[ANPPOM-Lista] Para refletir!

Daniel Puig danielpuig em me.com
Dom Mar 2 10:05:29 BRT 2014


olá a tod em s,

posso contribuir com uma outra perspectiva sobre o mesmo assunto. Não só por ter passado agora um período de dois anos junto à Universität der Künste (UdK-Berlin, Universidade das Artes, uma das mais conceituadas na área), na Alemanha, como também por conhecer de perto a realidade do sistema educacional alemão em todos os níveis, a partir de diferentes experiências, aqui e lá. agradeço por isso, em parte, ao governo brasileiro e às universidades federais às quais me encontro ligado, bem como ao DAAD, pela bolsa que possibilitou essa estadia.

para os alemães, não faz sentido que um artista reconhecido pelo seu trabalho nos meios e aparelhos sociais em que atua, tenha de se submeter a um curso de mestrado ou doutorado. essa impressão é compartilhada tanto por professoras e professores da academia, quanto pelo público, por aquelas e aqueles que se encontram fora dela. tendo conversado sobre o assunto com agentes culturais (alguns de forte impacto na área), estudantes, profissionais da educação, artistas, etc., observei que a opinião estabelecida é de que mais vale para a sociedade conferir a artistas a oportunidade de desenvolverem seu trabalho, na produção e divulgação de obras, do que exigir deles uma formação acadêmica. isso, porém, não os afasta do ensino, onde são reconhecidos e acolhidos pelo conhecimento que a própria atividade artística lhes confere, sem maiores requisitos, além de um trabalho coerente e aprofundado na sua linguagem.

é importante ressaltar que a educação básica nesse país dá às pessoas em geral a base de conhecimento para que formem uma opinião sobre o assunto. embora esteja passando por forte questionamento, principalmente em virtude dos resultados obtidos nos últimos exames do PISA (http://www.oecd.org/pisa/keyfindings/pisa-2012-results.htm), o sistema educacional alemão confere oportunidades a todo cidadão do país no que toca suas opções de educação durante a vida, investindo fortemente no esclarecimento acerca destas. não é justo comparar Brasil e Alemanha, e isso fica claro tomando como base, por exemplo, apenas a densidade demográfica por região e o número de habitantes dos dois países. mesmo sem levar em conta as suas diferentes histórias, cheias de especificidades as mais diversas. embora não conheça de perto a realidade americana, acredito que o mesmo se aplica.

o que acho perigoso, é olharmos apenas para um modelo (como o americano) — o que temos feito em demasia na história da educação brasileira. sei que não foi isso que foi proposto aqui, mas acredito que nunca seja demais para nós discutir essa questão. penso nisso como perigoso, não só por ser -um- modelo, mas também pelo olhar que se planta daqui para fora. acredito pessoalmente que precisamos olhar para dentro, para o que andamos construindo com os dias de nossa história. onde está uma universidade federal ou estadual que tenha decidido aplicar ou estender as ideias de Paulo Freire, por exemplo, para as bases e pressupostos de seu ensino em nível superior? isso, para citar um grande pensador da educação contemporânea, reconhecido mundialmente e a respeito do qual muitas vezes se esquece, em outros países, que foi brasileiro. e o restante de nossa história de pensadores e pensadoras em educação, valiosíssima? a lista de nomes, experimentos e iniciativas seria enorme e abarcaria, no mínimo, dois séculos, com todos seus defeitos, porém criativos e inovadores em muitos aspectos.

não estou querendo dizer com isso que nada foi feito ou ignorando as iniciativas que vemos em diferentes universidades, sistemas de ensino e regiões do nosso país. por favor, de forma alguma. apenas chamando a atenção para um tipo de olhar arraigado também na nossa história; talvez, em algumas pessoas, uma postura — especialmente naquelas que, não tendo acesso a uma educação realmente esclarecedora (o que não é o caso das que estão nesta discussão), param na visão firmemente plantada durante o regime militar, de que o que vem de fora é melhor.

como exemplo do dia a dia de nossa história, poderia olhar apara a educação no estado do rio de janeiro, com um dos mais baixos salários para professores no país, consequente alta rotatividade de profissionais que não se sentem estimulados a permanecer ali, sem equipamentos de qualidade para a maior parte da população, sem investimentos, estruturas e programas continuados... por aí vai! já perdemos, no mínimo, três gerações de cidadãos mais plenos, pelo menos em educação! quem irá cuidar deste estado nos próximos anos??! os resultados já estão aí, só não vê quem não quer... muito triste, não?

