[ANPPOM-L] o DJ e o compositor (era que músicaqueremos? ) [longa]

Jorge Antunes antunes em unb.br
Dom Out 21 13:50:37 BRST 2007


Caro Rodolfo e demais colegas:

A primeira versão do Étude Violette (1948), de Pierre Schaeffer, usa um contraponto florido a 3 vozes.
Material bruto: acordes no piano, tocados pelo jovem Boulez, então com 23 anos, frequentador do Clube d'Essai.
Transformações: manipulations diverses.
Montagem: aleatoire.
Mixagem final: 3 voix de mixage.
Rascunho: voix 1: éolien; voix 2: choqui; voix 3: elément de souffle.

Citações:
(Grifos nossos)

"Le procédé du montage ne permet pas la superposition polyphonique. Le mixage au contraire, consiste à superposer en concomitance des monophonies et à enregister le résultat."
(Schaeffer- À la Recherche d'une Musique Concrète, Paris: Seuil, 1952, p. 205)

"Le piano, variant lui-même du son normal à des percussions bizarres, était susceptible d'être introduit en harmonie ou en contrepoint sur ces voix."
(Schaeffer- À la Recherche d'une Musique Concrète, Paris: Seuil, 1952, p. 66)

Bom domingo para todos,
Jorge Antunes







Rodolfo Caesar wrote:

