[ANPPOM-Lista] [etnomusicologiabr] Nilo Batista denuncia a censura inconstitucional: A criminalização do funk

Carlos Palombini cpalombini em gmail.com
Qua Nov 6 16:22:40 BRST 2013


Hugo,

O Nilo é maravilhoso. Ele é o crítico mais radical do atual projeto de
segurança pública. Veja esta entrevista (e note que é de 2011):

http://youtu.be/xYjACv3LQXc

Eu passei os últimos dias analisando pareceres sobre a constitucionalidade
do uso das Forças Armadas em função de forças de segurança pública bem como
as várias leis complementares e decretos que, de 1999 a 2010, regulamentam
esse uso de modo a desvinculá-lo do imperativo constitucional da decretação
de estado de emergência, estado de sítio ou intervenção federal, isto é, de
modo a liberá-lo da estrita supervisão do Legislativo e do Judiciário, e de
modo a dissociá-lo também da cláusula constitucional de responsabilização
dos executores e da presidência da República. É apavorante! As Leis
Complementares  97/1999 e 117/2004 dizem com uma profusão de palavras
aquilo que, em 1824, o artigo 148 da Constituição Imperial formulava mais
claramente: “Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força
Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e
defesa do Imperio”. Pior, a Lei Complementar 136/2010 atribui poder de
polícia às Forças Armadas. Ou seja, enquanto se fala em desmilitarizar a
polícia, os governos PSDB e PT (essas falsas antíteses) agem
"proativamente" policizando as Forças Armadas para uso político (como vimos
no leilão de Libra ou, antes dele, no "leilão" macabro de moradores do
morro da Providência a integrantes da facção rival à da Provi, no morro da
Mineira). E pra completar, agora teremos leis contra "o terrorismo".

Faz mais de um ano que encontrei meu amigo Gustavo (MC Orelha). Gelouko,
seu DJ e empresário, me disse que Gustavo não recebia direitos autorais por
seu maior sucesso porque era um proibidão (hoje, com cerca de 12 milhões de
acessos no Youtube). Eu escrevi ao Nilo perguntando se algo poderia ser
feito. Passaram-se meses e não tive resposta. Até que um dia o filho dele,
Carlos Bruce Batista, me escreveu sobre o livro que estava organizando com
a colaboração do Nilo: um grupo de advogados e pessoas ligadas à cultura
escreveria sobre o funk proibido. Gustavo, quando começaram as
manifestações de junho, se envolveu no movimento e, embora houvesse dito
que não colaboraria mais que com a bela entrevista que me concedeu, acabou
nos enviando para publicação uma letra de protesto. (Confesso que prefiro
os proibidões dele). E Thiago dos Santos (Praga), o melhor dos compositores
de funk proibido (ele sobrevive de fazer música para outros MCs), nos
enviou um belo fragmento de três parágrafos sobre a guerra, também no calor
das manifestações.

Fico muito feliz em trabalhar com Gustavo, Thiago, Nilo, Carlos, Vera e
Adriana.

Abraço,

Carlos

(Abaixo, meu resumo sobre a questão da constitucionalidade)

 V. Artigo 142

Em 28 de julho de 1988, às vésperas da Constituição Federal, Luiz Carlos
Prestes denuncia “o preceito mais reacionário, ou ditatorial da nova
Constituição, a qual, na prática, pode a qualquer momento ser anulada ou
rasgada constitucionalmente!”[1] <#_ftn1> Ele se refere ao artigo 142, que
destina as Forças Armadas “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Contudo o artigo 144, “Da segurança pública”, não prevê o uso das Forças
Armadas em funções de polícia.[2] <#_ftn2> Através da interpretação
conjunta dos artigos 142 e 144, Souza Neto conclui que o emprego das Forças
Armadas em operações de segurança está reservado a situações excepcionais,
quando ocorra a decretação de estado de defesa, de estado de sítio ou de
intervenção federal. Uma vez que, nas três hipóteses, há restrição a
direitos fundamentais e relativização da autonomia estadual, a Constituição
submete as medidas aplicáveis a rigoroso controle legislativo e
jurisdicional. Seus executores podem ser responsabilizados pelos ilícitos
cometidos (art. 141), e o presidente da República pode responder por crime
de responsabilidade (art. 85) — entre outros, por atos que atentem contra
“o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”.

Afora essas três situações excepcionais, a Constituição Federal permite o
emprego das Forças Armadas em outras duas: a realização de investigações
criminais no âmbito de inquérito policial militar; a execução de operações
de policiamento ostensivo em contextos nos quais predomine o interesse
nacional, especialmente em visitas de chefes de estado. O segundo caso está
disciplinada pelo artigo 5º do Decreto 3.897/2001, de 24 de agosto. No que
concerne ao primeiro, Souza Neto faz duas ressalvas:



A primeira é a de que não há espaço, em nossa ordem constitucional, para
mandados genéricos, que indiquem, por exemplo, a possibilidade de promover
buscas em bairros inteiros. Sob o pretexto de realizar a apreensão de armas
de uso exclusivo das Forças Armadas, autoridades militares não podem
determinar a ocupação de uma favela, como já se verificou em nossa história
recente. A segunda ressalva diz respeito à necessidade de que a diligência
seja autorizada por autoridade judicial. As diligências de busca e
apreensão domiciliar são submetidas à chamada “reserva de jurisdição”, não
podendo ser determinadas pelas autoridades militares que presidem
inquéritos policiais militares, como determinava o Código de Processo Penal
Militar, em seu artigo 177, que foi revogado quanto a este aspecto.[3]<#_ftn3>