atualmente, a academia alemã encontra-se pressionada. justamente por essa mesma postura de -um- modelo, guardadas as proporções. precisa internacionalizar-se e, assim: abre mestrados e doutorados; usa o inglês, junto ao alemão, para diversos cursos; incentiva os artistas que nela se encontram a procurar cursar uma pós-graduação, etc. tudo isso, com suas vantagens e desvantagens, ciente em grande escala dos compromissos, para o bem e para o mal, que esse movimento suscita. e, principalmente, de olho firme na enorme contribuição que a internacionalização de seu ensino universitário tem na economia (!! sim, ECONOMIA !!) do país.

poderia me estender mais, mas fico aqui. apenas para colocar mais alguma lenha na fogueira. na Alemanha, artistas também tem lugar na academia, junto àquelas e àqueles (diga-se, de passagem, que as políticas de gênero lá são interessantíssimas no meio acadêmico) que seguiram a carreira acadêmica desde o início. mesmo assim, sofre pressão para seguir algo que tem se estabelecido como um padrão internacional: quem leciona em universidades deve ter passado por uma pós-graduação, em especial, um doutorado. com todas as desvantagens que eles enxergam nisso.

abraços,

daniel puig

p.s.: só por curiosidade, vejam o caso de Ai Weiwei, convidado em 2012 a ser professor na UdK, mesmo sem pós-graduação — convite que foi -decisivo- na pressão internacional para sua soltura.


Em 01/03/2014, à(s) 10:45, Zélia Chueke <zchuekepiano em ufpr.br> escreveu:

