[ANPPOM-Lista] Sobre ética na pesquisa

Alexandre Negreiros alexandrenegreiros em yahoo.com.br
Seg Abr 15 23:41:13 BRT 2013


Oi Carlos,

A minha crítica é quanto aos limites legais. Leis são fruto de maiorias ou consensos entre nossos representantes, em certos momentos da história e, tal como tantos outros desequilíbrios mantidos sob o manto da legalidade, avalio ser este, para o qual aponto, mais um a ser enfrentado.

No mérito, a liberdade de solicitar "o que bem se entende" como perfil de um candidato a cargo restringe-se ao universo desregulado, o que não é o caso do ensino superior brasileiro. As razões que sustentam a indeterminação desses específicos limites nesta regulação havida (ou o laissez-faire que resulta na mesma) formam o hiato que critico, e que reputo grave. Depois, a autonomia que advém da manutenção dessa "liberdade" pode perfeitamente ser exercida através de critérios que se exijam durante o próprio processo seletivo, não por exclusões a ele, à priori. Em seguida, se há problemas adjacentes - excessos de candidatos, baixa remuneração da banca etc. - privar candidatos com o potencial de demonstrarem-se aptos (a qualquer exigência) mostra-se, além de inadequado, potencialmente apenas paliativo, com o grave efeito colateral de reduzir as chances de se escolher o melhor candidato, o que não contribui para a qualidade do quadro, cuja melhoria deve(ria) ser o foco maior, senão único, das seleções. Depois, perfis tão detalhadamente desenhados, que convocam tão "puros" especialistas, são exatamente os que se identificam com as escolas mais herméticas e os tráficos de influência que em geral delas derivam, o que creio ser o maior problema a enfrentar. Por fim, não vejo problemas em se exigir competências complementares, que atendam a uma específica linha do programa que seleciona; o problema é torná-las equivalentes àquelas que originalmente habilitam para a função que, nesses casos, são a de lecionar em curso superior ou em programas de pós-graduação, para o que a lei exige, respectivamente, o diploma do mestrado ou do doutorado, e só. A própria inexigibilidade da "formação na área respectiva" é "cortesia" legal nascida do viés que reconhece a dinâmica e a imprevisibilidade da função acadêmica, em sua necessidade de aprofundar as interfaces e se tornar receptiva a outras áreas.

Talvez num utópico quadro de ensino superior predominantemente privado e desregulado, que receba verbas equivalentes às que Estados Unidos ou Inglaterra proporcionalmente lhe dedicam em economia com menores desigualdades e de alta produtividade, permita escolhas completamente livres. Mas aqui, em nosso semi-árido de contexto inverso, a léguas de um índice de absorção razoável de mestres e doutores, e com esse quadro estabelecido de "favorecimento da mediocridade e do anacronismo", como bem descreveu, rejeitar candidatos por ausência de "DNA acadêmico" me parece explicitamente o pior caminho, inexplicável senão pela hipótese mais "traficante" (de influências), e/ou elitista conservadora. Não à toa é quase inexistente no além-mar de universidades contemporâneas a Cabral (o Pedro Álvares). E discordo quanto à importância da hora do concurso: é também pela seleção de bons profissionais que bons cursos se estruturam ou se consolidam, outra vez apontando para o nosso quadro que, malgrado o notável mas prá-lá-de-insuficiente empurrão do governo petista, ainda oferece pouquíssimas opções a bons pesquisadores. Estes, que da astronomia à zootecnia definitivamente não se restringem aos "puro-sangue", buscam os espaços mínimos que os comportem, ou então migram, da academia ou de país. Pelo outro lado, é essa mesma escassez que impede alunos de escolherem seus mestres "indo para onde estejam", o que só conseguem por um custo proibitivo à maioria, ou por bolsas igualmente restritivas, o que aponta para que os processos seletivos de nossas poucas opções sejam os mais criteriosos e abrangentes possíveis. Ou é o tráfico que se impõe, tal como na velha lição do outro tráfico, que progride na omissão do Estado, que não podemos confundir com "liberdade" oferecida.

