[ANPPOM-L] Qual a música que queremosem nossasUniversidades?

Stela Brandao stelabrandao em brazilny.org
Seg Out 15 21:32:50 BRST 2007


Esta discussão tem aspectos muito relevantes, interessantes e reveladores,
principalmente para quem, como eu, não tem nem um quarto de toda essa
sapiência contrapontística, musicologica, etc. Então, a discussão tem valor
de verdadeira aula quando levada em alto nível. Infelizmente, porém, também
ela acaba sendo plataforma de arroubos egóicos incríveis. É interessante
como o intelecto é vulnerável e frágil, fácilmente ofendido quando atacado
na sua vaidade. Na busca do saber, a humildade continua sendo uma virtude
milagrosa, a meu ver. Há tanto ainda por se descobrir entre o céu e a terra!
Refletindo sobre isto,  lembrei-me de um poema de uma autora
norte-americana, pouco conhecida, mas que foi a primeira mulher a fazer
intercâmbio cultural EUA-América Latina nos anos 20. Frances Grant, que era
também pianista, ajudou a organizar e a arquitetar o pacto de Proteção aos
Monumentos Culturais da Humanidade em Tempo de Guerra, assinado em
Montevidéu em 1933 por 33 países, Brasil inclusive, quando nem ainda se
falava na Liga das Nações, quanto menos na ONU.  Ela conheceu a nata da
intelectualidade brasileira e latino-americana durante várias décadas. Era
uma jornalista e fundou várias organizações, dentre elas a Pan-American
Association for Democracy and Freedom, que ajudou a salvar a vida de muitos
perseguidos politicos do Chile, Argentina, Nicarágua, Brasil. Enfim, no
google vocês podem acessar alguma coisa sobre esta mulher extraordinária.
Frances deixou vários poemas. Dentre eles está  SONNET, que me despontou à
memória ao ler estas últimas farpas de inteligência e sapiência musical
trocadas entre nossos colegas. 

Eis aí , então, SONNET, de Frances R. Grant:

 

“Say who I am, if not my heart,

Which startle rhythm in the fetal swell

Dispassioned tutor, from a membraned cell,

Marking my cues for entrance and retreat. 

 

Dupe is the mind that thinks it calls the tune,

Flourishing purple pen to write the words,

Only the master of the Red Baton,

Conducts to crashing finish chords on chords.

 

Only the heart is privy to the score,

Of cosmic fugues that filter through my breath,

Weaving their threads of pity, love and prayer,

To counterpoint the organ note of death.

 

My heart, best self, whose cryptogrammic rhyme

Shall pulse, expectant, in the heart of time.”

 

Deixo o poema à apreciação (ou não) dos Senhores.

Carinhosamente,

 

Stela Brandão

NewYork

 

  _____  

From: anppom-l-bounces em iar.unicamp.br
[mailto:anppom-l-bounces em iar.unicamp.br] On Behalf Of Jorge Antunes
Sent: Monday, October 15, 2007 6:06 PM
To: Alexandre Bräutigam
Cc: anppom-l em iar.unicamp.br
Subject: Re: [ANPPOM-L]Qual a música que queremosem nossasUniversidades?

 

Meu prezado senhor Bräutigam: 

O senhor tece comentários sobre produto cultural ao qual ainda não teve
acesso. 
Essa leviandade e essa arrogância são dispensáveis. 
Elas surgem do silêncio, como um grito do tipo "-Gente, eu também existo!". 
Qualidades suas, que certamente existem, poderiam ser reveladas com outro
tipo de intervenção. 
O ser humano é um ente social, que precisa de reconhecimento para
sobreviver. 
Assim, "entendo" e "compreendo" sua mensagem. 
Abraço cordial, 
Jorge Antunes 
  
  
  

Alexandre Bräutigam wrote: 


Caros professores e colegas, 

Nosso prezado professor Antunes afirmou em email recente: "Para escrever meu
mais recente livro, intitulado Sons Novos para a Voz, passei dois anos, de
setembro de 2005 a agosto de 2007, estudando todas as manifestações musicais
do mundo, produzidas com o aparelho fonador. 
Estudei todos os trabalhos de Hugo Zemp, Trân Quang Hai, Jean-Michel
Beaudet, Jacques Bouët, Gilles Léothaud e Bernard Lortat-Jacob, sobre as
práticas vocais contrapontísticas de Taiwan, Georgia, Albania, Itália, Ilhas
Solomon, República da África Central (Pigmeus e Banda Linda), Etiópia e
Indonésia." 

Bem, fico tentado a comprar o livro, afinal foram estudadas TODAS as
manifestações musicais do mundo produzidas com o aparelho fonador - em dois
anos! Imagino que se foram estudadas todas elas, nosso caro amigo se
esqueceu de citar, além dos teóricos provavelmente europeus em questão,
também os teóricos etíopes, indonésios, africanos, italianos, albaneses que
possivelmente se debruçaram sobre sua própria cultura para estudá-la. E
talvez nem todos os resultados tenham sido traduzidos (do albanês ou de
outras línguas menos conhecidas) ou sequer impressos, tendo permanecido no
domínio oral da língua/dialeto original. Realmente deve ter dado trabalho. 

