[ANPPOM-Lista] RES: Prova do ENEM

Rubens Ricciardi rrrr em usp.br
Qua Out 30 04:47:27 BRST 2013


Meus caros colegas,

 

Existe a nota Dó e existe o acordo perfeito maior cuja fundamental é a nota Dó (lembrando que perfeito vem do latim perfectio, ou seja, algo que fecha o círculo enquanto completude - em português particípio de perfazer. A idéia, portanto, é de algo completo, íntegro).

Já quem fala de uma “nota Dó maior”, de fato, está confundindo nota com acorde. Não faz sentido. Neste caso o Prof. Antunes tem toda razão, em minha opinião.

O acorde perfeito maior Dó maior é reconhecido verticalmente (Dó-Mi-Sol) por ter a 1ª J (primeira justa), a 3ª  M (terça maior) e a 5ª  J (quinta justa), bem como o acorde perfeito menor Dó menor é reconhecido verticalmente (Dó-Mib-Sol) por ter a 1ª J (primeira justa), a 3ª m (terça menor) e a 5ª J (quinta justa). Nos acordes perfeitos, por exemplo, a 1ª e a 5ª são sempre J, variando o modo, com a 3ª m no modo menor e a 3ª M no modo maior (e só existe este sentido de modo no sistema tonal).

Quanto à função, aí vai depender do contexto funcional dentro do sistema tonal (de acordo, por exemplo, com a obra ainda hoje referencial para a teoria funcional, Beitrag zur durmolltonalen Harmonielehre (1931), de Wilhelm Maler, professor de Diether de la Motte, outro autor referencial nesta teoria) - e aproveitando para lembrar, portanto, que também existe a belíssima teoria funcional (e que a teoria de graus não é á única). Na tonalidade de Dó maior, por exemplo, o acorde perfeito de Dó maior (Dó-Mi-Sol) pode ter a função de T, [D] S, [S] D etc.. Já por exemplo, se fosse na tonalidade de Lá menor, poderia ser tP, [D] sP, etc.

 

Abs cordiais a todos,

 

Rubens R. Ricciardi

 

 

De: anppom-l-bounces em iar.unicamp.br [mailto:anppom-l-bounces em iar.unicamp.br] Em nome de Genil Castro
Enviada em: terça-feira, 29 de outubro de 2013 22:05
Para: Jorge Antunes; anppom-l em iar.unicamp.br; Lílian; Daniel Lemos; Ticho Lavenère; Maria de Barros; Beatriz Magalhaes Castro; Maria Alice Volpe
Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Prova do ENEM

 

Colegas

 

Responderei ao maestro, embora não me considere um especialista em "ciências da música popular", até porque, na minha perspectiva, em concordância com a visão "praxial" de Wayne Bowman e Sparshott, não existe uma música popular, mas "músicas", populares e outras. Nessa via, "os valores da(s) música(s) não são intrínsecos, incondicionais, ou absolutos, e não existe significado fora das práticas e interações nas quais está incorporada. Isso significa que o valor da música só pode ser medido em referência a necessidades e interesses humanos específicos. E como Sparshott demonstra, tais necessidades e interesses são múltiplos e diversos como a própria atividade humana em si" (BOWMAN in ELLIOT et al, 2005). Nesse sentido, falo aqui, na perspectiva da musica popular que tem como parâmetros de compreensão intelectual a sistematização dos aspectos verticais e horizontais proposta pelo Jazz (PACHECO e CASTRO, 2010) e que faz parte daquilo que o o pesquisador Dmitri Tymoczko considera  como "Extended Common Practice".

 

Não conheço os livros mencionados pelo maestro Jorge Antunes, no entanto, me interessa saber onde foi recolhida essa informação a respeito da influência  desses livros no trabalho de Ian Guest e de Chediak (aluno de Guest). Suponho que as influências de Guest (que já  entrevistei)  e consequentemente de Chediak, estejam ligadas diretamente à Berklee College of Music, de Boston nos E.U.A, onde Guest estudou e onde boa parte da sistematização da relação escala/acorde, do ensino da harmonia  e da improvisação de um "determinado tipo" de música popular,  se difundiu, inclusive pelo Brasil (ver manuais de Guest, FREITAS 1994,2010;PACHECO e CASTRO,2010 etc..) . A título de curiosidade, é importante observar que a Influência do compositor e matemático russo Joseph Schillinger foi crucial nessa sistematização, inclusive  a instituição tinha o nome de Schillinger House antes de se chamar Berklee…

 

Agora, não me recordo de ter visto  a expressão DÓ MAIOR, ou Lá maior ou Sol maior ou qualquer outra do tipo, sendo utilizada para representar a tríade de dó maior ou qualquer outra tríade no trabalho de Ian Guest. No entanto, a expressão acorde ou tríade de DÓ MAIOR é corrente em todo o tipo de material que já li, inclusive em  autores acadêmicos, como Tymoczko e Antokoletz, por exemplo. A palavra MAIOR não é exclusividade da tonalidade, por isso existe a expressão acorde de DÓ MAIOR, que designa a estrutura, o tipo da tríade, mas não determina a função, nem a tonalidade em que estaria essa tríade de DÓ MAIOR. Considerando como fundamental  a nota Dó temos o acorde ou tríade de DÓ MAIOR, não vejo exatamente um problema nisso. Obviamente, imagino que esta seja a questão mais profunda colocada pelo maestro, o acorde não existe "per se", em especial numa perspectiva tonal,  mas sempre tem um endereço funcional, pode ser o I,  o  bVI, o bIII de alguma tonalidade, se relaciona com um contexto. Mas, de qualquer maneira, ele continuaria sendo uma tríade maior de Dó com diferentes funções. Talvez se designarmos como tríade maior de Dó ficaria mais clara a situação, ou não?

