[ANPPOM-Lista] Érica Peçanha: por mais solidariedade na vida acadêmica

Camila Zerbinatti camiladuze em gmail.com
Ter Jul 19 09:50:03 BRT 2016


Olá professor Palombini,

Nossa!!! Que texto maravilhoso! Que texto lúcido, humano, urgente,
relevante e belo!
Muitíssimo obrigada por compartilhar com a gente aqui. Obrigada mesmo!


"*E tristeza gera impotência, improdutividade, sensação de não poder dar
conta de demandas específicas que são esperadas numa trajetória
bem-sucedida. (...) Estou falando de discussão e compartilhamento de
vivências acadêmicas para que possamos construir estratégias de
enfrentamento das adversidades, não estou falando em transformar
trajetórias em exemplos individuais de superação que reiterem a falácia da
meritocracia. E estou falando de solidariedade, traduzida aqui em
socialização de informação, doação de textos e um pouco de tempo, e uso dos
micropoderes para que outros/as avancem, sem que isso represente obrigação
de ajudar quem não se gosta do ponto de vista pessoal ou não se respeita
intelectualmente, tampouco se configure em fazer o trabalho por quem não
quer se encarregar do esforço. **É um texto pra gente pensar junto,
saber-se humano e seguir sendo solidário.*" (Érica Peçanha, 17.7.2016,
23h05)


Abraços gratos,

Camila.

Em 18 de julho de 2016 00:19, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>
escreveu:

