[ANPPOM-Lista] Fundamentação Teórica?

Alvaro Henrique alvaroguitar em gmail.com
Sáb Mar 16 13:33:24 BRT 2013


Daniel, que bom que o cenário de São Luís tem progredido. A última vez em
que estive aí foi há cinco anos, e não era nada bom. Embora minhas visitas
tenham sido cada vez mais espaçadas, como tenho familiares no Maranhão
tenho uma boa noção do estado. Meu pai nasceu num povoado do município de
Mirador, e tenho parentes próximos vivendo nesse município, em Imperatriz,
Colinas, Barra do Corda, e na capital maranhense.

Costumo discutir muito sobre esse assunto da profissionalização do músico.
Tenho muitas dúvidas sobre a "obrigatoriedade" de virar acadêmico. Por
exemplo, vejo alunos de instrumentos que não são de orquestra, e com sérias
limitações de repertório, como o saxofone, entrarem na graduação e durante
quatro a seis anos ter como foco da sua vida viver de performance musical.
O resultado mais comum desse pessoal é, após meia década buscando viver de
performance é viver de performance. Já cantores, pianistas, violonistas,
entram no primeiro dia de aula de graduação se preocupando em ter um cargo
de docência no ensino público. O resultado mais comum, após meia década
querendo ser professor, é ter pessoas virando professores. Colhe-se o que
se planta. Naturalmente estou excluindo quem fez graduação em farra e
cerveja com especialização em música.

Penso também que há uma séria distorção no ensino no Brasil. A ideia é
preparar os músicos para dominar um instrumento o suficiente pra viver de
tocar, nunca oferecer o preparo de todas as habilidades que o mercado
exige, na qual o domínio do instrumento é apenas uma das habilidades
necessárias, frequentemente não a mais relevante. É de se questionar se
isso é função dos cursos universitários, naturalmente, mas hoje a
universidade brasileira cumpre essa função, queira ou não.

Acredito também que há uma falta de compreensão do próprio trabalho de
performance em si. Um médico precisa estudar para continuar sendo um bom
médico, mas o trabalho de um médico não é estudar, é atender pacientes e
fazer cirurgias. Há uma infinidade de músicos que acham que seu trabalho é
aprender repertório novo, ser o rei das escalas, e escrever um projeto pra
edital é disperdiçar tempo de trabalho. Ora, é examente o contrário!
Escrever projeto é trabalho, estudar repertório não é trabalho. O resultado
inevitável de um músico que baseia sua carreira em se trancar num quarto
escuro pra ser o virtuose do seu instrumento e nunca buscar trabalho é ser
um cara que nunca vai ter trabalho, por mais virtuose que seja. Se ele
ganhar um concurso internacional vai conseguir manter essa rotina de muito
estudo e nenhuma busca por trabalho por um ou dois anos, mas o fato é que
um dia até esse cara que ganha concursos internacionais vai ter de sentar
num computador e escrever um projeto se quiser viver de música.

Em especial na música instrumental, que se vê como "superior",
"sofisticada", "civilizatória" (e realmente se comparar com o que os meios
de alienação de massa e a indústria do jabá nos manda gostar realmente é
inevitável chegar a essa conclusão), há uma falta de compreensão que algo
potencialmente belo feito de maneira desinteressante será visto como algo
de pouco valor. Esperar que Beethoven mal tocado seja admirado apenas
porque não é o hit da indústria do jabá é no mínimo ingênuo. Esperar que
mesmo um recital muito bem tocado das mesmas músicas, na mesma ordem,
tocado como no CD de Fulanostein, Beltranovisk ou Sicranomann atraia o
interesse das pessoas que já tem o CD do Fulanostein é uma falha que impede
carreiras promissoras de sair dos primeiros estágios.

Enfim, já está uma mensagem grande, e não quero dominar a discussão. Acho
esse tema muito interessante, e gostaria também de conhecer o pensamento
dos colegas.