> Meus caros,
>
> Contrariamente ao que disse o Alexandre Bräutigam, Pierre Schaeffer está
> em matéria obrigatória na graduação em composição pela EM-UFRJ. Seu
> Solfège é sempre apresentado e discutido. Mas, em lugar de substituir o
> contraponto florido (vc viu, Carlos, que coisa mais 'camp'!?) ou de
> servir como pedra filosofal para a 'compreensão' das músicas, é
> devidamente contextualizado. Todo cuidado é pouco para evitar essa de 'o
> rei morreu, viva o rei', por esforço para não endossar a monarquia.
> Nesses treze anos da disciplina, noto que uma das coisas mais difíceis é
> evitar que os alunos saiam fazendo a écoute réduite de tudo sem quererem
> descobrir que, no 'fundo', não há redução possível, até porque não
> existe fundo. Não dá pé.
> Estou de acordo que este 'engenheiro' (que não sabia contraponto
> florido) deva ser estudado, sim, sempre. Mas, de acordo com suas
> próprias palavras, a morfo-tipologia apenas corresponde a uma das
> diversas etapas da escuta antes de se chegar à 'compreensão'. Está lá no
> Livre IV.
>
> Obrigado e bom domingo!
>
> abs,
>
> Rodolfo
>
> Alexandre Bräutigam wrote:
> > Caro Palombini e membros da lista,
> >
> > Então me parece que na verdade a semântica separa duas classes que, na
> > prática, estariam em alguns momentos, amalgamadas. Ainda mais quando o
> > DJ, além de escolher e ordenar as sequências das músicas ao vivo,
> > também produz as próprias. É o caso do Tiesto e do Infected Mushroom
> > (o primeiro sem formação musical tradicional, diferente da dupla que
> > compõe o IM).
> > Na introdução de 'Converting Vegetarians' (IM) seria incipiente o uso
> > apenas de uma análise baseada nos conhecimentos adquiridos em aulas
> > formais de harmonia tonal ou contraponto (seja ele florido ou não).
> > Muito mais útil seria a tipomorfologia schaefferiana - não como um
> > sistema pronto e acabado, mas como algo que apresenta ferramentas mais
> > adequadas para tal.
> > Apesar disso, muitos alunos de composição dos cursos de graduação de
> > nossas universidades saem dele sem ao menos saber quem foi Pierre
> > Schaeffer. Falo isso por experiência própria, conversando com colegas
> > de mestrado em música. Na UFRJ os cursos que apontam para esse lado
> > são matérias eletivas e portanto nem todos os alunos recebem este
> > conhecimento. Se formam especialistas em harmonia e contraponto, mas
> > desconhecem o Traité de Schaeffer. É isso que queremos para as
> > faculdades de música?
> >
> > um abraço a todos,
> >
> > Alexandre Bräutigam.
> >
> >
> >
> > > Date: Thu, 18 Oct 2007 15:58:50 -0300
> > > From: palombini em terra.com.br
> > > To: anppom-l em iar.unicamp.br
> > > Subject: [ANPPOM-L] o DJ e o compositor (era que música queremos?)
> > [longa]
> > >
> > >
> > >
> > > Alexandre Bräutigam escreveu:
> > > > Estendendo a discussão sobre o compositor, seu papel, seus meios de
> > > > produção e registro assim como a delicada discussão dos direitos
> > > > autorais (tudo o que envolve dinheiro, no mundo dos Homens, é
> > > > complicado), qual a opinião dos professores a respeito dos remixes e
> > > > dos DJs como compositores? Cito um exemplo : o DJ Tiësto (holandês) e
> > > > sua música 'Adagio for strings'.
> > > Minha opinião --- e já que vc só quer ouvir os professores, vou ser bem
> > > professoral --- é que... "DJ" e "compositor" são termos que refletem as
> > > práticas, os usos e costumes de grupos bem distintos. Pode-se
> > apresentar
> > > o DJ como compositor ou o compositor como DJ a fim de esclarecer a
> > > questão eterna das origens (uma obsessão minha). Meu exemplo preferido:
> > > o processo de criação de "Étude pathétique" de Schaeffer (de modo algum
> > > um compositor no sentido que se tem usado este termo aqui, i.e. aquele
> > > rapaz ou aquela moça que sabe tudo o que um teórico austríaco do século
> > > XVII escreveu em latim num livro publicado em 1725) como descrito pelo
> > > próprio (por favor, se forem publicar o que se segue, digam que a idéia
> > > é minha) o apresenta fazendo exatamente o que um DJ moderno faz. Ele
> > > dispõe de 4 pratos (como se chamava no meu tempo a superfície giratória
> > > daquilo que se denomina hoje pickup) sobre os quais vai colocando, como
> > > ele mesmo diz, o que lhe cai nas mãos: uma barca dos canais de França,
> > > sacerdotes de Bali, uma harmônica ou acordeon norte-americano, um disco
> > > com a tosse de uma radialista interrompendo uma gravação de Sacha
> > > Guitry. Depois, como ele mesmo diz, "exercício de virtuosidade nos
> > > quatro potenciômetros e nas oito chaves de ignição". Este estudo nasce
> > > em poucos minutos: o tempo de gravá-lo, o próprio Schaeffer afirma. As
> > > diferenças entre o que Schaeffer e Garnier fazem seriam tão
> > > esclarecedoras quanto as analogias, embora não seja apropriado