>
> Foi divulgado ontem no Facebook como postagem pública. Achei pertinente:
>
> https://goo.gl/PSbSAQ
>
> Ao longo da pós-graduação, somos pouco encorajados a problematizar
> competições, rejeições, bloqueios de escrita, desentendimentos, relações
> com docentes e colegas, pressões e frustrações – sejam de ordem pessoal,
> teórica ou profissional – em espaços formais da chamada academia. Vez ou
> outra, dividimos essas questões com aqueles de quem nos tornamos mais
> íntimos nos encontros de bar, quando o álcool nos deixa relaxados o
> suficiente para fazer desses mais do que momentos que também fazem parte da
> sociabilidade acadêmica.
>
> O que vem depois da defesa de uma tese não é menos desestimulante: as
> reduzidas chances de se publicar um livro com os resultados de pesquisa sem
> ter que se responsabilizar pelos custos da edição, os concursos docentes
> que se distanciam dos critérios objetivos e decisões que pareçam justas, os
> poucos postos de trabalho compatíveis com o nível de formação alcançado, as
> possibilidades de circulação que minguam quando não se tem mais um vínculo
> institucional. Com o agravante que os encontros com docentes e colegas
> serão muito menos frequentes, e as possibilidades de se discutir essas
> outras dificuldades também, mesmo que na mesa de bar.
>
> Eu, por exemplo, sempre tive problemas para escrever e isso gerou momentos
> de muita tristeza, especialmente quando não consegui cumprir prazos e tive
> receio de ser taxada de irresponsável ou incapaz. E tristeza gera
> impotência, improdutividade, sensação de não poder dar conta de demandas
> específicas que são esperadas numa trajetória bem-sucedida. Mas fui
> percebendo que isso não era uma exclusividade ou tinha a ver somente com
> questões subjetivas, um tipo de formação recebida no nível médio/superior e
> possibilidades de construção de um repertório cultural (que, certamente,
> tem seus efeitos...), mas com o próprio modo como o sistema acadêmico é
> construído (permeado por pressões e competições que sequer vão significar
> muito dinheiro no final do arco-íris...). E posso dizer – e digo sempre que
> vejo um/a colega nessa situação – que não conheci ninguém, próximo a mim,
> que não tivesse caído no choro, se sentido deprimido, incapaz ou muito
> inseguro, principalmente nos momentos finais de escrita da dissertação/tese
> ou próximos à defesa: do colega de origem popular que tinha medo que seu
> “fracasso” frustrasse toda a família, passando por quem era tida como
> fodástica desde o primeiro encontro do curso e pelo profissional
> estabelecido que foi cursar a pós-graduação na maturidade, até chegar aos
> bem-nascidos, que frequentaram boas instituições e não têm a menor noção de
> como as dificuldades materiais podem impactar na incorporação de certo
> ethos acadêmico ou na permanência nesse contexto.
>
> Eu também sofro muito com a falta de trabalho desde a defesa do doutorado,
> não apenas porque isso tem implicações práticas bastante óbvias, mas porque
> a intermitência nas oportunidades gera dúvidas com relação às escolhas que
> fiz, à dedicação que posso ter e às ambições que devo alimentar. Sei que as
> possibilidades nas ciências humanas sempre foram mais limitadas, que o país
> formou mais doutores do que tem conseguido absorver (e isso é um problema
> do mercado, não da expansão das matrículas...) e que não sou a única a ter
> que lidar com esse tipo de adversidade; pelo contrário, não conheço um/a
> colega mais próximo e contemporâneo a mim que tenha passado no primeiro
> concurso docente que prestou, ou que não tenha acionado sua rede de
> contatos para manter-se no jogo profissional.
>
> Mas quero lembrar que, nesse jogo, o os variados capitais (econômico,
> social e simbólico) fazem diferença, assim como os marcadores de classe,
> raça/cor e gênero, já que é muito mais difícil equilibrar o projeto de ser
> intelectual e/ou pesquisador/a, mantendo a participação em eventos e a
> produção de textos que somam linhas Plataforma Lattes, com a pungente
> questão da sobrevivência, quando não se tem parentes familiarizados com as
> agruras da vida acadêmica e que possam oferecer suportes financeiros e/ou
> emocionais, quando se é negro/a e são escassas as referências e redes de
> relações nesse campo, quando se é mãe e as crianças podem ser vistas como
> empecilhos para a dedicação ao trabalho, entre tantas outras situações.
> Ontem tive uma conversa catártica de mais de três horas com uma colega
> sobre esses assuntos, que me fez entender o quão fundamental é falar sobre
> as especificidades e os problemas que vivenciamos na vida acadêmica, assim
> como saber reconhecer quais problemas devem ser contextualizados dentro do
> sistema (acadêmico e social) e quais devem ser associados à nossa
> personalidade e talentos. Mais do que isso, ao utilizar-se do lugar que ela
> ocupa agora para me oferecer um trabalho e disponibilizar o pagamento
> adiantado por compreender que isso se fazia urgente, essa colega demonstrou
> o quanto é importante sermos solidários a partir da experiência que
> adquirimos ou dos lugares de poder que passamos a ocupar.
>
> Compartilhar textos que não usamos mais, divulgar processos seletivos e
> ensinar artimanhas para a aprovação, ajudar na escrita de um projeto ou no
> contato com um/a docente, juntar pessoas em grupos estudos de idiomas podem
> ser determinantes para que a academia seja cada vez menos uma bolha
> elitista. Assim como recomendar currículos, compartilhar editais e
> experiências de concursos acadêmicos, convidar ex-colegas de pós-graduação
> para integrar publicações e equipes de trabalho ou para apresentar suas
> pesquisas durante um curso ou evento, mesmo que esses/as colegas não tenham
> vínculo institucional, pode ser encorajador para que quem furou a bolha não
> desista, ou para que a experiência acadêmica não seja fonte de adoecimento
> ou de abandono de aspirações.
>
> Estou falando de discussão e compartilhamento de vivências acadêmicas para
> que possamos construir estratégias de enfrentamento das adversidades, não
> estou falando em transformar trajetórias em exemplos individuais de
> superação que reiterem a falácia da meritocracia. E estou falando de
> solidariedade, traduzida aqui em socialização de informação, doação de
> textos e um pouco de tempo, e uso dos micropoderes para que outros/as
> avancem, sem que isso represente obrigação de ajudar quem não se gosta do
> ponto de vista pessoal ou não se respeita intelectualmente, tampouco se
> configure em fazer o trabalho por quem não quer se encarregar do esforço.
>
> É um texto pra gente pensar junto, saber-se humano e seguir sendo
> solidário. E também pra agradecer a quem tem sido solidário comigo porque
> fez ou continua fazendo cada uma das ações que sugeri aqui.
>
> (Érica Peçanha, 17.7.2016, 23h05)
> --
> carlos palombini, ph.d. (dunelm)
> professor de musicologia ufmg
> professor colaborador ppgm-unirio
> www.proibidao.org
> ufmg.academia.edu/CarlosPalombini <http://goo.gl/KMV98I>
> www.researchgate.net/profile/Carlos_Palombini2
> scholar.google.com.br/citations?user=YLmXN7AAAAAJ
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