[ANPPOM-Lista] Nilo Batista denuncia a censura inconstitucional: A criminalização do funk

Alvaro Henrique alvaroguitar em gmail.com
Qua Nov 6 22:56:44 BRST 2013


Concordo com sua conclusão, e fiquei muito feliz de receber de um jovem
compositor o "Apelo Violonistico contra a impunidade de todos os crimes do
brasil".

Espero no ano que vem poder tocar também o concerto "que todos os ditadores
caiam", no aniversário de 50 anos de um primeiro de abril que insistem em
chamar de 31 de março, de um golpe que insistem em chamar de revolução.

O compositor e Jean Goldenbaum. Também tive a honra de tocar obras de
conteúdo político do Jorge Antunes.

Em quarta-feira, 6 de novembro de 2013, Jorge Antunes escreveu:

> Caros Rubens Ricciardi e Alvaro Henrique:
>
> Afinado com as mesmas reflexões que vocês fazem, em 2012 escrevi um artigo
> sobre o tema.
> O texto foi incluído na palestra que ministrei na Academia Brasileira de
> Música, no mês passado, com o título:* "Ativismo musical: o compositor na
> rua".*
> Nele analiso o hábito que a burguesia reacionária tem de, com o controle
> dos meios de produção cultural-industrial, recuperar e neutralizar as ações
> artísticas revolucionárias.
> Tal como conseguem transformar Che Guevara em uma mera estampa de
> camiseta, eles também conseguem industrializar e banalizar e desqualificar
> o mais contestador e revolucionário funk ou rap.
> Eis o artigo:
>
> *O ativismo político na música erudita*
> *Jorge Antunes*
>
>
>
> *Maestro, compositor, membro da Academia Brasileira de Música,Pesquisador
> Sênior da UnB, Pesquisador A do CNPqFonte: Revista Continente, edição 139,
> julho de 2012*
>
> O rap surgiu na Jamaica na década de 1960, foi levado para os Estados
> Unidos dez anos depois e, em seguida, se espalhou pelo mundo. A burguesia
> ficou apavorada. As letras da nova manifestação artística falavam das
> dificuldades da vida dos habitantes de bairros pobres. O protesto social, a
> irreverência e a pregação da violência chegaram a amedrontar os donos do
> poder.
>
> Mas o poder de fogo do rap começou a cair quando, na década de 1990, o
> gênero despertou o interesse da indústria fonográfica. Hoje, completamente
> recuperado, tornou-se manifestação comercial e foi absorvido pelo sistema.
> Dessa forma, as falas ritmadas do MC já não assustam a ninguém. Tudo se
> tornou banal, comercial e bom para dançar. Não são apenas os jovens pobres
> que dançam. As dondocas e as patricinhas também entram na onda. O rap de
> protesto e o funk se fazem presentes até mesmo nas novelas da TV Globo.
>
> Platão, em seu programa ético-musical da República, estudou as reações
> emotivas da massa popular. Jean-Jacques Rousseau, no século 18, detalhou
> alguns aspectos do fenômeno, lembrando que o intervalo de terça maior
> excita o sentimento de alegria, podendo chegar a imprimir ideias de furor.
> A terça menor, ao contrário, leva as massas à tristeza, despertando ternura
> e suavidade. Não é à toa que todos os hinos nacionais, além de usarem ritmo
> marcial, são escritos em modo maior. Observa-se, por outro lado, que quase
> todos os cantos religiosos e fúnebres são em modo menor. As reflexões de
> Platão e Rousseau se juntam a muitas outras que se seguiram, para
> demonstrarmos o poder de fogo que a música tem para influir nos destinos do
> homem e para formar mentalidades. Sou daqueles que acreditam que a vida
> imita a arte.
>
> Em 1966, quando a ditadura militar reprimia violentamente as manifestações
> estudantis na Cinelândia, no Rio de Janeiro, escrevi uma obra para
> orquestra de cordas e fita magnética intitulada *Dissolução*. Como eu já