> > > discuti-las aqui. Isto quer dizer que Schaeffer foi o primeiro DJ
> > > moderno, em 1948? Não exatamente. A figura do DJ-produtor se
> > constrói em
> > > várias etapas. A melhor fonte a este respeito é _Last Night a DJ Saved
> > > My Life: The History of the Disc Jockey_, de Bill Brewester e Frank
> > > Broughton (New York: Grove Press, 2000); o que se segue é mais uma
> > > interpretação.
> > >
> > > A primeira destas etapas, acredito, é o surgimento de uma cena onde
> > seus
> > > serviços sejam requeridos. Os swing kids da alemanha nazista raramente
> > > fizeram mais do que discotecar e dançar swing norte-americano.O funk
> > > carioca existiu por quase duas décadas como "mundo funk carioca"
> > (título
> > > do livro de Vianna, que o escreveu no momento em que a cena estava para
> > > gerar a música), alimentado por James Brown, soul da Filadélfia e Miami
> > > Bass antes de passar a existir como música, em 1989 (i.e. um ano após a
> > > publicação do livro de Vianna). O hip-hop existiu como cena desde a
> > > primeira metade dos anos 70, quando o DJ jamaicano Kool Herc se mudou
> > > para o Bronx (na Jamaica, o que chamamos de DJ chamava-se selector e o
> > > que chamamos de MC chamava-se DJ, mas Herc era DJ no sentido nosso, ou
> > > quase), alimentado por rock, disco e funk (submetidos a processos de
> > > discotecagem forjados pelos DJs pioneiros da cena disco de Manhattan e,
> > > depois, pelo scratch, inventado no próprio Bronx) antes da explosão de
> > > "Rapper's Delight", do Sugar Hill Gang (aquela música que utilizou a
> > > base de "Good Times" do Chic, que também foi usada por um grupo de rock
> > > e Gabriel o Pensador no célebre "2345meia78"). A disco foi uma cena de
> > > festas e clubes (sobretudo gays negros e latinos) de Manhattan,
> > > alimentada de rock, soul, experimentalismo e pop desde o final dos anos
> > > 60 antes de gerar a música disco, por uma mutação do soul, no final da
> > > primeira metade dos anos 70. É na cena disco que surge a figura do
> > > DJ-produtor, com Walter Gibbons, Tom Moulton, François Kevorkian etc. O
> > > veículo principal da arte do DJ-produtor é o single de 12 polegadas (ou
> > > 305mm, na versão nacionalista), descoberto por Moulton por um acaso,
> > > quando foi prensar uma mixagem sua e descobriu que não havia material
> > > para o single de 7 polegadas (que no meu tempo chamava-se compacto
> > > simples). Quando Moulton recebeu o LP com uma faixazinha na borda, deu
> > > uma gargalhada e julgou que o comprador se consideraria ludibriado. A
> > > faixa foi espalhada pela superfície inteira do disco e descobriu-se que
> > > o volume de um disco destes era muito mais alto. (Estes discos podiam
> > > ser de vinil ou acetato.)
> > >
> > > A questão da autoria não é problema na cena dançante. Os grupos que
> > > produzem esta música não tem cara. Um autor pode ter várias caras,
> > > simples ou múltiplas (i. é, sozinho ou em parcerias) às quais vai
> > chamar
> > > projetos, e estes projetos, por sua vez, podem jamais revelar, a não
> > ser
> > > em texturas sonoras (o próprio invólucro do single e às vezes até seu
> > > selo não sendo mais do que uma superfície branca), a persona corpórea
> > > do "autor". A música eletrônica dançante é, praticamente, uma música
> > sem
> > > cara. Por isso é tão difícil orientar-se no labirinto das tendências.
> > > Para o "compositor" isto não seria importante, porque tudo estaria na
> > > música. Mas quem tenha estudado um pouco as implicações estésicas das
> > > tecnologias sabe que não é exatamente assim: "escuta reduzida",
> > > "situação acusmática", "pseudo-instrumento", "objeto sonoro" de
> > > Schaeffer; "perda da aura", "declínio do valor de culto", "aumento do
> > > valor de exibição" de Benjamin; "fetichismo na música", "regressão da
> > > audição" de Adorno; "Im-posição" de Heidegger...
> > >
> > > Quanto ao Tiesto, dizem que é o "maior DJ do mundo". Tanto quanto posso
> > > julgar pelo vídeo, prefiro o baile de sábado do Clube Boqueirão de
> > > Regatas, no aterro do Flamengo (entre o MAM e o aeroporto): a
> > acústica é
> > > horrível, não há luzes nem ar condicionado e pode haver pancadaria (de
> > > cunho recreativo, nada que a segurança do baile não domine), mas o
> > > público não fica todo virado e embasbacado, levantando os braços para
> > > "o maior DJ do mundo".
> > >
> > > Carlos
> > >
> > > --
> > > carlos palombini (dr p)
> > > professor adjunto de musicologia
> > > universidade federal de minas gerais
> > > <cpalombini em gmail.com>
> > >
> > > "Ed anco pare riconosciuto generalmente che ai giovani appartenga
> > una specie di diritto di volere il mondo occupato nei pensieri loro."
> > (Giacomo Leopardi, Pensieri XL, 1845)
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