[ANPPOM-Lista] Balada número 171: Naturalmente Brasileiro

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Sáb Fev 9 14:58:55 BRST 2013


Por que as músicas de Pedro Boi foram parar no disco de um homem chamado
Nelson Moralle? A resposta lembra uma sinistra obra de ficção
09 de fevereiro de 2013 | 7h 00

Julio Maria - O Estado de S.Paulo

Nelson Moralle Junior existe. É um homem moreno, cabelos grisalhos,
estatura média, acabou de comprar um violão e mora com a mãe em uma casa
simples numa das principais ruas de São Roque, no interior de São Paulo.
Sua fala é baixa, seu olhar não vacila e, não fosse uma incontinência
verbal que o faz repetir a frase "cê tá me entendendo?" quando aparenta
nervosismo, seria um mestre da persuasão. Nelson Moralle existe, mas o
mundo que habita pode ser uma assustadora obra de ficção.


[image: link] *TV Estadão: Assista trecho da entrevista com Nelson
Moralle* <http://tv.estadao.com.br/videos,MUITO-A-EXPLICAR,194371,253,0.htm>


[image: Nelson Moralle: Muito a explicar sobre cada detalhe que aparece em
seu disco - JF Diorio/AE]
JF Diorio/AE
Nelson Moralle: Muito a explicar sobre cada detalhe que aparece em seu disco

A faísca que virou fogueira nas redes sociais chama-se *Naturalmente
Brasileiro*, um CD lançado por ele em 2010. A capa tem o rosto e o nome de
Nelson Moralle e o encarte traz uma lista de 15 músicas, todas creditadas a
ele como compositor. O nome de Almir Sater aparece como "produtor e
arranjador" do álbum, além de parceiro de Moralle na música *Vida de
Violeiro*. Os logos das empresas Caixa Econômica Federal e Petrobrás estão
na contracapa, como se fossem patrocinadoras do projeto. Além do CD, o
material traz um DVD com um documentário chamado *Quilombolas*. Foi com
esse material que Moralle se apresentou em casas de show, programas de TV,
deu entrevistas a rádios e rendeu matérias em jornais. Ele afirma que
fechou 2012 com 102 apresentações, cobrando cachês que vão de R$ 1,5 mil a
R$ 6 mil.

Em 2011, Moralle foi entrevistado por Antonio Abujamra no programa *
Provocações*, da TV Cultura, como líder de uma comunidade quilombola de São
Roque. Chegou a ser apresentado por Abujamra como exemplo de superação, um
homem que aprendeu a ler e a escrever aos 35 anos. Em outro programa, do
Canal Rural, é descrito pela apresentadora como "um músico com 30 anos de
carreira que já trabalhou com Clara Nunes, João Bosco e Alceu Valença". Uma
trajetória perfeita, se o mundo não fosse um pouco menor do que Moralle
imaginou.

A 832 quilômetros de São Roque, em Montes Claros, Minas Gerais, o cantor e
compositor Pedro Boi atendia clientes em seu bar quando um amigo chegou
intrigado: "Acho que ouvi alguém cantando uma música sua lá no Recife". Um
tempo depois e Pedro, 59 anos e 35 de carreira, recebeu de outros amigos de
São Paulo o CD com o nome de Nelson Moralle na capa. Ao ouvi-lo, seu
coração foi à boca e seus instintos primitivos afloraram. "Eu só queria
matar aquele moço", diz. As 15 músicas do disco *Naturalmente Brasileiro *eram
exatamente as mesmas gravações que estavam em seu álbum, *Passarim*,
lançado dois anos antes. Mais do que plágio, as canções que apareciam no CD
de Moralle, diz Pedro, haviam sido "transferidas" para o disco de Nelson.
Ou seja, Nelson estaria dublando sobre a voz do mineiro e assumindo as
autorias de suas canções, mudando apenas o título de cada uma delas no
encarte do disco. *Romance de Colibri*, assinada por Pedro e seu parceiro
Braúna, virava *Colibri Apaixonado*; *Su* aparecia como* Sereia de Água Doce
*; *Meu Cavalo se Chama Disco Voador*, também de Pedro e Braúna, ganhava o
nome de *Histórias de Pescador*.