> estudava Física, todo mundo pensava que o título de minha peça tinha
> conotação extra-musical com algo de científico, de Química: a “dissolução”
> de alguma substância em laboratório. Mas, na verdade, a conotação era
> política e de contestação. Na obra tento descrever, com sons, a dissolução,
> feita pela polícia, de uma manifestação estudantil na rua. Na fita, além de
> sons eletrônicos, uso ruídos dramáticos de vidraças quebradas.
>
>  Naquela época não era fácil se fazer música engajada politicamente. Eu
> conseguia fazer, mas sempre de modo velado, disfarçado. A censura e a
> perseguição caiam sempre sobre qualquer obra de arte que insinuasse, em seu
> conteúdo ou em seu título, algo referente às questões sociais e políticas.
> Os autores de obras daquele tipo, então consideradas subversivas, passavam
> a ser perseguidos pelo donos do poder e até mesmo discriminados pelos
> próprios colegas artistas. Quem era amigo de um subversivo, corria risco de
> também ser considerado subversivo.
>
>  Hoje, os historiadores são sempre limitados quando analisam a censura
> praticada contra a produção cultural na época do regime militar. Eles se
> atêm ao estudo da repressão sofrida pela imprensa, pela literatura e pela
> música popular. Desconhecem, totalmente, a censura que foi imposta, pelo
> regime militar, à música erudita brasileira.
>
> Em abril de 1964 minha canção *Cabra da Peste*, escrita para voz de
> barítono e piano, foi censurada pela direção da Rádio MEC do Rio de
> Janeiro. Para que fosse tocada no programa *Jovens Compositores do Brasil*,
> produzido por Dieter Lazarus, fui convidado a fazer nova gravação nos
> estúdios da rádio, desde que mudasse a letra da música.
>
> Não faltaram, no passado, histórias de compositores brasileiros, na área
> da música erudita, que viveram uma fase de ativismo político através da
> música. Cláudio Santoro compôs, em 1953, sua *Quinta Sinfonia*, também
> conhecida como *Sinfonia da Paz*, com texto da poetisa comunista
> Antonieta Dias de Moraes. Gilberto Mendes, que à época estudava com
> Santoro, também escreveu canções engajadas politicamente usando poemas da
> mesma autora. Da mesma época data a obra *Canto do Soldado Morto*, de
> Eunice Katunda, com texto do poeta comunista Rossini Camargo Guarnieri. Por
> volta de 1973 o compositor paulista Willy Corrêa de Oliveira passou a
> compor unicamente obras musicais com fins de doutrinação política,
> militando junto às Comunidades Eclesiais de Base. Mas essa postura foi
> abandonada alguns anos depois.
>
> Esses exemplos correspondem a fatos esporádicos e efêmeros, ocorridos
> circunstancialmente nas vidas daqueles compositores. Alguns deles, logo
> após aquelas experiências, voltaram a fazer arte pela arte. Outros chegaram
> até mesmo a virar casaca e condenar aquelas suas próprias posições do
> passado. Esse foi o caso, por exemplo, de Claudio Santoro. Em 1979, num
> debate realizado durante a Bienal de Música Contemporânea Brasileira,
> Santoro declarou que renegava todo aquele passado de engajamento político
> e que se arrependia de ter defendido ideias de esquerda e de tê-las
> embutido em algumas obras.
>
> Assim, são raros, no Brasil, casos de compositores de música erudita que
> abraçaram e nunca mais abandonaram o ativismo político por meio da música,
> tal como aconteceu em outros países. Podemos citar, como exemplos dessas
> exceções: o alemão Hanns Eisler, o inglês Cornelius Cardew, o italiano
> Luigi Nono, o chileno Sergio Ortega, o italiano Luca Lombardi, o austríaco
> Wilhelm Zobl, o grego Thanos Mikroutsikos e o norte-americano Frederick
