[ANPPOM-Lista] Prova do ENEM

Genil Castro genilcastro em gmail.com
Ter Out 29 22:04:30 BRST 2013


Colegas

Responderei ao maestro, embora não me considere um especialista em
"ciências da música popular", até porque, na minha perspectiva, em
concordância com a visão "praxial" de Wayne Bowman e Sparshott, não existe
uma música popular, mas "músicas", populares e outras. Nessa via, "os
valores da(s) música(s) não são intrínsecos, incondicionais, ou absolutos,
e não existe significado fora das práticas e interações nas quais está
incorporada. Isso significa que o valor da música só pode ser medido em
referência a necessidades e interesses humanos específicos. E como
Sparshott demonstra, tais necessidades e interesses são múltiplos e
diversos como a própria atividade humana em si" (BOWMAN in ELLIOT et al,
2005). Nesse sentido, falo aqui, na perspectiva da musica popular que tem
como parâmetros de compreensão intelectual a sistematização dos aspectos
verticais e horizontais proposta pelo Jazz (PACHECO e CASTRO, 2010) e que
faz parte daquilo que o o pesquisador Dmitri Tymoczko considera  como
"Extended Common Practice".

Não conheço os livros mencionados pelo maestro Jorge Antunes, no entanto,
me interessa saber onde foi recolhida essa informação a respeito da
influência  desses livros no trabalho de Ian Guest e de Chediak (aluno de
Guest). Suponho que as influências de Guest (que já  entrevistei)  e
consequentemente de Chediak, estejam ligadas diretamente à Berklee College
of Music, de Boston nos E.U.A, onde Guest estudou e onde boa parte da
sistematização da relação escala/acorde, do ensino da harmonia  e da
improvisação de um "determinado tipo" de música popular,  se difundiu,
inclusive pelo Brasil (ver manuais de Guest, FREITAS 1994,2010;PACHECO e
CASTRO,2010 etc..) . A título de curiosidade, é importante observar que a
Influência do compositor e matemático russo Joseph Schillinger foi crucial
nessa sistematização, inclusive  a instituição tinha o nome de Schillinger
House antes de se chamar Berklee…

Agora, não me recordo de ter visto  a expressão DÓ MAIOR, ou Lá maior ou
Sol maior ou qualquer outra do tipo, sendo utilizada para representar a
tríade de dó maior ou qualquer outra tríade no trabalho de Ian Guest. No
entanto, a expressão *acorde ou tríade de DÓ MAIOR* é corrente em todo o
tipo de material que já li, inclusive em  autores acadêmicos, como Tymoczko
e Antokoletz, por exemplo. A palavra *MAIOR* não é exclusividade da
tonalidade, por isso existe a expressão *acorde de DÓ MAIOR*, que designa a
estrutura, o tipo da tríade, mas não determina a função, nem a tonalidade
em que estaria essa *tríade de DÓ MAIOR. Considerando *como fundamental  a
nota Dó temos o acorde ou tríade de DÓ MAIOR, não vejo exatamente um
problema nisso*. *Obviamente, imagino que esta seja a questão mais profunda
colocada pelo maestro, o acorde não existe "per se", em especial numa
perspectiva tonal,  mas sempre tem um endereço funcional, pode ser o I,  o
 bVI, o bIII de alguma tonalidade, se relaciona com um contexto. Mas, de
qualquer maneira, ele continuaria sendo uma tríade maior de Dó com
diferentes funções. Talvez se designarmos como *tríade maior de Dó* ficaria
mais clara a situação, ou não?

No entanto, se encarássemos essa estrutura ( DÓ-MI-SOL)  pela perspectiva
dos "Significados Múltiplos", pelo "Mehrdheutigkeit" de Weber, Vogler etc
(ver SASLAW,1992,; PACHECO,2010; FREITAS, 2010) a suposta tríade teria
dezenas de diferentes nomes possíveis, em especial, se considerarmos as
possibilidades enarmônicas. Por exemplo, a estrutura poderia ser encarada
como um Ab7M(#5) sem a fundamental, no caso seria  o bIII das escalas de Fá
menor Harmônica ou Fá menor Melódica, ou ainda, o bVI da escala de Dó maior
Harmônica, poderia ainda ser o I da Escala de Lá bemol Lídio Aumentado
(terceiro modo da escala menor melódica ou a sétima rotação da Escala
Acústica (Si bemol acústica) de Antokoletz (1993) etc. Desculpe o uso da
cifra aí (Ab7M#5), mas explicarei de onde vem isso, e não considero que
seja de uma prática amadorística e leiga não, vem de um desdobramento da
tradição teórica do século dezenove.