Aproveito para realçar o quão Novos devem ser esses sons, com certeza - para
a cultura européia ou brasileira. 

Me lembro de certa aula no mestrado de música na UFRJ quando um colega
apresentava com entusiasmo a partitura escrita por um "exclarecido europeu"
a séculos atrás de um canto indígena do Brasil. Será que o índio, ao compor
suas melodias, também já havia substituido o 'ut' pelo 'do' e pulava com
rigor melódico ímpar de um mi para um fá? 

E viva os universalismos.... 

abraço a todos, 

Alexandre Bräutigam. 
  


  _____  


 Date: Mon, 15 Oct 2007 12:23:50 -0200 
From: antunes em unb.br 
To: carlos.sandroni em gmail.com 
CC: anppom-l em iar.unicamp.br; hugoleo75 em gmail.com 
Subject: Re: [ANPPOM-L] Qual a música que queremos em nossas Universidades? 

Prezado Carlos Sandroni: Bingo! Você acertou em cheio. 
Acordei hoje pensando em lhe escrever justamente sobre este problema: o
significado da palavra "compreender". 
Você se adiantou. Parabéns. 
Creio que estamos totalmente de acordo. 
Merleau-Ponty disse, sabiamente, que "a fenomenologia se deixa praticar
(...), e ela existe como movimento, antes de ser alcançada com uma inteira
consciência filosófica". 
Sempre que falei "compreender" eu estive me referindo ao domínio do estudo
descritivo do fenômeno musical. 
Escutar, ouvir, entender, analisar, compreender, são verbos que precisariam
de claras definições, para que afinássemos nosso debate. 
No segundo movimento de minha Sinfonia em Cinco Movimentos eu usei um Rum,
um Rumpi e um Lé, com toques específicos de Nanã. Antes, freqüentei sessões
de candoblé, para anotar ritmos, observar e, enfim, "compreender" a
polirritmia e as técnicas de percussão (mão, dedos, palma, etc). Os Ogãs,
evidentemente, sempre serão melhores executores dos atabques do que os
percussionistas da orquestra. 
Mas consegui instruir a estes de modo a nos aproximarmos bastante do
original. 
Quando eu "compreendo" a música de uma determinada cultura, não estou
necessariamente me colocando na pele e na mente do praticante daquela
cultura. Eu adoro e compreendo os toques de candomblé, mas, garanto, nunca
Orixás chegarão a mim em minha escuta e prática. Nunca entrarei em transe ao
escrever as partes dos atabaques ou ao ouví-las. 
Uma coisa é o significante, outra coisa é o significado. Significantes
idênticos terão significados diferentes em diferentes contextos e culturas. 
As três notinhas que formam a célula geradora da quinta de Beethoven, que eu
"compreendo" muito bem, pode, dependendo do grupo de audição, ter diferentes
significados: motivo gerador, destino que bate à porta, anúncio de lâmina de
barbear, momento de expectativa, tensão de espera, etc, etc. 
Nunca entrarei em transe ao ouvir um Toque de Nanã. Eu até me atreveria a
arriscar as seguintes afirmações: 
- Eu "comprendo" o toque de Nanã e o executante de atabaque não o
"compreende". 
- Eu apenas "compreendo" o toque de Nanã e o executante de atabaque o
"entende". 
Abraço, 
Jorge Antunes 
  
  

Carlos Sandroni wrote: 

Prezado Antunes, Obrigado pelo tom cordial e pela disposição a debater
revelados em sua mensagem. Tentarei seguir o seu exemplo, embora
infelizmente não possa me alongar muito. 
Talvez uma parte da discordância tenha a ver com o uso da palavra
"compreender". O que seria "compreender" as polifonias vocais do Pacífico?
Mensagens prévias de Sílvio e Eduardo Luedy já apontaram na direção que
considero apropriada. 
Você, com sua formação contrapontística e musical, certamente "compreende"
de alguma maneira aquelas polifonias. A maneira como você as compreende pode
tê-lo ajudado a escrever o seu livro mencionado, e pode ajudá-lo em outras
coisas eventualmente. 
Mas você próprio reconhece que a compreensão que tem, se deve em parte
também à leitura de livros de etnomusicólogos sobre aquelas culturas
musicais. Ora, estes livros não são livros de contraponto, são livros sobre
culturas, sobre sistemas simbólicos. Sistemas dentro dos quais,
exclusivamente, a música, inclusive no que se refere às estruturas sonoras,
pode ser "compreendida", pelo menos da maneira que os etnomusicólogos
entendem o verbo "compreender". A referência mais imediata é Blacking, já
mencionado aqui duas ou três vezes. Mas a gente pode pensar no Clifford
Geertz também - "A arte como sistema simbólico", em \O Saber Local - novos
ensaios de Antropologia Interpretativa\. 
Sim, Zemp usa a palavra contraponto, mas eu seria capaz de jurar que ele não
domina contraponto florido a oito vozes, que eu saiba ele era jazzista antes
de ser etnomusicólogo, como tampouco o Lortat-Jacob, ou o Beaudet, que foi o
meu orientador. 
Você é um compositor que estuda a diversidade musical do mundo com objetivos
diferentes daqueles que estão dedicados a compreender o que significam estas
diversas músicas para as pessoas que as fazem. Estes, incluindo os
etnomusicólogos que você cita - integrantes da tal "torcida do Flamengo" a
que me referi - não subscreveriam aquelas duas frases suas que citei no meu
primeiro email. O tipo de "compreensão" que eles proporcionam serve a
objetivos diferentes, mas é também na minha opinião mais rica, mais
nuançada, mais - vá lá - compreensiva (também  no sentido do inglês
"comprehensive"). 
Não excluo que você possa ter feito um excelente uso das polifonias vocais
do mundo no seu livro, ao contrário. Minha discordância se relaciona à idéia
de que proficiência em música de tradição ocidental capacite a "compreender
outras tradições musicais" (num sentido diferente de "usá-las para fins
indiferentes a seus significados contextuais"), no mesmo gesto
considerando-as "menos complexas". 
Espero ter ajudado a deixar mais claro meu ponto de vista. Em todo caso,
acho que não vou poder dar muito mais que estes dez centavos nos próximos
dias. 
Abraços, 
Carlos 