Quanto a fraudes, o caso é com a polícia e a justiça, e quanto à "experiência que caduca", quem dera fosse também... Afinal, acho até covarde essa limitação quando, por exemplo, se aplica a quem teve problemas de saúde ou de força maior que os tenha impedido de seguir com certa atividade, independente da expressão de seus trabalhos. Privá-los de usar suas vivências nas seleções pode impedir alunos de desfrutá-las com a proximidade única da sala de aula, o que em nada contribui para a reflexão crítica ou a renovação dos saberes nos poucos espaços onde isso talvez ainda seja possível. Não digo que elas sejam obrigadas a valer tanto ou quanto, e creio que deve haver campos onde são menos relevantes. Só acho extremamente injusto que não possam valer por decurso de prazo, como se não pudessem ser únicas ou insubstituíveis, ou sua data lhes furtasse a relevância. Ou como se não participassem de uma construção, em que a última recebeu influência da anterior, que recebeu da anterior, e assim para trás até a primeira.

Abçs
Alexandre




Em 14/04/2013, às 16:41, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com> escreveu:

> 
> Damián,
> 
> As Universidades têm a liberdade de solicitar o que bem entendam em termos de perfil de candidato, dentro dos limites legais. Que o modelo de curso de música em curso, de modo geral, seja absurdo e favoreça a mediocridade e o anacronismo, não tenho dúvida. Mas não é na hora do concurso que a coisa vai ser resolvida. 
> 
> Quanto aos concursos irregulares, é uma realidade. Em minha opinião, essa realidade não vai mudar enquanto os candidatos prejudicados não começarem a recorrer sistematicamente à Justiça. A maioria não faz isso. Muitas pessoas já me procuraram para se queixar do concurso A ou B ou C. Minha resposta é invariavelmente a mesma: tem provas? recorra à Justiça. A maioria não faz isso. A escolha é de cada um. E é muito simples: tenho mais a ganhar procurando a Justiça ou apostando no tráfico (de influência). Enquanto a escolha majoritária for pelo tráfico, os concursos estarão abertos a todo o tipo de arbitrariedades.
> 
> Abraço,
> Carlos
> 
> carlos palombini
> ufmg.academia.edu/CarlosPalombini
> 
> 
> 2013/4/14 Damián Keller <musicoyargentino em gmail.com>
> 
> Palombini escreveu:
> > a regularidade ou legalidade ou não de concursos, progressões etc. depende
> em boa parte de normas, resoluções, editais e portarias cuja legalidade
> pode ser questionada, mas que são específicas das diferentes autarquias.
> 
> Justamente, Carlos. Por esse motivo a minha colocação não foi sobre a
> legalidade dos procedimentos. Obviamente, candidatos ou banca podem
> questionar a legalidade através de um processo judicial. Isso é
> desgastante para todas as partes.
> 
> Uma comissão de ética da Anppom pode ajudar a diminuir o impacto de
> vários problemas na forma como são conduzidos os concursos:
> 
> (Citando mensagem de Alexandre Negreiros)...
> - exclusão através de exigências unidisciplinares, descartando
> candidatos com titulação em outras áreas
> - peso desproporcional para a formação básica, ignorando a produção e
> a experiência profissional do candidato
> 
> (Observando procedimentos em concursos recentes)...
> - exclusão do fazer musical, ou
> - exigências de competências que estão fora da subárea do concurso
> (por exemplo, um compositor tem que tocar piano; um educador musical
> tem que tocar flauta doce, etc.)
> 
> A minha sugestão foi:
> > Um parecer isento, de caráter informativo, elaborado
> > por colegas que não estão diretamente envolvidos, pode ajudar para
> > trazer um pouco de bom senso para reitorias, pró-reitorias e
> > similares.
> 
> A ideia seria ter alguma instância externa de consulta na hora de
> argumentar com a burocracia universitária local. No caso de
> universidades com longo histórico e grande número de professores na
> área de música (UFMG, por exemplo) isso pode até parecer supérfluo. No
> caso de universidades periféricas ou de cursos recentes, ter a
> possibilidade de consulta a colegas da área é fundamental.
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