Na tradição teórica Austro-germânica do século dezenove  autores como
 Gottfried Weber já propunham sete tipos básicos de acordes  as tríades *
maiores*, menores e diminutas e quatro acordes de sétima (seventh chords,
tétrades) dominante, *maior*, menor e meio-diminuta ( ver livros do próprio
Weber ou The Cambridge  History of Western Theory, Christensen organizador)
. A tétrade diminuta era considerada, por vários  autores da época e mais
tarde também por Schoenberg ( ver Funções Estruturais da Harmonia) como um
acorde de nona menor sem a fundamental. Suponho que o *MAIOR* ( sem
perfeito) aí do DÓ MAIOR venha dessa caracterização, dessa sistematização
das tríades e tétrades feita por Weber, já que no final do século dezenove
seu trabalho se espalhou para a França e posteriormente para a América do
Norte (ver CHRISTENSEN, 2002).

Desde Rameau ( aliás, no século dezessete já se falava nisso)  sabemos que
 todo acorde é gerado de algum grau de alguma escala de determinado tom,
como nos explica o maestro acima. Todo acorde tem um endereço funcional e
na maior parte dos livros, inclusive os dos "amadores e leigos"( reitero
que os mencionados pelo maestro, Mascarenhas e Reis, desconheço) utilizamos
os numerais romanos I II  V  ii  vi etc para indicar os graus nas
diferentes escalas. Mesmo assim, voltando ao DÓ MAIOR, nos livros de Weber
o uso da expressão "acorde de  Dó Maior", "C major chord"  "C dur akkord",
 inclusive representado por variações da letra  C é utilizado correntemente
para designar a *tríade maior de Dó*, assim como nos trabalhos a que me
referi anteriormente.Também vem daí (tradição Austro germânica) toda a
simbologia hoje utilizada nas "representações simbólicas" ou  "cifragens"
de acordes pelos leigos e amadores e  por toda  a sistematização dos
aspectos verticais e horizontais proposta pelo Jazz ( ver PACHECO e CASTR0,
2010).



Genil de Castro Pacheco Júnior


2013/10/28 Jorge Antunes <antunes em unb.br>

> Colegas:
>
> Não existe nota "Dó Maior".
>
> Mas esse erro do ENEM vem a calhar.
> Faz-me lembrar de outro equívoco comum, que acontece quando músicos chamam
> o acorde DÓ-MI-SOL de acorde de Dó Maior.
> Esquecem-se de que o acorde DÓ-MI-SOL não é exclusividade do "Dó Maior".
> Ele existe em Fá Maior, em Dó Maior, em Lá menor, em Sol Maior etc.
> O acorde DÓ-MI-SOL é apenas um acorde Perfeito Maior.
> Ele não é "acorde de Dó Maior". Ele não é "o Dó Maior".
> Ele é apenas o acorde que se faz no I grau de Dó Maior, no V grau de Fá
> maior, no III grau de Lá menor, ....
>
> Os livros de "Violão Sem Mestre", tipo Dilermando Reis, Mario Mascarenhas,
> etc, difundiram a nomenclatura leiga e amadorística, que foi abraçada por
> Almir Chediak, Yan Guest, etc, e a prática se estabeleceu.
>
> Falta uma discussão sobre isso.
> Com a palavra os especialistas nas ciências da música popular.
>
> Jorge Antunes
>
>
>
>
> Em 28 de outubro de 2013 11:06, Lílian <lilian_sgoncalves em yahoo.com.br>escreveu:
>
>> Caros colegas,
>>
>> Seria o caso da ANPPOM manifestar-se quanto a esta questão?
>>
>> Att.
>>
>> --
>> Lílian Sobreira Gonçalves
>> Mestre em Música - UFPR
>> Especialista em Educação Musical
>> Especialista em Regência Coral
>>
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