Abraços,
Alvaro Henrique
www.alvarohenrique.com
----
http://www.youtube.com/watch?v=44Kf0yBMgKU


Em 15 de março de 2013 00:10, Daniel Lemos <dal_lemos em yahoo.com.br>escreveu:

>
> Caro Álvaro e demais colegas,
>
> Muito obrigado pelo apoio de vocês. Porém, não sei se ser somente artista
> - ou ser um "artista acadêmico" - é de fato uma "opção". Cada vez está mais
> difícil ser artista sem o aporte de um emprego fixo, e dos empregos fixos
> que existem, são raríssimos aqueles cujo papel principal é poder seguir
> produzindo Arte. Por enquanto, estou me dedicando ao máximo para organizar
> o curso - rever Projetos Pedagógicos, iniciar projetos de Pesquisa e
> Extensão e, finalmente, aprovar o curso de Bacharelado. Quando este último
> estiver funcionando, vou dar uma "sumida", pois aí terei condições plenas
> de voltar à trabalhar com Arte. Inclusive muitos alunos e colegas
> professores esperam muito mais de mim nesse sentido, e por agora,
> infelizmente, vivo nesse conflito de "estar trabalhando mas não estar
> trabalhando"...
>
> Sobre a situação aqui no Maranhão, de fato não é boa, mas também não é tão
> ruim quanto vocês devem imaginar. Temos uma Escola de Música estadual,
> outra Municipal (parada há dois anos por desinteresse político) só aqui na
> Capital. No interior, há algumas Escolas de Música municipais. A
> perspectiva é de crescimento.
>
> Por último, gostaria só de acrescentar um ponto: a Universidade precisa de
> artistas nos cursos de Arte. E bons artistas. Porém, quando estes bons
> artistas ingressam no meio acadêmico, passam a ser o "elemento estranho". É
> algo deveras paradoxal, não acham?
>
> Um abraço,
>
> Daniel Lemos Cerqueira
>
> Coordenador de Música
>
> Coordenador do PIBID de Artes
>
> Membro da COPEVE
>
> Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
> http://musica.ufma.br <http://musica.ufma.br>
>
>
> --- Em *qua, 13/3/13, Alvaro Henrique <alvaroguitar em gmail.com>* escreveu:
>
>
> De: Alvaro Henrique <alvaroguitar em gmail.com>
> Assunto: Re: [ANPPOM-Lista] Fundamentação Teórica?
> Para:
> Cc: anppom-l em iar.unicamp.br
> Data: Quarta-feira, 13 de Março de 2013, 18:52
>
> Concordo com o Carlos Palombini e outros colegas que há um ônus a ser pago
> ao escolher ser "artista acadêmico" (ou artista pesquisador). Fazer apenas
> arte é privilégio de quem escolheu ser apenas artista.
>
> Mas vamos pensar no cenário de São Luís e em tantas outras cidades do
> nosso país. Talvez essa seja a única forma que o Daniel veja de fazer sua
> arte aonde ele mora.
>
> Ainda acho que não é o correto, mas me solidarizo com o colega o
> suficiente pra tratá-lo com respeito e educação.
>
> Abraços,
> Alvaro Henrique
> www.alvarohenrique.com
> ----
> http://www.youtube.com/watch?v=44Kf0yBMgKU
>
>
> Em 12 de março de 2013 23:12, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com<http://mc/compose?to=cpalombini@gmail.com>
> > escreveu:
>
>
> Ia me esquecendo, não esqueça de salpicar generosas doses de "novos
> paradigmas", "novas tecnologias", "pelos viéses", "a nível de",
> "ferramentas computacionais", enfim, essas expressões que fazem a gente
> parecer inteligente. E se quiser dar um ar "etno", não pode faltar bastante
> "saberes tradicionais", "músicas de tradição oral", "o Outro" (sempre com
> maiúscula!), "a alteridade", e outras novidades desse tipo.
>
>
>
> 2013/3/12 Daniel Lemos <dal_lemos em yahoo.com.br<http://mc/compose?to=dal_lemos@yahoo.com.br>
> >
>
> Porém, não haverá dificuldade na fundamentação em si. O que gostaria de
> tornar evidente é que este excesso de sistematização tira toda a magia que
> cerca a Música - que é justamente a parte que resiste à Ciência e incomoda
> tanto os acadêmicos. Por que ouvimos Música? Por que tocamos? É como
> Religião: a maioria dos cientistas são ateus, mas nunca conseguirão
> explicar - e, por isso mesmo, preferem ignorar - por que bilhões de pessoas
> sentem necessidade de serem devotos, de acreditar que existe um ser
> supremo, criador de tudo que existe.
>
>
>
> ________________________________________________
> Lista de discussões ANPPOM
> http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
> ________________________________________________
>
>
>
> -----Anexo incorporado-----
>
> ________________________________________________
> Lista de discussões ANPPOM
> http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
> ________________________________________________
>
>
> ________________________________________________
> Lista de discussões ANPPOM
> http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
> ________________________________________________
>
-------------- Próxima Parte ----------
Um anexo em HTML foi limpo...
URL: <http://www.listas.unicamp.br/pipermail/anppom-l/attachments/20130316/0fb84540/attachment.html>


Mais detalhes sobre a lista de discussão Anppom-L