[ANPPOM-Lista] "Precisamos dizer quem está lucrando"

Camila Zerbinatti camiladuze em gmail.com
Sex Fev 26 11:04:23 BRT 2016


Caro Professor Damián,

Agradeço muito tua observação. Entendo o que você coloca e também vejo o
que você diz, que é inegável.
Mas, apesar de também discordar da autora neste ponto, como você, vejo que
ela levanta outras questões urgentes no texto. Questões que são discutidas
e debatidas por muitas alunas e muitos alunos nas universidades públicas e
privadas mas que, até então, não víamos serem levantadas por professoras e
professores.
Neste sentido, das questões que ela aponta antes de traçar este cenário
fantasioso, e na direção que você aponta ao abordar a comercialização do
ensino superior custeada por impostos, acho muito válido compartilhar aqui
o recente discurso de formatura de Marcelo Caetano, cientista político
graduado pela UnB, homem trans e homem negro brasileiro, o primeiro aluno
formado pela UnB que conquistou o direito de usar seu nome social naquela
Universidade: (envio a transcrição e o link para o vídeo)

"*querida academia*










*do alto dos seus títulosdaí de onde você vêa universidade é pra quê?pra
caber quem?dentro da sua salavocê se escondepra não ver lá foraou pra quem
tá lá fora não te ver?o conhecimento que você produzé pro povo ou pro
cnpq?pra sociedade ou pra enfeitar teu lattes?*
se quem tá dentro
não vê os muros em volta
quem vê de fora
não enxerga nada além da muralha
se no meio da aula
você diz que eu tô todo errado
eu te digo que pra chegar até aqui
atravessei cerca de arame farpado
você escreve
artigo, livro, capítulo
resumo, paper, ensaio
fala da gente
sem nem lembrar
de olhar no olho da nossa gente
alcança seus índices de produtividade








*no dia seguinte,não sabe nossa cara,nosso nome, desconhece nossa
identidadenossa cor é objeto de pesquisanosso sexo, etnografianossas casas
são seu campoe seu olharbranco, macho, eurocentradojustifica-se como
metodologia*







*na sua nota da capeso que conta mais:seus pontos ou nossa voz?sua tese ou
nossa história?o que vale mais:suas oito páginas de referênciaou a nossa
ancestral experiência?*

e não pense que entramos aqui por favor
que não merecemos
ou que qualquer coisa aqui nos foi dada

*cotas não são presentesão só um pequeno pedaço do que nos devem*
chegamos aqui forjados
pelos que nos precederam
não se esqueçam:
nossos passos vêm de longe
se estou aqui hoje
é só porque tantos outros já vieram
erguer muros não vai nos impedir de entrar
se precisar,
nós vamos derrubar
tomar de assalto o que é nosso










*e não queremos só um lugar à mesaqueremos interromper o jantare começar
tudo de novoreerguer uma universidade que seja do povo e para o povoonde
não apenas se fale sobre o outromas onde o outro se torna um nós que é
capaz de falar sobre si mesmonão criem a ilusão de que tudo que se diz na
academia é a verdademas lembrem-se: é sempre poderinclusive, o poder de
dizero que é a verdade*
como cientistas políticos
termos lugar para dizer o que é a democracia
vivemos em uma, nossos professores vão dizer
Estado Democrático de Direito é o seu nome
Será mesmo?
pois vamos aos fatos:

Planaltina, Distrito Federal, 26 de Maio de 2013. Antonio Pereira de
Araújo, auxiliar de serviços gerais, é detido em abordagem padrão.
Conduzido à delegacia, nunca mais foi visto.
Rocinha, Rio de Janeiro, 14 de Julho de 2014. Amarildo Dias de Souza,
pedreiro, limpava peixe na porta de casa quando policias que conduziam a
operação “Paz Armada” o abordaram. Nunca mais foi visto.

Grajaú, São Paulo, 16 de Outubro de 2015. Yago Pedrosa Araújo, estudante de
16 anos, é parado em mais uma abordagem daquelas: padrão! 4 dias depois é
encontrado morto, executado. Nunca mais foi visto vivo.

Infelizmente, a lista poderia continuar: Cláudia Ferreira da Silva,
Cristian do Carmo, Rafael de Souza Paulino, Roberto de Souza Penha, Carlos
Eduardo da Silva de Souza, Wilton Domingos Junior, Cleiton Correa de Souza
e tantos outros.

