[ANPPOM-Lista] Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos (resenha)

Camila Zerbinatti camiladuze em gmail.com
Ter Abr 26 18:22:52 BRT 2016


Obrigada professor Palombini por esta ótima dica/ referência.

saudações,
camila

Em 25 de abril de 2016 12:51, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>
escreveu:

>
> Resenha do livro de Howard Becker por Cleverton Barros de Lima.
>
> A atividade da escrita acadêmica é a temática central do livro *Truques
> da escrita,* de Howard Saul Becker. O autor utiliza, numa reflexão
> sociológica acurada, a realidade social da produção textual, desde o
> momento de formação dos discentes nos cursos de graduação até o ponto
> final, na fase profissional. Exatamente quando o pesquisador inclui, entre
> as suas principais tarefas e obrigações acadêmicas, a escrita de artigos,
> capítulos e livros.
>
> Howard S. Becker é um conhecido sociólogo americano de obras como *Uma
> teoria da ação coletiva* (1977); *Outsiders*: *estudos da sociologia dos
> desvios* (2008); *Falando da sociedade*(2009); e *Segredos e truques da
> pesquisa* (2007), publicadas pela mesma editora do livro desta resenha.
> Graduado pela University of Chicago, Becker tem dado relevante contribuição
> ao debate no âmbito da sociologia da arte, do desvio e da música.
> Recentemente, publicou o livro *What About Mozart? What About Murder?*(2015),
> revelando assim uma das referências das Ciências Sociais.
>
> O livro *Truques da escrita* tem por escopo a reflexão sobre as condições
> sociais da escrita, distribuídas nos seus dez capítulos. No prefácio à
> edição brasileira, o autor refere-se à tradição de sociólogos brasileiros
> do passado, dos quais ele admira, em especial a escrita de Sérgio Buarque
> de Holanda e Antonio Candido. Becker percebe uma tradição instigante no
> aspecto da narrativa nas obras dos autores de*Raízes do Brasil* e *Os
> Parceiros do Rio Bonito*. De certo, a produção intelectual destes
> escritores conferiu ao debate sociológico a respeito do Brasil um grau
> inegável de sofisticação e refinamento. E neste aspecto, a escrita, não só
> deles, mas de obras como *Casa grande e senzala* de Gilberto Freyre,
> aponta para uma tradição sociológica frutífera, em que a tessitura da
> linguagem tornou-se um ponto emblemático.
>
> Mas o objeto do livro de Becker assinala outro sentido do processo da
> escrita, ou seja, o início da formação dos muitos estudantes de graduação
> de ciências humanas e sociais que encontram inúmeros obstáculos, muitas
> vezes vistos como intransponíveis, na produção de textos acadêmicos. As
> dificuldades aumentam gradativamente, caso o estudante invista na
> pós-graduação. Nesse sentido, Becker observa os esforços que, com
> frequência, deixam os estudantes desconsolados, melhor dizendo, desolados
> em função do temor de mostrar aos colegas os rascunhos dos textos que estão
> escrevendo.
>
> A ideia central de Howard Becker é pensar sociologicamente as dificuldades
> da escrita dos estudantes, pois são fruto não das deficiências individuais,
> mas dos "problemas de organização social" (:8), ou seja, a resposta para o
> fraco desempenho na escrita acadêmica resulta não da inépcia pessoal, mas
> da "organização social" que estaria forjando as barreiras para os
> estudantes. Então, a tese importante deste sociólogo é a de que as pistas
> para a ineficiência na escrita requerem observação do ambiente no qual
> estamos inseridos, pois ele traz as barreiras que transformam a escrita
> numa obra de poucos escolhidos. Ao investigar as peculiaridades desse
> problema social, ele observa que as dificuldades surgem quando temos receio
> de expor nossos textos, pois supostamente seríamos ridicularizados. O
> escárnio dos leitores, seja o professor ou o colega, suscita nos alunos os
> temores que paralisam o aprimoramento do primeiro rascunho.
>
> Isto posto, Becker acrescenta que o isolamento é a regra geral da produção
> acadêmica. Ele alega que escondemos os nossos textos e, assim, observa-se
> quase tão somente o produto final publicado pelo professor, sem nenhuma
> ideia clara, ou melhor, menos misteriosa, dos processos e dos rituais de
> escrita vividos até o resultado final. Desta maneira, o problema da escrita
> entre os estudantes universitários seria resultado daquilo que ele denomina
> "privacidade socialmente organizada". Em outras palavras, mesmo que todos
> passem pelos mesmos problemas na produção do texto, segundo ele, nós nos
> escondemos e não sabemos das dificuldades que até mesmo um pesquisador
> sênior vivencia.
>
> Ainda de acordo com o autor, existe uma solução para os entraves da
> escrita, pois a dificuldade "não é irremediável". Ele completa a sua
> instrução: "E que isso sirva de modelo para todos os seus problemas de
> redação! Encontre a situação que gera seu problema e mude-a" (:10). A
> tarefa sugerida é pensar nas fases da produção da escrita, naquilo que
> "está travando" e, em seguida, reescrever a nova versão. O texto seria,
> segundo o sociólogo, resultado dos esforços empreendidos para aprimorá-lo,
> desde a produção do primeiro rascunho à fase da revisão e, por último, não
> menos importante, à da reescrita.
>
> Os truques foram ensinados no seminário de redação que Becker ministrou
> para os discentes de pós-graduação em Sociologia na Northwestern
> University. Ele aproveitou a oportunidade para exercer os papéis de
> professor particular e terapeuta de várias pessoas com os mesmos problemas
