[ANPPOM-Lista] Fim da Prova de Habilidade Específica em Música

luciano cesar lucianocesar78 em yahoo.com.br
Sex Maio 24 13:19:19 BRT 2013



Prezado Professor Didier,

 

            Obrigado
pelas considerações, a distinção entre escola de música e departamento de
música é muito pertinente. Mas devo discordar de sua opinião devido a uma
concepção diferente sobre a realidade brasileira e sobre o papel da
universidade na sociedade.

1. A Universidade contempla o conhecimento
através do tripé ensino-pesquisa-extensão. Ou seja, inclui-se, entre as
finalidades da universidade, o ensino de profissões. Não só a profissão de pesquisador.

 

2. Trata-se de ensino superior. Acima do
nível técnico. Pressupõe formação básica. O profissional graduado em qualquer
área entrou na universidade com uma formação técnica (ou básica) e sai podendo
dialogar com os pesquisadores e as novas perspectivas e abordagens
metodológicas por eles abertas, mesmo podendo não atuar na pesquisa. Mas esse arco
só pode acontecer a partir de um patamar mínimo. Essa independência entre
exercício de profissão e pesquisa na área é garantida justamente pela PHE. Isso
por que a pesquisa de ponta pode se desenvolver em um regime de trabalho e
produção desvinculada (gostaríamos...) das imposições do mercado, ao invés de
ensinar a clave de sol para “futuros pesquisadores”.

 

3. Pergunto-me qual seria esse projeto ou
vocação em música na pós-graduação que prescindiria de habilidades técnicas. Saber
ler partitura e dominar um instrumento não é só mera habilidade técnica, é
condição para interagir com a linguagem musical em nível superior, seja para pesquisa,
seja para atuação profissional. Para perspectivas interdisciplinares sem
exigência de habilidades específicas, estão aí as áreas de ciências humanas. Reparo
que pesquisas em música feitas a partir de projetos nessas áreas muitas vezes se
limitam à análise da letra ou de seu contexto histórico, sem abarcar
profundamente o material musical em si e suas práticas (performáticas, composicionais
e/ou educacionais). Nada contra, acho ótimo! Mas porque esse modelo deveria ser
único? Limitar as condições de pesquisa, acesso de material e discussão nessa remodelagem
das faculdades de música para receber a “todos”? E a contrapartida do querer,
que é formação? E a formação básica exigida em qualquer curso superior,
corresponderia a que tipo de formação na área de música? Meramente à vontade de
ser músico? Como o professor Holmes lembrou, qual é a condição que um iniciante
em música tem de se instrumentalizar para interagir nas questões inerentes à
pesquisa e à atuação profissional, com 4 anos para concluir o curso?

 

            A
PHE em música é indispensável para a existência de um curso específico. A
pressão deveria ser dirigida ao governo para criar acesso ao ensino básico de
música, incluindo os instrumentos específicos. Não se trata de formar Nelsons
Freires, mas de musicalizar pessoas para discutirem o fenômeno musical em nível
superior. 

Como lembrado
pelo Álvaro, nem todos podem/querem ser pesquisadores. Será que uma
universidade que forma professores universitários pode se isentar de interagir
com a sociedade através da formação profissional enriquecida pelo contato com
as atividades de pesquisa e extensão? Pois a PHE é justamente a possibilidade,
não de restringir, mas de situar a
demanda, os currículos e as ações de extensão, que podem suprir inclusive a
falta de acesso de formação básica. Vejamos as escolas de aplicação das
faculdades de educação, onde ensino de primeira categoria é oferecido à
comunidade com a assistência da pesquisa teórica, de campo e das licenciaturas.
Será que um aluno que acaba de entrar na faculdade e tem seu primeiro ano de
musicalização – perceptiva e de instrumento – é capaz de integrar um grupo de
estagiários para aulas a sua comunidade? Nesse sentido, não há nada mais
democrático que a PHE, que eleva o nível e o alcance de um polo de formação de
educadores, músicos e compositores. 

O fim da PHE é
um golpe ingênuo que corresponde a aceitar analfabetos em curso de direito, a
preparar as faculdades de medicina para ensinar aos alunos os rudimentos de
biologia, aos engenheiros somar e subtrair. Essa base é a que formaria
pesquisadores? Parece-me um absurdo ter que discutir isso nesta lista.