Os mortos da democracia se acumulam
Já não se escondem mais nos porões
Mas ficam expostos, em plena luz do dia
Nas vielas de uma quebrada qualquer

*Se a Democracia existe, ela não é para todosMas hoje, saímos daqui com o
poder de dizer o que é a democracia*



*É nossa a responsabilidade de combater esse genocídioUm genocídio que
começa aqui dentroQuando são brancos todos os nossos professoresQuando é
branca e masculina toda a nossa bibliografia*
Se a ciência pensa que tem todas as verdades
Digo-lhe agora que não
Que não sabe o que é caminhar com a cabeça na mira de uma HK
Que não sabe o que é ter o corpo vendido por séculos
Ter a mente diminuída, ver todo um povo destruído
Essa ciência que trabalha com hipóteses
E esquece que o que chama de objeto é feito da carne viva
Ainda aguardamos pelo dia
Em que o preto estará no rosto
Mais do que nas becas
Em que as travestis estarão na escola
Mais do que na esquina
Se esse dia não chega, a gente toma!
Nada nunca foi dado, porque agora seria?
mas ainda vai chegar o dia
Em que outros tantos como eu
Estarão aqui e poderão dizer
Tudo nosso, nada deles!" Marcelo Caetano

https://www.youtube.com/watch?v=sfZ2E7pR0ko


Ao ouvir e ler Marcelo Caetano, não há como não lembrar das pesquisas do
professor Carlos Palombini (e das professoras Adriana Facina e Mariana
Vedder quando ele aponta o quanto "o funk carioca e o hip-hop paulista
tensionam a produção da cultura popular." No discurso de Caetano, arrisco
dizer, a expressão do hip-hop tensiona também a produção acadêmica e
científica.


Saudações cordiais,
Camila.

Em 25 de fevereiro de 2016 12:38, Dr. K <musicoyargentino em gmail.com>
escreveu:

> Cara Camila,
>
> Obviamente essa colega desconhece totalmente a realidade econômica
> brasileira: "Hoje, o Brasil tem um dos cenários mais animadores do mundo.
> Há uma nova geração de cotistas ou bolsistas Prouni e Fies, que veem a
> universidade com olhos críticos, que desafiam a supremacia das camadas
> médias brancas que se perpetuavam nas universidades e desconstroem os
> paradigmas da meritocracia."
>
> Enquanto ela idealiza alunos que entram pela porta dos fundos ao sistema
> de ensino superior, a empresa Kroton e seus associados tem o maior
> rendimento do mundo de um conglomerado educacional, sustentado pelos nossos
> impostos.
>
> Dr. Damián Keller | ccrma.stanford.edu/~dkeller
> NAP | sites.google.com/site/napmusica
>
>
>> Message: 2
>> Date: Wed, 24 Feb 2016 11:48:10 -0300
>> From: Camila Zerbinatti <camiladuze em gmail.com>
>> To: "anppom-l em iar.unicamp.br" <anppom-l em iar.unicamp.br>, Ppgmus Udesc
>>         <ppgmus.udesc em gmail.com>, Melita Bona <melitab em yahoo.com.br>
>> Subject: [ANPPOM-Lista] "Precisamos falar sobre a vaidade na vida
>>         acadêmica [e artística]"
>> Message-ID:
>>         <
>> CAGiY0jThZ7_Yt6WAjxSjnBOUDmqUosRDXd820QJbWRiSGVvVwA em mail.gmail.com>
>> Content-Type: text/plain; charset="utf-8"
>>
>> Olá para todas e todos,
>>
>>
>> Compartilho aqui um texto que, para mim, é no mínimo muito corajoso,
>> lúcido, urgente e transformador, ao abordar com franqueza situações
>> recorrentes em nosso cotidiano artístico e acadêmico brasileiro. O texto
>> "Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica", de Rosana
>> Pinheiro-Machado, cientista social e antropóloga, professora do
>> departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford,
>> foi publicado hoje na revista Carta Capital. Poderia ou deveria, penso eu,
>> estar também em muitas revistas/ periódicos/ boletins/ informativos
>> acadêmicos.
>>
>> *"Seria automático reproduzir os mecanismos que me podaram. É a vingança
>> do
>> oprimido. A única forma de cortamos isso é por meio da autocrítica
>> constante. É preciso apontar superficialidade, mas isso deve ser um
>> convite
>> ao aprofundamento. Esquece-se facilmente que, em uma universidade, o
>> compromisso primordial do professor é pedagógico com seus alunos, e não
>> narcisista consigo mesmo.Quais os valores que imperam na academia?
>> Precisamos menos de enrolação, frases de efeitos, jogo de palavras, textos
>> longos e desconexos, frases imensas, ?donos de Foucault? [e de tantas
>> outras coisas]. Se quisermos que o conhecimento seja um caminho à
>> autonomia, precisamos de mais liberdade, criatividade, objetividade,
>> simplicidade, solidariedade e humildade. (...) Tudo depende em quem
>> queremos nos espelhar. A perversidade dos pequenos poderes é apenas uma
>> parte da história. (...)" Rosana Pinheiro-Machado*
>>
>>
>> http://www.cartacapital.com.br/sociedade/precisamos-falar-sobre-a-vaidade-na-vida-academica
>>
>> Saudações cordiais*,
>> Camila Durães Zerbinatti
>>
>>
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