[ANPPOM-Lista] Nilo Batista denuncia a censura inconstitucional: A criminalização do funk

Lucas Eduardo lucasgalon em gmail.com
Sex Nov 8 16:43:07 BRST 2013


Carlos e demais, estou achando bastante divertida esta discussão; Mas
gostaria , depois de ler todas as postagens, de perguntar, sem ironia (para
quebrar o tom dominante...), duas coisas:

Carlos, você realmente acredita que existe isomorfismo entre o Funk ou o
Rap (por ex.) e as oralidades e tradições regionais brasileiras urbanas ou
rurais (ou música popular e folclórica brasileira)????? - pergunto com base
no seu comentário sobre o que disse o Alvaro;

E, pegando carona no que você respondeu para o Rubens Ricciardi: você
realmente acredita que não existe uma indústria da cultura, ou cultural, ou
sistema que se apropriaria das manifestações populares etc. etc.
transformando-as em produtos bastante parecidos uns com os outros????

Antes de ser acusado de caricatura, esclareço que pergunto sem procurar
fazer juízo de valores, postulando sobre o que é pior ou melhor, ou, usando
a sua lógica, se tem ou não "vida intelectual"...etc. Apenas fiquei
curioso...

PS. Sobre o RAP nascer na Jamaica, confesso que também fiquei surpreso...

abraços


Em 7 de novembro de 2013 21:37, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>escreveu:

>
> Corrigindo:
>
> O rap surgiu na Jamaica na década de 196ater mer0,
>>
>
> O rap não surgiu na Jamaica, mas nos Estados Unidos, nos anos 1970. No
> máximo, o que se poderia dizer é que existiu um proto-rap na Jamaica.
>
>
>> foi levado para os Estados Unidos dez anos depois e, em seguida, se
>> espalhou pelo mundo.
>>
>
> Como não surgiu na Jamaica, mas nos Estado Unidos, não pode, infelizmente,
> ser "levado".
>
> A burguesia ficou apavorada. As letras da nova manifestação artística
>> falavam das dificuldades da vida dos habitantes de bairros pobres. O
>> protesto social, a irreverência e a pregação da violência chegaram a
>> amedrontar os donos do poder.
>>
>
> O rap, inicialmente, não falou de qualquer problema social, ele tinha
> caráter meramente diversivo. Quando, em *The Message*, em 1982,
> Grandmaster Flash an the Furious Five tornaram o rap "consciente", eles o
> fizeram por pressão da gravadora, embora achassem ridículo.
>
>
>>  Mas o poder de fogo do rap começou a cair quando, na década de 1990, o
>> gênero despertou o interesse da indústria fonográfica. Hoje, completamente
>> recuperado, tornou-se manifestação comercial e foi absorvido pelo sistema.
>> Dessa forma, as falas ritmadas do MC já não assustam a ninguém. Tudo se
>> tornou banal, comercial e bom para dançar. Não são apenas os jovens pobres
>> que dançam. As dondocas e as patricinhas também entram na onda. O rap de
>> protesto e o funk se fazem presentes até mesmo nas novelas da TV Globo.
>>
>
> Abstenho-me de me alongar. Digo apenas que o supracitado revela a
> ignorância profunda do autor quanto ao tema.
>
>
>>  Platão, em seu programa ético-musical da República, estudou as reações
>> emotivas da massa popular. Jean-Jacques Rousseau, no século 18, detalhou
>> alguns aspectos do fenômeno, lembrando que o intervalo de terça maior
>> excita o sentimento de alegria, podendo chegar a imprimir ideias de furor.
>> A terça menor, ao contrário, leva as massas à tristeza, despertando ternura
>> e suavidade. Não é à toa que todos os hinos nacionais, além de usarem ritmo
>> marcial, são escritos em modo maior. Observa-se, por outro lado, que quase
>> todos os cantos religiosos e fúnebres são em modo menor. As reflexões de
>> Platão e Rousseau se juntam a muitas outras que se seguiram, para
>> demonstrarmos o poder de fogo que a música tem para influir nos destinos do
>> homem e para formar mentalidades. Sou daqueles que acreditam que a vida
>> imita a arte.
>>
>
> Algumas linhas de erudição barata, com as quais se pensa ludibriar os
> tolos.
>
>
>>  Em 1966, quando a ditadura militar reprimia violentamente as
>> manifestações estudantis na Cinelândia, no Rio de Janeiro, escrevi uma obra
>> para orquestra de cordas e fita magnética intitulada *Dissolução*. Como
>> eu já estudava Física, todo mundo pensava que o título de minha peça tinha
>> conotação extra-musical com algo de científico, de Química: a “dissolução”
>> de alguma substância em laboratório. Mas, na verdade, a conotação era
>> política e de contestação. Na obra tento descrever, com sons, a dissolução,
>> feita pela polícia, de uma manifestação estudantil na rua. Na fita, além de
>> sons eletrônicos, uso ruídos dramáticos de vidraças quebradas.
>>
>
> Quanto engajamento, meu deus!
>
>
>>   Naquela época não era fácil se fazer música engajada politicamente. Eu
>> conseguia fazer, mas sempre de modo velado, disfarçado. A censura e a
>> perseguição caiam sempre sobre qualquer obra de arte que insinuasse, em seu
>> conteúdo ou em seu título, algo referente às questões sociais e políticas.
>> Os autores de obras daquele tipo, então consideradas subversivas, passavam
>> a ser perseguidos pelo donos do poder e até mesmo discriminados pelos
>> próprios colegas artistas. Quem era amigo de um subversivo, corria risco de
>> também ser considerado subversivo.
>>
>>  Hoje, os historiadores são sempre limitados quando analisam a censura
>> praticada contra a produção cultural na época do regime militar. Eles se
>> atêm ao estudo da repressão sofrida pela imprensa, pela literatura e pela
>> música popular. Desconhecem, totalmente, a censura que foi imposta, pelo
>> regime militar, à música erudita brasileira.
>>
>> Em abril de 1964 minha canção *Cabra da Peste*, escrita para voz de
>> barítono e piano, foi censurada pela direção da Rádio MEC do Rio de
>> Janeiro. Para que fosse tocada no programa *Jovens Compositores do
>> Brasil*, produzido por Dieter Lazarus, fui convidado a fazer nova
>> gravação nos estúdios da rádio, desde que mudasse a letra da música.
>>
>> Não faltaram, no passado, histórias de compositores brasileiros, na área
>> da música erudita, que viveram uma fase de ativismo político através da
>> música. Cláudio Santoro compôs, em 1953, sua *Quinta Sinfonia*, também
>> conhecida como *Sinfonia da Paz*, com texto da poetisa comunista
>> Antonieta Dias de Moraes. Gilberto Mendes, que à época estudava com
>> Santoro, também escreveu canções engajadas politicamente usando poemas da
>> mesma autora. Da mesma época data a obra *Canto do Soldado Morto*, de
>> Eunice Katunda, com texto do poeta comunista Rossini Camargo Guarnieri. Por
>> volta de 1973 o compositor paulista Willy Corrêa de Oliveira passou a
>> compor unicamente obras musicais com fins de doutrinação política,
>> militando junto às Comunidades Eclesiais de Base. Mas essa postura foi
>> abandonada alguns anos depois.
>>
>> Esses exemplos correspondem a fatos esporádicos e efêmeros, ocorridos
>> circunstancialmente nas vidas daqueles compositores. Alguns deles, logo
>> após aquelas experiências, voltaram a fazer arte pela arte. Outros chegaram
>> até mesmo a virar casaca e condenar aquelas suas próprias posições do
>> passado. Esse foi o caso, por exemplo, de Claudio Santoro. Em 1979, num
>> debate realizado durante a Bienal de Música Contemporânea Brasileira,
>> Santoro declarou que renegava todo aquele passado de engajamento
>> político e que se arrependia de ter defendido ideias de esquerda e de
>> tê-las embutido em algumas obras.
>>
>> Assim, são raros, no Brasil, casos de compositores de música erudita que
>> abraçaram e nunca mais abandonaram o ativismo político por meio da música,
>> tal como aconteceu em outros países. Podemos citar, como exemplos dessas
>> exceções: o alemão Hanns Eisler, o inglês Cornelius Cardew, o italiano
>> Luigi Nono, o chileno Sergio Ortega, o italiano Luca Lombardi, o austríaco
>> Wilhelm Zobl, o grego Thanos Mikroutsikos e o norte-americano Frederick
>> Rzewski.
>>
>>  Intelectuais sempre tiveram, e continuam a ter, enorme responsabilidade
>> com relação ao presente e ao futuro da humanidade. São eles os que,
>> detentores de credibilidade, conseguem tribunas e espaços para fazer eco às
>> suas convicções políticas. Por essa razão acredito ser obrigação do
>> compositor não se encerrar em uma torre de marfim. O compositor que se
>> tranca em torre de marfim é um compositor criminoso.
>>
>>  A música popular, mesmo aquela de protesto, sempre foi rapidamente
>> adotada como mercadoria pela indústria fonográfica. O rap e o funk também
>> seguiram a mesma trajetória. Mensagens políticas construídas para a venda,
>> não convencem a ninguém.
>>
>
> Quanta ingenuidade acerca do que seja "o político". Esperemos que seja bem
> intencionada.
>
>
>>  A música erudita moderna e de vanguarda é a única vertente musical que
>> resta, ainda hoje, não recuperada pelo sistema. Assim, ela passa a ser, ou
>> a continuar a ser, o único suporte capaz de dar credibilidade a mensagens
>> extra-artísticas de cunho social ou político.
>>
>
> Faz-me rir.
>
> Abraços,
> Carlos
>
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