> Querida Cristina ,
> 
> Antes de mais nada, de novo, e sempre, parabéns pela carreira que
> desenvolve com talento, competência e dedicação.
> 
> Não poderia concordar mais com você. Minha experiência de 10 anos nos US
> assim como a sua me deram uma visão bem ampla e pratica destes aspectos.
> E é isto mesmo : who cares?
> 
> O pragmatismo americano, que aprecio sinceramente, é capaz de separar as
> competências e abrir espaço, na universidade, para que o métier do musico
> seja transmitido pelos grandes mestres, no caso das praticas
> interpretativas (musical performance), conferindo o titulo de DMA e
> exigindo uma quantidade X de apresentações dentro e fora da instituição, 
> possibilitando ainda outras duas modalidades : o DMA para o performer que
> tem o perfil de pesquisador e, além das X apresentações artisticas, deixa
> documentado o resultado de seu trabalho em 150 paginas (let's put it this
> way) e também um terceiro perfil, o PHD em perfomance, que escreve suas
> 300 paginas (ou mais) além de apresentar os recitais devidos dentro e fora
> da universidade (veja SUNY, NYUniversity, entre outras).
> 
> Cabe ao candidato saber escolher o contexto que mais lhe convier. O auto
> conhecimento é essencial, pois da mesma forma que não formamos um
> performer em quatro anos de graduação e muito menos em três ou quatro de
> doutorado, se este não vier munido de uma bagagem anterior, de solida
> formação (dentro ou fora do conservatorio) enquanto musico,também não
> formamos um pesquisador, se este não vier munido de uma passado de
> pesquisa, de interesse, de diversas competências que configuram o perfil
> do "scholar".
> 
> A discussão existe quando se pretende combinar num mesmo individuo duas
> competências diversas sem se levar em conta que existem estes três perfis
> diferentes percebidos nos US e onde foram criados programas condizentes
> com a demanda artistico-acadêmica.
> 
> Assim, resumidamente, coloquei minhas considerações e fico muito feliz que
> esta discussão esteja ocorrendo, esperando que encontremos uma solução
> pratica ao invés de tentar encaixar os performers num modelo que não lhes
> convém, prejudicando a transmissão do métier de um lado, a formação de
> pesquisadores de outro, e a possivel combinação destes dois quando for o
> caso.
> 
> 
> 
> 
>> 
>> 
>> Date: Fri, 28 Feb 2014 09:07:48 -0300
>> From: rcoelho em usp.br
>> To: cgerling em ufrgs.br
>> CC: anppom-l em iar.unicamp.br; anppomcadastro em gmail.com
>> Subject: Re: [ANPPOM-Lista] Para refletir!
>> 
>> Olá Cristina,parabéns pela Cátedra de Indiana patrocinada pela
>> Fulbright! É um belíssimo reconhecimento de seu talento e trabalho
>> árduo. A maravilhosa Universidade de Indiana em Bloomington ao lhe
>> conceder essa honraria inscreve o seu nome entre o dos "Grandes Nomes".
>> Justíssimo!abraçosRodolfo
>> 
>> De: "temp" <cgerling em ufrgs.br>
>> Para: corvisier em usp.br
>> Cc: rcoelho em usp.br, "Anppom CADASTRO" <anppom-l em iar.unicamp.br>, "Anppom
>> CADASTRO" <anppomcadastro em gmail.com>
>> Enviadas: Quinta-feira, 27 de Fevereiro de 2014 11:13:54
>> Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Para refletir!
>> 
>> Prezados, estou passando um semestre letivo em Bloomington, Indiana
>> através de um programa denominado "Indiana Chair"  sob os auspícios da
>> Comissão Fulbright e da própria universidade.  Como sabem, esta é uma
>> escola de música simplesmente espetacular. Conheço várias escolas
>> norte-americanas, tive o privilégio de estudar em algumas instituições
>> de altíssimo nível. Por isto posso dizer com convicção que existem
>> poucas com  a estrutura física de Indiana/Bloomington, sobretudo, o seu
>> elevadíssimol nível artístico. Pois bem, aqui os artistas/docentes são
>> escolhidos pela atuação artística. Os "grandes nomes" tais como Menahem
>> Pressler e Evelyne Brancart, entre tantos,  são detentores de um saber
>> originado da grande tradição oral de tocar e de ensinar. Este é o fator
>> que define a qualidade artística da escola, provavelmente a maioria não
>> têm titulações convencionais, quem está ligando para isto onde se faz
>> música de verdade?Abraços, Cristina
>> On Feb 26, 2014, at 7:24 AM, corvisier em usp.br wrote:Caro Rodolfo, Acho que
>> você se enganou. Existem sim professores artistas, sem doutorado,
>> lecionando em tempo integral nas universidades estatais americanas. Posso
>> citar um exemplo do meu ex-professor de piano  e um notável artista Abbey
>> Simon, que apesar dos seus 91 anos,  ainda leciona em tempo integral na
>> Universidade de Houston.
>> Fernando Corvisier
>> De: rcoelho em usp.br
>> Para: "Mario Marçal Jr" <mariomarcaljr em gmail.com>
>> Cc: "Anppom CADASTRO" <anppom-l em iar.unicamp.br>, "Anppom CADASTRO"
>> <anppomcadastro em gmail.com>
>> Enviadas: Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2014 18:04:03
>> Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Para refletir!
>> 
>> Meu caro Mario,Nem tão bom assim. Quem conheceu de perto a vida
>> universitária americana (fiz doutorado e pós-doc por lá) sabe que esse