Finalmente, a legislação infraconstitucional comporta uma sexta
possibilidade de emprego das Forças Armadas em operações de segurança,
estabelecida em 9 de junho pela Lei Complementar 97/1999 em seu artigo 15,
§ 2º: “a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por
iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com
as diretrizes baixadas em ato do presidente da República, após esgotados os
instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, relacionados no artigo 144 da Constituição
Federal”. Nesse artigo, § 3º, incluído pela Lei Complementar 117/2004, de 2
de setembro, “consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no
artigo 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem
eles formalmente reconhecidos pelo respectivo chefe do Poder Executivo
Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao
desempenho regular de sua missão constitucional”. Não seria portanto
necessária a decretação de estado de defesa, de estado de sítio, ou de
intervenção federal para realizar aquilo que, em 1824, o artigo 148 da
Constituição Imperial formulava mais claramente: “Ao Poder Executivo
compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem
lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio”. Souza Neto opina:



Pretende-se, com a Lei Complementar 97/1999, artigo 15, que o Executivo
Federal possa executar medidas de caráter excepcional, com séria limitação
da autonomia estadual, sem se submeter aos controles que a Constituição
prevê para os casos de estado de defesa, estado de sítio e intervenção
federal. Na verdade, significa permitir que medidas excepcionais sejam
decretadas, sem que se observem as restrições constitucionalmente definidas
e sem que se adotem os veículos formais adequados.

Há quase duas décadas está em curso na América Latina debate sobre o papel
das Forças Armadas. Para uns, devem ser empregadas apenas na defesa do
território. Para outros, devem servir ao combate ao narcotráfico. Esta
última opção foi adotada, por exemplo, na Colômbia, com forte apoio dos
Estados Unidos, que, de fato, são os principais interessados. Trata-se de
importante questão de Estado, que deve ser seriamente apreciada. O emprego
das Forças Armadas na segurança pública deve ser evitado também para
permitir que se concentrem na sua principal destinação constitucional, que
é a defesa da soberania territorial do Brasil. Convertê-las em polícia é o
caminho mais curto para que isso deixe de ocorrer.[4] <#_ftn4>



Na esteira da Chacina do Pan, o ensaio “A segurança pública na Constituição
Federal de 1988” é dedicado “aos colegas da OAB-RJ pelos esforços que vêm
empreendendo pela democratização da política de segurança no Estado do Rio
de Janeiro”. Dois anos depois de sua publicação em 2008, a Subchefia para
Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República promulga a Lei
Complementar 136/2010 de 25 de agosto, que atribui poder de polícia às
Forças Armadas.

------------------------------

[1] <#_ftnref1> PRESTES, Luiz Carlos. Um “poder” acima dos outros. *Tribuna
da Imprensa*, Rio de Janeiro, 28 jul. 1988. Disponível em:
http://www.ilcp.org.br/prestes/index.php?option=com_content&view=article&id=216:um-qpoderq-acima-dos-outros&catid=26:documentos&Itemid=146.
Acesso em: 2 nov. 2013.

[2] <#_ftnref2> Sobre o uso das Forças Armadas em função de segurança
pública, ver SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Op. cit., no qual esta seção é
baseada. Ver também BARROSO, Luís Roberto. Forças Armadas e ações de
segurança pública: possibilidades e limites à luz da Constituição. *Revista
de Direito do estado*, Rio de Janeiro, v. 2, n. 7, p. 43–68, jul./set.
2007. Disponível em:
http://www.researchgate.net/publication/48347985_Foras_armadas_e_aes_de_segurana_pblica__possibilidades_e_limites__luz_da_constituio?ev=auth_pub.
Acesso em: 5 nov. 2013. Também em: *Revista de Direito da Procuradoria
Geral*, Rio de Janeiro, v. 62, p. 360–382, 2007. Disponível em:
http://download.rj.gov.br/documentos/10112/749096/DLFE-45567.pdf/Revista_62_Pareceres_pg_360_a_382.pdf.
Acesso em: 5 nov. 2007. Ver ainda ARRUDA, João Rodrigues. *O uso político
das Forças Armadas* e outras questões militares. Rio de Janeiro: Mauad,
2007.

[3] <#_ftnref3> SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. cit., p. 36–37.

[4] <#_ftnref4> Id., p. 39–40.

2013/11/5 Hugo Leonardo Ribeiro <hugoleo75 em gmail.com>

 Grande atitude desse advogado. São poucos como ele com coragem de defender
> a liberdade de expressão.
> Como o ditado atribuído à Voltaire:
>
> "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei
> até a morte o direito de você dizê-las"
>
>
>
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo em HTML foi limpo...
URL: <http://www.listas.unicamp.br/pipermail/anppom-l/attachments/20131106/5ad0c0c4/attachment.html>


Mais detalhes sobre a lista de discussão Anppom-L