A saga de como as músicas do disco de Pedro chegaram às mãos de Nelson é
contada pelo mineiro, que diz ter hoje dificuldades para ouvir o próprio
disco. "Não consigo. Logo me vem à mente o rosto dele e eu fico louco de
raiva." Pedro narra que, depois de conhecer suas canções em um show em
Porto Seguro, na Bahia, Nelson ligou para sua casa pedindo uma cópia de seu
disco. Apresentou-se como um funcionário do Sesc que gostaria de agendar
shows para o músico em São Paulo. Nelson teria ainda ligado outras vezes,
pedindo o número do protocolo dos Correios para localizar o disco. Pedro
passou os dados e esperou pela data de show. "Ele nunca mais atendeu aos
meus telefonemas", diz Pedro.

A reportagem foi primeiro atrás dos nomes e das empresas citadas no encarte
do disco de Nelson Moralle. Almir Sater seria mesmo o produtor e arranjador
do CD, além de parceiro de Moralle em uma das canções? "Eu? Nunca ouvi
falar o nome desse rapaz", diz o violeiro. A Petrobrás seria mesmo uma das
empresas patrocinadoras do projeto, conforme indica a contracapa do disco?
"Não encontramos em nossos arquivos registro de patrocínio ao projeto
mencionado." E foi além: "Estamos analisando eventuais medidas cabíveis,
diante do uso indevido da logomarca", informou, por meio de sua assessoria
de imprensa. Segundo a empresa, o logo usado no material não condiz com a
marca impressa em projetos patrocinados no Brasil. A Caixa Econômica
Federal também não encontrou nenhum registro de patrocínio, nem no nome do
artista nem da empresa que seria a proponente, segundo Nelson Moralle: a
JMSMusic. José Martins, responsável pela JMS Music, diz que não é
proponente nem responsável por captação de recursos. "A única coisa que fiz
aqui foi imprimir as cópias do disco, que já chegou gravado."

O Ecad, escritório central que cuida dos direitos autorais no Brasil,
registra várias das músicas que estão no disco de Nelson Moralle em nome de
Pedro Boi: *Francisco*, *Jequitaí*, *Mariana*, *Meu Cavalo se Chama Disco
Voador*, *Meu São João*, *Passarim Cantadô*, *Passarinho Canoro*, *Romance
de Colibri*, *Saudade da Vila*, *Su*, *Tem Dó*, *Ventania* e *Zumbi*. Não
há nenhum registro no nome de Nelson Moralle Junior. Na esteira de Pedro
Boi, outras autorias assumidas por Nelson começaram a ser contestadas.
"Nelsinho Moralle é um plagiador. Em nada difere de um ladrão de obras de
arte", diz o compositor Marcelo Ribeiro, amigo de Pedro Boi. A cantora
baiana Ju Motta chegou a gravar *Romance de Colibri*, "cedida" por Nelson
Moralle, em um disco que não chegou a lançar. "Eu não sabia que a música
era do Pedro Boi e do Braúna, fui uma vítima", diz. "Ele me fez assinar um
contrato para 23 shows na Europa, mas os patrocínios nunca saíram", conta
outra cantora, France da Matta, que chegou a namorar Moralle.
A delegacia de São Roque registra uma prisão preventiva de Moralle, em
2006, por falsificação de documento e estelionato. Uma outra condenação
saiu em 2008, em Sorocaba, por parcelamento irregular do solo. "Fui preso
por uma armação política", diz Moralle. A reportagem encontrou com ele em
um café de São Roque. Moralle levou o violão, rebateu as acusações e se
disse vítima de uma perseguição. Quando a reportagem pediu que ele tocasse
as músicas que estão em seu disco, ele disse que não sabia.

http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,balada-numero-171,994846,0.htm

carlos palombini
ufmg.academia.edu/CarlosPalombini<http://www.researcherid.com/rid/F-7345-2011>
"Ici je ne tiens à charmer personne." (Paul Valéry)
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