 

No entanto, se encarássemos essa estrutura ( DÓ-MI-SOL)  pela perspectiva dos "Significados Múltiplos", pelo "Mehrdheutigkeit" de Weber, Vogler etc (ver SASLAW,1992,; PACHECO,2010; FREITAS, 2010) a suposta tríade teria dezenas de diferentes nomes possíveis, em especial, se considerarmos as possibilidades enarmônicas. Por exemplo, a estrutura poderia ser encarada como um Ab7M(#5) sem a fundamental, no caso seria  o bIII das escalas de Fá menor Harmônica ou Fá menor Melódica, ou ainda, o bVI da escala de Dó maior Harmônica, poderia ainda ser o I da Escala de Lá bemol Lídio Aumentado (terceiro modo da escala menor melódica ou a sétima rotação da Escala Acústica (Si bemol acústica) de Antokoletz (1993) etc. Desculpe o uso da cifra aí (Ab7M#5), mas explicarei de onde vem isso, e não considero que seja de uma prática amadorística e leiga não, vem de um desdobramento da tradição teórica do século dezenove.

 

Na tradição teórica Austro-germânica do século dezenove  autores como  Gottfried Weber já propunham sete tipos básicos de acordes  as tríades maiores, menores e diminutas e quatro acordes de sétima (seventh chords, tétrades) dominante, maior, menor e meio-diminuta ( ver livros do próprio Weber ou The Cambridge  History of Western Theory, Christensen organizador) . A tétrade diminuta era considerada, por vários  autores da época e mais tarde também por Schoenberg ( ver Funções Estruturais da Harmonia) como um acorde de nona menor sem a fundamental. Suponho que o MAIOR ( sem perfeito) aí do DÓ MAIOR venha dessa caracterização, dessa sistematização das tríades e tétrades feita por Weber, já que no final do século dezenove seu trabalho se espalhou para a França e posteriormente para a América do Norte (ver CHRISTENSEN, 2002).

 

Desde Rameau ( aliás, no século dezessete já se falava nisso)  sabemos que  todo acorde é gerado de algum grau de alguma escala de determinado tom, como nos explica o maestro acima. Todo acorde tem um endereço funcional e na maior parte dos livros, inclusive os dos "amadores e leigos"( reitero que os mencionados pelo maestro, Mascarenhas e Reis, desconheço) utilizamos os numerais romanos I II  V  ii  vi etc para indicar os graus nas diferentes escalas. Mesmo assim, voltando ao DÓ MAIOR, nos livros de Weber o uso da expressão "acorde de  Dó Maior", "C major chord"  "C dur akkord",  inclusive representado por variações da letra  C é utilizado correntemente para designar a tríade maior de Dó, assim como nos trabalhos a que me referi anteriormente.Também vem daí (tradição Austro germânica) toda a simbologia hoje utilizada nas "representações simbólicas" ou  "cifragens" de acordes pelos leigos e amadores e  por toda  a sistematização dos aspectos verticais e horizontais proposta pelo Jazz ( ver PACHECO e CASTR0, 2010). 

 

 

 

Genil de Castro Pacheco Júnior

 

2013/10/28 Jorge Antunes <antunes em unb.br>

Colegas:

 

Não existe nota "Dó Maior".

 

Mas esse erro do ENEM vem a calhar.

Faz-me lembrar de outro equívoco comum, que acontece quando músicos chamam o acorde DÓ-MI-SOL de acorde de Dó Maior.

Esquecem-se de que o acorde DÓ-MI-SOL não é exclusividade do "Dó Maior". Ele existe em Fá Maior, em Dó Maior, em Lá menor, em Sol Maior etc.

O acorde DÓ-MI-SOL é apenas um acorde Perfeito Maior.

Ele não é "acorde de Dó Maior". Ele não é "o Dó Maior".

Ele é apenas o acorde que se faz no I grau de Dó Maior, no V grau de Fá maior, no III grau de Lá menor, ....

 

Os livros de "Violão Sem Mestre", tipo Dilermando Reis, Mario Mascarenhas, etc, difundiram a nomenclatura leiga e amadorística, que foi abraçada por Almir Chediak, Yan Guest, etc, e a prática se estabeleceu.

 

Falta uma discussão sobre isso.

Com a palavra os especialistas nas ciências da música popular.

 

Jorge Antunes

 

 

 

Em 28 de outubro de 2013 11:06, Lílian <lilian_sgoncalves em yahoo.com.br> escreveu:

Caros colegas,

Seria o caso da ANPPOM manifestar-se quanto a esta questão?

Att.

-- 
Lílian Sobreira Gonçalves
Mestre em Música - UFPR
Especialista em Educação Musical
Especialista em Regência Coral



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