>> artigo é falacioso.O primeiro aspecto a considerar é que as
>> universidades americanas mencionadas são privadas. E mesmo quando
>> (parcialmente) estatais tem uma autonomia muito maior do que as nossas
>> públicas. Lembre-se que as universidades brasileiras privadas também
>> podem contratar (e contratam) professores sem doutorados e mestrados. Às
>> vezes até despedem um professor quando ele completa uma titulação
>> porque o salário deveria aumentar (conheço colegas que viveram essa
>> experiência).Na prática, na área de música, nunca conheci um professor
>> de universidade norte-americana sem titulação acadêmica: doutorado para
>> as áreas teóricas, ou mestrado para as cadeiras de ensino de
>> instrumento. Havia (e há tempos atrás com mais frequência) a prática
>> de contratar grandes artistas sem titulação, mas de grande reputação.
>> Eleazar de Carvalho, por exemplo, foi professor de Yale. Mas não o era em
>> tempo integral. Regia a OSESP durante o ano e reservava alguns meses das
>> férias no Brasil (que coincidem com um período letivo no hemisfério
>> norte) para dar aulas de regência por lá. Era uma espécie de professor
>> honorário. Quem “carregava o piano†no resto do ano era outro
>> professor menos conhecido, mas portador de titulação.  E esse tipo de
>> contrato é cada fez menos frequente.Os doutorados, aqui e lá, são
>> essenciais para a formação de um pesquisador e de um docente. Grandes
>> profissionais (ou artistas, no nosso caso) não são necessariamente bons
>> pesquisadores e nem mesmo bons professores. São carreiras e competências
>> diversas.Creio que na nossa área o problema é outro, e bem mais
>> específico. A universidade pública brasileira fez uma mistura dos
>> modelos universitários europeus e americanos, mas engessou as
>> flexibilidades que porventura tais modelos tivessem. Tempos atrás
>> podíamos contratar mestres. Isso está se tornando cada vez mais raro. A
>> USP, onde trabalho, não o permite mais, em nenhuma hipótese. Isso
>> dificulta muito a contratação de professores de instrumento. Os cursos
>> de música que pretendem oferecer bacharelados em instrumento sofrem pela
>> escassez de profissionais competentes com titulação de doutor. Esse tipo
>> de profissional não tem vocação e nem interesse pela pesquisa
>> acadêmica. Aliás, não se deveria esperar que tivessem, pois não é a
>> natureza de sua profissão. Por isso as universidades americanas contratam
>> regularmente portadores de títulos de mestres para essas cadeiras (e não
>> exigem que eles façam pesquisa) e as europeias contratam esses
>> professores nos conservatórios e não nas universidades. Por outro lado
>> projetos em cursos de música de nossas universidades que pretendam se
>> voltar para uma formação fortemente teórica, como para as carreiras de
>> musicólogos, professores de teoria, e mesmo educadores e compositores,
>> principalmente os que se dedicam às novas tecnologias, continuam a sofrer
>> uma forte resistência dos colegas, por razões que tem a ver com disputas
>> de mercado de trabalho e não com a natureza do trabalho que realizam, que
>> é perfeitamente adequado ao perfil de um conhecimento
>> universitário.Lembremos que a universidade não é apenas um local de
>> formação profissional. É o espaço do saber, profissionalizante ou
>> não. Nem é a universidade o único local de formação profissional. Por
>> exemplo, a escolinha de futebol do Santos F.C. tem formado profissionais
>> muito bem sucedidos. Quem não gostaria de ganhar o salário do
>> Neymar?Não apenas por isso, mas também por isso, vira e mexe ressurgem
>> as críticas do teor desse texto aos professores titulados, como se eles
>> representassem uma reserva de mercado. Criar critérios de seleção não
>> é fazer reserva de mercado, é cuidar do resultado da contratação para
>> os fins pretendidos.O que a universidade brasileira deveria reconhecer é
>> a natureza diversa dos diferentes professores que são necessários para
>> se montar um curso de música e colocar exigências de concurso, modelos
>> de contrato e planos de carreiras diferenciados para as diferentes
>> situações. Muita disputa interna desnecessária seria evitada com isso.
>> Mas parece que isso é um ovo que nem Colombo conseguiria colocar em
>> pé.Rodolfo Coelho de Souza
>> De: "Mario Marçal Jr" <mariomarcaljr em gmail.com>
>> Para: "Anppom CADASTRO" <anppomcadastro em gmail.com>, "Anppom CADASTRO"
>> <anppom-l em iar.unicamp.br>
>> Enviadas: Domingo, 23 de Fevereiro de 2014 13:18:20
>> Assunto: [ANPPOM-Lista] Para refletir!
>> 
>> Olá Caríssimos Colegas!!!Um excelente texto para nossa reflexão!
>> !!http://ordemlivre.org/posts/sem-doutorado-entao-fora?fb_action_ids=10151995942207712&fb_action_types=og.likes&fb_source=other_multiline&action_object_map=%5B1389838204606209%5D&action_type_map=%5B%22og.likes%22%5D&action_ref_map=%5B%5DGrande
>> abraço
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> Zélia Chueke, DMA
> Pianist - researcher
> Professor of Music- DeArtes, UFPR
> Permanent Researcher - Observatoire Musical Français/Sorbonne,Paris 4
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