> na escrita. E nesta experiência, rascunhou as primeiras análises,
> publicadas num artigo que ele reuniu no primeiro capítulo deste livro. A
> reação às ideias de seu trabalho gerou o interesse de um público bem maior.
> O autor relata, por exemplo, receber cartas emotivas que trazem relatos de
> como a leitura do artigo foi importante para a retomada da escrita. Alguns
> questionaram o fato de alguém descrever em detalhes os medos e as
> apreensões de tantos desconhecidos.
>
> É importante o relato da professora Pamela Richards, socióloga que ensina
> na Universidade da Flórida. Parte do capítulo intitulado "Riscos" foi
> escrito também por ela, ou seja, a reflexão de Becker retoma o fato de que
> as dificuldades de escrita não se restringem aos iniciantes. A socióloga,
> então, discorre sobre a questão dos riscos que envolvem o trabalho da
> escrita acadêmica. O problema apontado por ela está relacionado ao medo que
> desenvolvemos quando outras pessoas avaliam os nossos primeiros rascunhos.
> Daí o aspecto do isolamento social garantir, de certa forma, podermos
> correr os riscos que o trabalho da escrita exige. Trabalhar num novo
> projeto pode gerar um padrão angustiante. O método de Becker para que
> Richards superasse os bloqueios iniciais foi escrever de forma contínua as
> primeiras impressões o mais rápido possível. Ele prescreveu inicialmente
> que ela redigisse as primeiras ideias que lhe viessem à cabeça, sem uma
> censura preliminar, ou até mesmo se valesse da consulta às suas anotações,
> bibliografia e notas de campo. Liberar o fluxo da escrita seria, então, o
> truque deste método de produção textual, que tem por finalidade restaurar a
> confiança na percepção; além disso, a crença no entendimento de que o
> primeiro rascunho guarda a ideia de um melhoramento futuro. Assim, quando
> houvesse algum bloqueio ou dificuldade, o truque seria escrever "empaquei",
> e seguir em frente com outro tópico.
>
> Algum tempo sem dar notícias, Pamela Richards escreveu para Howard Becker.
> Ela havia alugado uma cabana na floresta com o intuito de escrever o
> primeiro rascunho. De antemão, acreditou ser um "risco" pôr em prática o
> conselho do colega, mesmo assim optou pelo "risco". Por isso, a questão
> central, nas palavras de Richards, estava no centro dos seus temores. Na
> realidade, o risco, para a socióloga, era se "expor ao escrutínio" dos
> leitores. A argumentação do livro de Becker sugere exatamente a solução
> prática para o risco com o qual estamos envolvidos socialmente. Temores
> como os de Richards descrevem um quadro panorâmico das condições sociais da
> produção da escrita acadêmica. As exigências dos pares, os rigores e os
> temores pessoais são entraves para o contexto de risco.
>
> O livro de Becker aborda ainda o aspecto da produção da escrita acadêmica
> profissional, e só por isso já é um exercício sociológico de pensar a
> realidade social da produção textual. Pensar os problemas relacionados a
> como escrever na academia não pode ser entendido como restrito aos
> sociólogos. A tarefa é refletir a respeito das condições da escrita que
> isola, e que direciona a discussão da produção acadêmica somente ao produto
> acabado, ou seja, não são visíveis os dilemas e os impasses do risco de
> escrever. Neste quesito, o livro *Truques da Escrita* levanta as questões
> referente não só à comunicação científica, mas também às condições sociais
> de organização da vida acadêmica, numa perspectiva instigante. O problema
> de escrever de forma precária, na acepção do sociólogo, não se restringe
> aos estudantes, mas abrange os ritos acadêmicos que consolidam o
> desenvolvimento da produção escrita num viés isolado e, em certo grau, numa
> sabotagem coletiva.
>
> Por isso, a relevância de uma obra como *Truques da Escrita* no período
> de expansão da cultura acadêmica no Brasil, o que se dá exatamente pelos
> novos caminhos de organização acadêmica, em que é preciso refletir mais a
> respeito das condições sociais da comunicação científica. A ideia de
> trabalhar o texto entendendo os níveis de melhoramento dos rascunhos
> consagra as várias operações necessárias para compreender o desenvolvimento
> da redação. Neste sentido, o livro revela os impasses da tarefa do trabalho
> acadêmico, que necessariamente precisa romper práticas isolacionistas para
> então construir um modelo social de produção acadêmica.
>
> O grande mérito deste livro é trazer para o debate a responsabilidade da
> universidade em valorizar o trabalho acadêmico numa perspectiva
> colaborativa. A experiência de seminários de redação entre os acadêmicos
> constitui uma preocupação quanto à relevância da escrita para o
> desenvolvimento profissional. Comunicar as reflexões de pesquisa é uma das
> tarefas elementares da Universidade e, neste sentido, Becker salientou a
> necessidade de auxiliar os graduandos no início de sua formação. Assim, a
> importância da escrita acadêmica é um dos indicadores da amplitude do
> debate educacional, especialmente quando este chega ao leitor com
> sofisticação e estilo.
> http://goo.gl/y5hig1
>
> --
> carlos palombini, ph.d. (dunelm)
> professor de musicologia ufmg
> professor colaborador ppgm-unirio
> www.proibidao.org
> ufmg.academia.edu/CarlosPalombini <http://goo.gl/KMV98I>
> www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2
> scholar.google.com.br/citations?user=YLmXN7AAAAAJ
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