
>>
>>
>
>
>
> --
> Estevão Moreira
> estevaomoreira.wordpress.com
> foppem.wordpress.com
>
>
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