[ANPPOM-Lista] [etnomusicologiabr] Nilo Batista denuncia a censura inconstitucional: A criminalização do funk

Alexandre Negreiros alexandrenegreiros em yahoo.com.br
Qua Nov 6 20:15:35 BRST 2013


Carlos,

Até onde sei, as discriminações que ocorrem no ECAD não tem origem em questões estilísticas mas, como quase tudo naquele lugar estranho, possível é. A filiação de qq titular a uma sociedade precisa ser "acatada", mas as exigências não costumam ultrapassar a entrega de um CD ou partitura, e mesmo que uma o rejeite há outras 8. Uma vez aceito, passa a ser interesse da sociedade inserir suas obras no sistema, pois competem e isso gera custos, o que as torna suscetíveis a serem atingidas pela aplicação dos critérios de distribuição, ainda que não sejam facilmente alcançáveis. Se ele toca e vende no mundo, tem a opção de filiar-se a uma das estrangeiras (melhor as europeias), deixando apenas o território Brasil sob tutela do ECAD para os direitos de exec. pública. Lá terá tb a gestão dos fonomecânicos, que incluem os usos na internet e o farto canon de compensação à cópia privada, o que tem dado "retorno". No Brasil o ECAD se arvora indevidamente nesta cobrança, mas o iTunes, Deezer e outros estão mesmo sob a gestão da UBEM (que representa 90% do repertório e controla UBC e ABRAMUS), que contrata o Nestor Casonu, ex-ceo da EMI (hoje Sony) residente em Miami para operar um banco de dados de Buenos Aires, que administra os negócios digitais "da casa". Pro Gustavo receber do Youtube brasileiro, a lei reza que ele (seja como autor ou editora, e como produtor fonográfico) deve negociar direto com o site que, contudo, vem pagando ao ECAD (uma blanket licence, por todo o repertório), portanto não deverá querer pagar mais. Portanto, por enquanto a saída é forçar a entrada numa sociedade e esfregar os views na cara deles. Só que o YT está se armando juridicamente para em breve dar um pé na bunda deles, só que eles não terão como escapar da UBEM, que vai ter que parar de se aproveitar da estrutura maior que usava cobrando pelo ECAD.

A minha religião não permite recomendar a um amigo que se filie à UBEM (via uma de suas editoras, ou com a sua própria, pagando uma mensalidade desmedida), embora seja o caminho mais rápido. Há autores importantes fora dela =, portanto não é o caminho exclusivo, mas por enquanto é como se viabiliza a oferta de fonogramas na loja brasileira do iTunes e outros. Entrando, se submeterá a uma relação mantida sob contrato em inglês (o que o torna inválido no país), e ele não saberá nem o percentual a que tem direito sobre a sua própria obra ou gravação, uma vez que nossa lei "autoriza" a gestão direta dos direitos de reprodução (pra música os fonomecânicos), enquanto que o mundo impõe que este se exerça pela via coletiva regulada pelo poder público, exatamente para obrigar gravadoras e websites a prestarem contas, atenderem a tabelas homologadas e viabilizarem algumas licenças não-voluntárias tais como o direito de gravar quem quiser, sob certos critérios e pagando o que se estabeleceu, a conservação de obras órfãs etc.

Enfim, espero ter ajudado.
Abçs
Alexandre


Em 06/11/2013, à(s) 16:22, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com> escreveu:

> Hugo,
> 
> O Nilo é maravilhoso. Ele é o crítico mais radical do atual projeto de segurança pública. Veja esta entrevista (e note que é de 2011):
> 
> http://youtu.be/xYjACv3LQXc
> 
> Eu passei os últimos dias analisando pareceres sobre a constitucionalidade do uso das Forças Armadas em função de forças de segurança pública bem como as várias leis complementares e decretos que, de 1999 a 2010, regulamentam esse uso de modo a desvinculá-lo do imperativo constitucional da decretação de estado de emergência, estado de sítio ou intervenção federal, isto é, de modo a liberá-lo da estrita supervisão do Legislativo e do Judiciário, e de modo a dissociá-lo também da cláusula constitucional de responsabilização dos executores e da presidência da República. É apavorante! As Leis Complementares  97/1999 e 117/2004 dizem com uma profusão de palavras aquilo que, em 1824, o artigo 148 da Constituição Imperial formulava mais claramente: “Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio”. Pior, a Lei Complementar 136/2010 atribui poder de polícia às Forças Armadas. Ou seja, enquanto se fala em desmilitarizar a polícia, os governos PSDB e PT (essas falsas antíteses) agem "proativamente" policizando as Forças Armadas para uso político (como vimos no leilão de Libra ou, antes dele, no "leilão" macabro de moradores do morro da Providência a integrantes da facção rival à da Provi, no morro da Mineira). E pra completar, agora teremos leis contra "o terrorismo".
> 
> Faz mais de um ano que encontrei meu amigo Gustavo (MC Orelha). Gelouko, seu DJ e empresário, me disse que Gustavo não recebia direitos autorais por seu maior sucesso porque era um proibidão (hoje, com cerca de 12 milhões de acessos no Youtube). Eu escrevi ao Nilo perguntando se algo poderia ser feito. Passaram-se meses e não tive resposta. Até que um dia o filho dele, Carlos Bruce Batista, me escreveu sobre o livro que estava organizando com a colaboração do Nilo: um grupo de advogados e pessoas ligadas à cultura escreveria sobre o funk proibido. Gustavo, quando começaram as manifestações de junho, se envolveu no movimento e, embora houvesse dito que não colaboraria mais que com a bela entrevista que me concedeu, acabou nos enviando para publicação uma letra de protesto. (Confesso que prefiro os proibidões dele). E Thiago dos Santos (Praga), o melhor dos compositores de funk proibido (ele sobrevive de fazer música para outros MCs), nos enviou um belo fragmento de três parágrafos sobre a guerra, também no calor das manifestações. 
> 
> Fico muito feliz em trabalhar com Gustavo, Thiago, Nilo, Carlos, Vera e Adriana.
> 
> Abraço,
> 
> Carlos
> 
> (Abaixo, meu resumo sobre a questão da constitucionalidade)
> 
> V. Artigo 142
> Em 28 de julho de 1988, às vésperas da Constituição Federal, Luiz Carlos Prestes denuncia “o preceito mais reacionário, ou ditatorial da nova Constituição, a qual, na prática, pode a qualquer momento ser anulada ou rasgada constitucionalmente!”[1] Ele se refere ao artigo 142, que destina as Forças Armadas “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Contudo o artigo 144, “Da segurança pública”, não prevê o uso das Forças Armadas em funções de polícia.[2] Através da interpretação conjunta dos artigos 142 e 144, Souza Neto conclui que o emprego das Forças Armadas em operações de segurança está reservado a situações excepcionais, quando ocorra a decretação de estado de defesa, de estado de sítio ou de intervenção federal. Uma vez que, nas três hipóteses, há restrição a direitos fundamentais e relativização da autonomia estadual, a Constituição submete as medidas aplicáveis a rigoroso controle legislativo e jurisdicional. Seus executores podem ser responsabilizados pelos ilícitos cometidos (art. 141), e o presidente da República pode responder por crime de responsabilidade (art. 85) — entre outros, por atos que atentem contra “o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”.
> Afora essas três situações excepcionais, a Constituição Federal permite o emprego das Forças Armadas em outras duas: a realização de investigações criminais no âmbito de inquérito policial militar; a execução de operações de policiamento ostensivo em contextos nos quais predomine o interesse nacional, especialmente em visitas de chefes de estado. O segundo caso está disciplinada pelo artigo 5º do Decreto 3.897/2001, de 24 de agosto. No que concerne ao primeiro, Souza Neto faz duas ressalvas:
>  