> Rzewski.
>
>  Intelectuais sempre tiveram, e continuam a ter, enorme responsabilidade
> com relação ao presente e ao futuro da humanidade. São eles os que,
> detentores de credibilidade, conseguem tribunas e espaços para fazer eco às
> suas convicções políticas. Por essa razão acredito ser obrigação do
> compositor não se encerrar em uma torre de marfim. O compositor que se
> tranca em torre de marfim é um compositor criminoso.
>
>  A música popular, mesmo aquela de protesto, sempre foi rapidamente
> adotada como mercadoria pela indústria fonográfica. O rap e o funk também
> seguiram a mesma trajetória. Mensagens políticas construídas para a venda,
> não convencem a ninguém.
>
>  A música erudita moderna e de vanguarda é a única vertente musical que
> resta, ainda hoje, não recuperada pelo sistema. Assim, ela passa a ser, ou
> a continuar a ser, o único suporte capaz de dar credibilidade a mensagens
> extra-artísticas de cunho social ou político.
>
>
> Em 6 de novembro de 2013 00:40, Alvaro Henrique <alvaroguitar em gmail.com>escreveu:
>
>> Como um não-acadêmico que estou agora, ouso propôr que a indústria da
>> cultura está ligada à mídia de massa, em especial como promotor de um
>> processo alienante e alienador que favoreça a manutenção do status quo.
>>
>> Curioso que outros grupos periféricos, de outros 24, 25 unidades da
>> federação tem tudo o que o artigo defende como defensáveis: arte popular,
>> irreverência, sensualidade, produto de uma comunidade violenta, e divergem
>> muito do funk. Ah, não tem uma rede Globo enlatando, empacotando, e
>> ganhando dinheiro via Som Livre em cima deles. Parece-me algo tão "popular"
>> quanto isso aqui: Стас Михайлов - Мы все (Небеса Official video
>> StasMihailov) <http://www.youtube.com/watch?v=Bh7nYvCH9v8>
>>
>>
>>
>> Abraços,
>> Alvaro Henrique
>>
>> Alvaro Henrique is a Price, Rubin & Partners artist. Info:
>> http://alvarohenrique.com/dossie_en.pdf
>> Alvaro Henrique plays Royal Classics guitar strings.
>> http://www.royalclassics.com/catalogo_artista_detalle.htm?idioma=es&id=42
>> ----
>> Tel.: +55(61) 9977 0535
>> http://youtu.be/5m0IObFP4aM <http://www.youtube.com/watch?v=44Kf0yBMgKU>
>>
>>
>> Em 5 de novembro de 2013 23:19, Carlos Palombini <cpalombini em gmail.com>escreveu:
>>
>>> Se você for capaz de me explicar o que seja "Indústria da cultura"
>>> talvez possamos começar a discutir este ponto.
>>>
>>> 2013/11/5 Rubens Ricciardi <rrrr em usp.br>
>>>
>>>   Independente da questão da criminalização sobre a qual nada sei, será
>>>> que o funk é mesmo uma “inegável expressão da cultura popular”?
>>>>
>>>> aliás, o funk é cultura popular ou industria da cultura?
>>>>
>>>> Rubens R. Ricciardi
>>>>
>>>>
>>>
>>> --
>>> carlos palombini
>>> professor de musicologia ufmg
>>> proibidao.org
>>> ufmg.academia.edu/CarlosPalombini
>>>
>>>
>>> ________________________________________________
>>> Lista de discussões ANPPOM
>>> http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
>>> ________________________________________________
>>>
>>
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>> ________________________________________________
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>> http://iar.unicamp.br/mailman/listinfo/anppom-l
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Abraços,
Alvaro Henrique

Alvaro Henrique is a Price, Rubin & Partners artist. Info:
http://alvarohenrique.com/dossie_en.pdf
Alvaro Henrique plays Royal Classics guitar strings.
http://www.royalclassics.com/catalogo_artista_detalle.htm?idioma=es&id=42
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