            E
quanto ao papel da ANPPOM, eu enquanto membro, defendo radicalmente a interação
na questão porque a pós-graduação (creio eu) não existe em uma torre de marfim
alienada do ensino e da extensão. E o que acontece na graduação afeta a pós. Acho
que esse distanciamento se deve ao fomento paralelo à disposição dos
pesquisadores “PQ um milhão” que recebem verba para seus projetos por fora, mesmo
sendo contratados como professores/pesquisadores de ensino superior com
Dedicação Exclusiva. De novo, nada contra, a verba extra é merecida. Mas acho
que seria de interesse dos pós-graduados (que dão aulas para a graduação, seria
preciso lembrar??) ao menos participar das decisões institucionais que afetam
toda a estrutura.

 

Abraço, 

Luciano Morais



--- Em qua, 22/5/13, Bryan Holmes <bholmesd em yahoo.com> escreveu:

De: Bryan Holmes <bholmesd em yahoo.com>
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Fim da Prova de Habilidade Específica em Música
Para: "Didier Guigue" <didierguigue em gmail.com>
Cc: "ANPPOM" <anppom-l em iar.unicamp.br>
Data: Quarta-feira, 22 de Maio de 2013, 11:15

Querido Didier,
É raro eu discordar de você, mas este pode ser um caso, a menos que estejamos pensando em questões diferentes da prova. Eu sempre digo que qualquer um que faz música direitinho é músico. No entanto, não acredito que qualquer pessoa tenha um "ouvido", portanto, não é qualquer um que faria música direitinho. Mesmo sendo possível "educar" o ouvido em certos aspectos, acredito que muita gente nunca chegará lá (e perdão por esta afirmação pessimista, mas é
 o que tenho observado, apenas). A prova de habilidade específica não deveria necessariamente testar o preparo teórico dos futuros alunos dos cursos de música (até porque a música na escola não era obrigatória até agora, forçando os alunos a fazer aulas particulares, dependendo então da sua condição social), mas sim, como o nome diz, a prova deveria testar a sua habilidade. Alguém que gosta muito de música, mas não tem um ouvido musical, sofrerá uma frustração muito maior quando descobrir isto enquanto cursa uma graduação, do que descobrir antes de entrar nela.
Um
 abraço, Bryan Holmes
        From: Didier Guigue <didierguigue em gmail.com>
 To: Zoltan Paulinyi <paulinyi em yahoo.com> 
Cc: ANPPOM <anppom-l em iar.unicamp.br> 
 Sent: Tuesday, May 21, 2013 7:20 AM
 Subject: Re: [ANPPOM-Lista]
 Fim da Prova de Habilidade Específica em Música
   
A existência de uma PHE em música é uma excrescência institucional e é compreensível que alguns gestores a questionam, em nome da igualdade de acesso ao ensino superior . Ela apenas se justifica porque, em determinado momento da história recente, o governo ( militar) resolveu fundir numa entidade só, e ambígua, os conceitos de " Escola de Música" e de  " Departamento de Música" , potencializando, destarte, conflitos de objetivos e perfis. Um genuíno departamento universitário de música não deveria precisar de PHE. Por sua vez, a formação técnico- artística do músico seria finalidade de uma genuína escola de música. Este debate é velho, mas ressoa ainda, creio, no caso discutido
 aí.
Finalmente, ao pedir manifestação formal da ANPPOM sobre o tema, alguns membros me dão a impressão de confundir as finalidades desta Associação, que é, alguém aí precisou lembrar oportunamente, pesquisa e pós graduação. Essas duas atividades não dependem intrinsecamente de PHE. Ao contrário: esta não raro prejudica, ao inibir vocações ou projetos que prescindem de habilitação técnica. 

Didier Guigue
UFPB--Departamento de MúsicaHistória da Música ContemporâneaPrograma de Pós-Graduação em Musica
MUS3--Musicologia, Sonologia e Computação
COMPOMUS
Didier Guigue chez l'Editeur HarmattanDidier Guigue na Editora Perspect

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