On 10/14/07, Jorge Antunes <antunes em unb.br> wrote: 

 Prezado Carlos Sandroni: Você afirma que o domínio do contraponto europeu
não capacita a compreender as polifonias vocais do Pacífico. 
Essa afirmação é interessante, porque bombástica para mim. 
Não me considero dono da verdade e, assim, gostaria de me fazer todo
ouvidos, para que você me convença acerca dessa sua convicção. 
Talvez isso seja possível, se você me der exemplos concretos. Você poderia
citar nomes de pessoas que dominam o contraponto "europeu" e que, apesar de
possuirem esse domínio, não estão capacitadas para compreender as polifonias
vocais do Pacífico. 
Eu, de minha parte, tenho exemplos que demostram justamente o contrário. 
Para escrever meu mais recente livro, intitulado Sons Novos para a Voz,
passei dois anos, de setembro de 2005 a agosto de 2007, estudando todas as
manifestações musicais do mundo, produzidas com o aparelho fonador. 
Estudei todos os trabalhos de Hugo Zemp, Trân Quang Hai, Jean-Michel
Beaudet, Jacques Bouët, Gilles Léothaud e Bernard Lortat-Jacob, sobre as
práticas vocais contrapontísticas de Taiwan, Georgia, Albania, Itália, Ilhas
Solomon, República da África Central (Pigmeus e Banda Linda), Etiópia e
Indonésia. 
O estudo abordou as construções mais complexas, desde os cantos a duas vozes
de Malita (Ilhas Solomon), passando pela polifonia a três vozes de Tai-Tung,
no Taiwan, até as polifonias a doze vozes dos portuários de Gênova, na
Itália (o canto trallallero) e as canções himarioçe, no estilo Himara,
cantadas em Vlorë no sul da Albânia, que também são a 12 vozes. 
Para compreender essas polifonias, entendo eu que o que me capacitou foi o
domínio que tenho do contraponto que você chama de europeu. O que eu chamo
de domínio do contraponto, não é aquela capacidade desenvolvida ao se
praticar contraponto modal a apenas duas vozes. Estou me referindo ao
domínio do contraponto florido a oito vozes, nas linguagens tonal e atonal.
São a essas práticas que chegam meus alunos em final de curso: tonalismo
clássico bachiano a 8 vozes e atonalismo integral de Julien Falk a 8 vozes. 
A maioria dos etnomusicólogos que mencionei acima, também dominam o
contraponto florido a dois coros, porque foram alunos do Conservatório de
Paris. 
Talvez eu esteja enganado, e é possível que minha compreensão das polifonias
vocais dos diversos povos do mundo não se deva ao domínio que tenho da
técnica contrapontística. Talvez o que me capacitou para tanto foi algum
outro fator de que não tenho consciência. Deixo então a você a incumbência
de me passar exemplos que demonstrem a sua convicção de que o contraponto
"europeu" não capacita a compreender as polifonias vocais do Pacífico. 
Abraço, 
Jorge Antunes


-- 
Carlos Sandroni 
Departamento de Música, UFPE 
Programa de Pós-Graduação em Música, UFPB 
Setembro 2007/Fevereiro 2008: 
Pesquisador Associado ao Centre de Recherches en Ethnomusicologie 
CNRS - LESC UMR 7186 - Paris 
Endereço pessoal na França: 
Chez Duflo-Moreau 
199, rue de Vaugirard 
75015 - Paris 
Telefone profissional no Brasil 
(81) 2126 8596 (telefone e fax) 
(Recados com Anita) 
Endereço pessoal no Brasil: 
Rua das Pernambucanas, 264/501 
Graças - 52011-010 
Recife - PE

 


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