> A primeira é a de que não há espaço, em nossa ordem constitucional, para mandados genéricos, que indiquem, por exemplo, a possibilidade de promover buscas em bairros inteiros. Sob o pretexto de realizar a apreensão de armas de uso exclusivo das Forças Armadas, autoridades militares não podem determinar a ocupação de uma favela, como já se verificou em nossa história recente. A segunda ressalva diz respeito à necessidade de que a diligência seja autorizada por autoridade judicial. As diligências de busca e apreensão domiciliar são submetidas à chamada “reserva de jurisdição”, não podendo ser determinadas pelas autoridades militares que presidem inquéritos policiais militares, como determinava o Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 177, que foi revogado quanto a este aspecto.[3]
>  
> Finalmente, a legislação infraconstitucional comporta uma sexta possibilidade de emprego das Forças Armadas em operações de segurança, estabelecida em 9 de junho pela Lei Complementar 97/1999 em seu artigo 15, § 2º: “a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no artigo 144 da Constituição Federal”. Nesse artigo, § 3º, incluído pela Lei Complementar 117/2004, de 2 de setembro, “consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no artigo 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional”. Não seria portanto necessária a decretação de estado de defesa, de estado de sítio, ou de intervenção federal para realizar aquilo que, em 1824, o artigo 148 da Constituição Imperial formulava mais claramente: “Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio”. Souza Neto opina:
>  
> Pretende-se, com a Lei Complementar 97/1999, artigo 15, que o Executivo Federal possa executar medidas de caráter excepcional, com séria limitação da autonomia estadual, sem se submeter aos controles que a Constituição prevê para os casos de estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal. Na verdade, significa permitir que medidas excepcionais sejam decretadas, sem que se observem as restrições constitucionalmente definidas e sem que se adotem os veículos formais adequados.
> Há quase duas décadas está em curso na América Latina debate sobre o papel das Forças Armadas. Para uns, devem ser empregadas apenas na defesa do território. Para outros, devem servir ao combate ao narcotráfico. Esta última opção foi adotada, por exemplo, na Colômbia, com forte apoio dos Estados Unidos, que, de fato, são os principais interessados. Trata-se de importante questão de Estado, que deve ser seriamente apreciada. O emprego das Forças Armadas na segurança pública deve ser evitado também para permitir que se concentrem na sua principal destinação constitucional, que é a defesa da soberania territorial do Brasil. Convertê-las em polícia é o caminho mais curto para que isso deixe de ocorrer.[4]
>  
> Na esteira da Chacina do Pan, o ensaio “A segurança pública na Constituição Federal de 1988” é dedicado “aos colegas da OAB-RJ pelos esforços que vêm empreendendo pela democratização da política de segurança no Estado do Rio de Janeiro”. Dois anos depois de sua publicação em 2008, a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República promulga a Lei Complementar 136/2010 de 25 de agosto, que atribui poder de polícia às Forças Armadas.
> 
> [1] PRESTES, Luiz Carlos. Um “poder” acima dos outros. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 28 jul. 1988. Disponível em:http://www.ilcp.org.br/prestes/index.php?option=com_content&view=article&id=216:um-qpoderq-acima-dos-outros&catid=26:documentos&Itemid=146. Acesso em: 2 nov. 2013.
> [2] Sobre o uso das Forças Armadas em função de segurança pública, ver SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Op. cit., no qual esta seção é baseada. Ver também BARROSO, Luís Roberto. Forças Armadas e ações de segurança pública: possibilidades e limites à luz da Constituição. Revista de Direito do estado, Rio de Janeiro, v. 2, n. 7, p. 43–68, jul./set. 2007. Disponível em:http://www.researchgate.net/publication/48347985_Foras_armadas_e_aes_de_segurana_pblica__possibilidades_e_limites__luz_da_constituio?ev=auth_pub. Acesso em: 5 nov. 2013. Também em: Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, v. 62, p. 360–382, 2007. Disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/749096/DLFE-45567.pdf/Revista_62_Pareceres_pg_360_a_382.pdf. Acesso em: 5 nov. 2007. Ver ainda ARRUDA, João Rodrigues. O uso político das Forças Armadas e outras questões militares. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.
> [3] SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. cit., p. 36–37.
> [4] Id., p. 39–40.
> 
> 2013/11/5 Hugo Leonardo Ribeiro <hugoleo75 em gmail.com>
> 
> Grande atitude desse advogado. São poucos como ele com coragem de defender a liberdade de expressão.
> Como o ditado atribuído à Voltaire:
> 
> "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las"
> 
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